Medida provisória institui o regime de autorização no setor ferroviário
Novo marco legal dispõe sobre a exploração do serviço de transporte ferroviário e institui a delegação do serviço por autorização
Assuntos
A Medida Provisória 1.065, editada pela Presidência da República em conjunto com os Ministérios da Economia e da Infraestrutura, em 30 de agosto de 2021, dispõe sobre a exploração do serviço de transporte ferroviário, o trânsito e as atividades desempenhadas por administradoras ferroviárias e operadores ferroviários independentes (OFI).
O ato normativo reitera a competência da União para a outorga do serviço de transporte ferroviário, quando relacionado ao Subsistema Ferroviário Federal, constituído por ferrovias existentes ou planejadas e pertencentes aos grandes eixos de integração interestadual, inter-regional e internacional. Residualmente, os Estados, Distrito Federal e municípios têm competência para outorgar o serviço de transporte ferroviário quando não se tratar de ferrovia do Subsistema Ferroviário Federal. Além disso, a União poderá delegar a exploração da infraestrutura ferroviária aos Estados, Distrito Federal e municípios.
Outorga de autorização
A principal inovação da medida provisória está relacionada à outorga de autorização à iniciativa privada para explorar o serviço de transporte ferroviário federal em regime de direito privado. A exploração do setor ferroviário pela iniciativa privada só era possível, até então, por meio de concessão do serviço público, nos termos da Lei 8.987/1995, formalizada após processo licitatório. Agora, o interessado em obter a autorização poderá requerê-la diretamente ao Ministério da Infraestrutura, acompanhado da minuta do contrato de adesão com os dados técnicos do requerente, estudo técnico da ferrovia e certidões de regularidade fiscal.
Os requerimentos de autorização somente poderão ser negados pelo Ministério da Infraestrutura em três hipóteses:
- Inobservância ao disposto na Medida Provisória 1.065/2021;
- Incompatibilidade com a política nacional de transporte ferroviário;
- Motivo-técnico operacional relevante devidamente justificado. Se não houver razão para o indeferimento, o contrato de adesão será assinado com prazo máximo de 99 anos, prorrogáveis por períodos iguais e sucessivos, desde que solicitado previamente pelo requerente e com comprovação de que a infraestrutura ferroviária está em operação.
A Agência Nacional de Transporte Terrestre (ANTT) poderá instaurar processo de chamamento público, a pedido do Ministério da Infraestrutura, para selecionar interessados na obtenção de autorização em ferrovias não implantadas, sem operação, em processo de devolução ou desativação, outorgadas a empresas estatais (exceto as subconcedidas) ou ociosas. Havendo mais de uma interessada na outorga, a ANTT realizará processo seletivo público com o critério de julgamento de maior lance.
A autorizatária, uma vez formalizada a relação contratual com o Ministério da Infraestrutura, se torna integralmente responsável pelo risco do empreendimento, sem direito a reequilíbrio econômico-financeiro. Custos e riscos da fase executória do procedimento de desapropriação também são alocados a ela.
Em relação aos bens vinculados à autorização, necessários para a exploração do serviço de transporte ferroviário, todos os bens móveis e imóveis não são reversíveis à administração pública quando a autorização for extinta. Haverá reversão somente de bens públicos eventualmente transferidos à autorizatária por meio de concessão de direito real de uso, mas sem direito a indenização caso a mesma promova investimentos nos bens públicos. Não há previsão obrigando a autorizatária a pedir autorização prévia ou comunicar o Ministério da Infraestrutura ou à ANTT caso decida promover tais investimentos.
A autorização poderá ser extinta em cinco situações específicas:
- Advento do termo contratual;
- Cassação, quando houver perda das condições indispensáveis à continuidade da atividade;
- Renúncia, por manifestação unilateral da autorizatária sobre o desinteresse na outorga;
- Anulação, por razões de irregularidades insanáveis e decretada judicial ou administrativamente;
- Falência da autorizatária.
