Leis invasoras e a competência para legislar sobre energia elétrica
No Setor Elétrico a discussão é extremamente relevante e gera impactos na prestação dos serviços de fornecimento de energia elétrica
Assuntos
Utiliza-se o termo “Leis Invasoras” para designar atos legislativos de diversas origens que, em razão da matéria, exacerbam suas competências constitucionais, “invadindo” a competência constitucional conferida a outro ente federativo, sendo formalmente incompatíveis com a Constituição Federal.
A Constituição, como se sabe, determina sobre quais matérias cada ente federativo pode legislar, concorrentemente e privativamente. Cabe à União, privativamente, legislar sobre energia elétrica, sobre a exploração do serviço, sobre o regime das empresas concessionárias e permissionárias deste serviço público, bem como sobre a política tarifária. Por outro lado, compete concorrentemente à União, aos Estados e ao Distrito Federal legislarem sobre o direito do consumidor. E por fim, compete aos municípios legislar sobre assuntos de interesse local.
No cenário do setor elétrico, essa discussão é especialmente relevante, pois apesar da competência privativa da União para legislar sobre energia elétrica e o regime de concessões, legisladores estaduais e municipais têm editado leis invadindo tal competência, sob a justificativa de que estariam criando normas consumeristas. Ocorre que tais leis afetam diretamente a prestação do serviço e preveem novas obrigações e encargos para as concessionárias de energia elétrica, contrariando, inclusive, regras definidas pela ANEEL ou previstas no contrato de concessão. Quando impugnadas, muitas vezes sob o entendimento de que regulam direitos consumeristas, são declaradas constitucionais, pois a competência para legislar sobre Direito do Consumidor é concorrente.
Todos os anos são ajuizadas diversas Ações Diretas de Inconstitucionalidade buscando a declaração de inconstitucionalidade de leis municipais e estaduais que, extrapolando a sua competência legislativa, interferem na regulação setorial de energia. A maioria dos julgados do Supremo Tribunal Federal acolhe a tese de que as legislações estaduais e municipais que interferem no setor elétrico, ainda que sob o pretexto de defesa dos direitos do consumidor, são formalmente inconstitucionais, pois usurpam a competência exclusiva da União para legislar sobre assuntos regulamentares setoriais. Em cada julgado, dada a especificidade do caso em exame, há observações específicas da corte.
Precedentes atraem atenção
Recentemente, determinados precedentes têm chamado atenção sobre o assunto, em razão de certas confusões conceituais. Algumas Ações Diretas de Inconstitucionalidade têm encampado a tese da constitucionalidade concorrente consumerista para determinadas legislações locais que podem ser sensíveis ao setor e não devem ser ignoradas.
Apesar disso, destaca-se que quando é demonstrado o fundamento regulatório da questão discutida e suas consequências, verifica-se a tendência de ser reconhecida a inconstitucionalidade das leis invasoras.
A imposição de normas locais que afetam o setor elétrico acaba causando impactos diretos e indiretos nas operações das concessionárias de energia. Por esse motivo, alterações legais que imponham às concessionárias obrigações que aumentam seus custos de operação e/ou índices de inadimplência têm grande potencial para causar desequilíbrios regulatórios relevantes.
As Leis Invasoras podem afetar o equilíbrio de todo o Sistema Interligado Nacional (SIN), pois o setor elétrico, por ser integrado e nacional, é sensível a qualquer mudança isolada ou pontual nas regras a serem cumpridas pelos agentes do setor, podendo gerar desequilíbrios que se acumulam e causam consequências negativas para a prestação dos serviços, o que, em última análise, acaba prejudicando os próprios consumidores através de reajustes tarifários.
O debate sobre estas leis é relevante e deve ser ampliado, já que está diretamente ligado à previsibilidade e segurança jurídica, indispensáveis para o adequado funcionamento do sistema. As Leis Invasoras podem ser combatidas pelas vias judiciais através da demonstração dos impactos regulatórios e da competência federal privativa para legislar sobre os temas relativos ao setor elétrico.
Para mais informações sobre o assunto, conheça a prática de Contencioso e Energia do Mattos Filho.
*Com a colaboração de Ilana Bastos Daltro de Miranda.