Ferrovias registradas
A despeito das autorizações, a Medida Provisória 1.065/2021 também incluiu a possibilidade de construção e exploração de ferrovias particulares mediante registro na ANTT, desde que localizadas exclusivamente em áreas privadas e que observem as diretrizes da política nacional de transportes ferroviários.
De todo modo, as ferrovias registradas serão submetidas à regulação e fiscalização da ANTT em relação ao trânsito e segurança, sem prejuízo de observância da legislação estadual e/ou municipal sobre ocupação do espaço urbano.
Autorregulação
As administradoras ferroviárias (concessionárias, permissionárias e autorizatária) e os OFIs podem se associar para promover autorregulação técnico-operacional a respeito de:
- Normas técnicas da execução do transporte ferroviário;
- Conciliação de conflitos entre seus membros;
- Coordenação, planejamento e administração em cooperação do controle operacional das malhas ferroviárias;
- Coordenação da atuação dos seus membros para assegurar neutralidade com relação aos interesses dos usuários;
- Solicitação à ANTT de revogação e de alteração de atos normativos incompatíveis com a eficiência ou a produtividade ferroviária;
- Articulação com órgãos e entidades da administração pública para conciliação do uso da via permanente de seus membros com outras vias terrestres e com demais modais logísticos;
- Aprovação de programas de gestão de manutenção de riscos e de garantias das operações de transportes.
Empresas não aderentes à autorregulação não estarão submetidas às normas editadas pela associação. A ANTT supervisionará as atividades do autorregulador ferroviária para evitar a edição de autorregulação que não tenha caráter técnico-operacional e, além disso, é vedada a edição de norma ou de especificação técnica que dificulte ou impeça a interconexão por outra administradora ferroviária ou outro OFI sem motivo justificado.
Adaptação do contrato de concessão para autorização
Outra novidade da medida provisória diz respeito à possibilidade de a concessionária ferroviária federal requerer a adaptação do contrato de concessão para autorização quando a autorização tenha sido outorgada à outra pessoa jurídica:
- Concorrente de forma a caracterizar a operação ferroviária em mercado logístico competitivo (neste caso a adaptação fica restrita aos trechos em que haja efetiva contestabilidade);
- Integrante do mesmo grupo econômico da atual administradora ferroviária, de forma a expandir a extensão ou a capacidade ferroviária, no mesmo mercado relevante, em percentual não inferior a 50%.
O Ministério da Infraestrutura decidirá sobre a adaptação do contrato de concessão a partir de critérios de eficiência econômica. Para tanto, serão convocados o Comitê Interministerial de Planejamento da Infraestrutura e a Secretaria de Acompanhamento Econômico do Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade).
Além disso, a concessionária deverá comprovar as seguintes condições junto com o requerimento de adaptação:
- Inexistência de multas ou encargos setoriais não pagos à União;
- Manutenção no contrato de autorização das obrigações financeiras perante a União e das demais obrigações de eventuais investimentos em contrato de concessão (inclusive os compromissos de investimentos em malha de interesse da administração pública e obrigações de transporte celebradas com os usuários do sistema);
- Prestação de serviço adequado nos termos do contrato;
- Manutenção de serviços de transporte de passageiros no novo contrato de autorização, caso a concessionária já opere linha regular de transporte de passageiros.
A concessionária poderá manter a exploração dos bens vinculados à prestação do serviço concedido, devendo ser revertidos os bens móveis adquiridos até a adaptação contratual e todos os bens imóveis à administração quando do encerramento do contrato de autorização.
O prazo do contrato de autorização adaptado será idêntico ao prazo da concessão, incluído o prazo da prorrogação já efetivada. A critério do Ministério da Infraestrutura, a prorrogação do prazo da autorização originária da adaptação poderá ocorrer mediante pagamento pela extensão contratual.
Se a adaptação for fundamentada na competição do mercado logístico, a concessionária poderá requerer a recomposição do equilíbrio econômico-financeiro desde que comprove o nexo entre o desequilíbrio e a outorga da autorização para concorrente. O reequilíbrio poderá ser efetivado pela redução do valor de outorga, aumento do teto tarifário, supressão de investimentos, adaptação do contrato, ampliação de prazo e/ou indenização.
Matérias previamente reguladas
Diversas previsões da Medida Provisória 1.065/2021 já haviam sido tratadas por outros atos normativos, especialmente por regulamentação da ANTT:
- Devolução ou desativação de ramais: possibilidade de a concessionária ou permissionária de serviço público ferroviário requerer à ANTT a devolução ou desativação de trechos que não apresentem tráfego comercial nos cinco anos anteriores ou comprovadamente antieconômicos em decorrência da extinção ou do exaurimento das fontes da carga. Artigo 3º do Decreto 1.832/1996 e Resolução ANTT 5.945/2021;
- Compartilhamento de infraestrutura ferroviária: concessionárias, permissionárias e autorizatárias do serviço de transporte ferroviário devem negociar acordos comerciais para assegurar o compartilhamento de infraestrutura ferroviária e a continuidade da prestação do serviço. Artigo 6º do Decreto 1.832/1996 e Resolução ANTT 5.943/2021;
- Investimentos de terceiros interessados: terceiros interessados em promover investimentos para o aumento da capacidade, aprimoramento ou adaptação operacional da infraestrutura ferroviária ou para executar projetos acessórios ou associados à ferrovia poderão requerer diretamente à administradora da ferrovia. A negociação entre as partes estará sujeita às normas de direito privado e em observância à regulamentação da ANTT. Resolução ANTT 5.944/2021;
- Operador ferroviário independente: interessados em prestar o serviço de transporte ferroviário de cargas não associado à exploração de infraestrutura ferroviária, para si ou para terceiros, poderá solicitar autorização de OFI para a ANTT e negociar contratos operacionais específicos com as administradoras ferroviárias. Resolução ANTT 5.920/2021.
Sanções
Na seção de disposições gerais e transitórias da Medida Provisória 1.065/2021, houve alteração de diversos artigos da Lei 10.233/2001. A mais relevante delas se relaciona ao valor máximo de penalidades: de acordo com a nova redação do artigo 78-F, a ANTT e a ANTAQ poderão impor a penalidade de multa, isoladamente ou em conjunto com outra sanção, em valor não superior a R$100 milhões para cada infração cometida. A redação anterior previa a multa máxima de R$10 milhões.
Tramitação legislativa
O primeiro passo da tramitação da medida provisória no Congresso Nacional será a designação de comissão mista responsável por analisar previamente os pressupostos constitucional de relevância e urgência, o mérito e a adequação financeira e orçamentária do ato normativo. O relator da matéria avaliará eventuais emendas apresentadas que forem estranhas ao texto original da medida provisória e publicará seu parecer concluindo pela aprovação total, pela apresentação de projeto de lei de conversão (caso o texto seja alterado) ou pela rejeição da matéria.
O plenário da Câmara dos Deputados passa, então, a analisar a medida provisória e o parecer do relator da comissão mista. O quórum para aprovação é de maioria simples e, caso aprovada, a matéria é remetida ao Senado Federal. Nessa casa revisora, a deliberação também ocorre por maioria simples. Se os senadores apresentarem modificações ao texto recebido da Câmara dos Deputados, as proposituras retornam à casa iniciadora para avaliá-las. Uma vez aceitas ou rejeitadas, a matéria é remetida à sanção (se for o caso de projeto de lei de conversão) ou à promulgação (caso o texto original seja preservado).
A publicação da Medida Provisória 1.065/2021 em edição extraoficial do Diário Oficial da União coincidiu com a disponibilização de novo parecer do senador Jean Paul Prates, relator do Projeto de Lei do Senado 261/2018. O escopo do Projeto de Lei do Senado é semelhante à Medida Provisória 1.065/2021 – dispor sobre a outorga de autorização à iniciativa privada para explorar infraestrutura ferroviária, contudo, isso não significa que a medida provisória deve obstar a tramitação do Projeto de Lei do Senado (ou vice-versa).
Para mais informações sobre o tema, conheça a prática de Infraestrutura e Energia do Mattos Filho.