Impacto do coronavírus em Contratações Emergenciais e no Reequilíbrio de Contratos de Concessão
Pandemia causa duplo efeito em contratações públicas: impacta contratos de concessão em vigência e autoriza contratações por dispensa de licitação
Assuntos
Os efeitos da pandemia do coronavírus (Covid-19) na sociedade brasileira estão ensejando a decretação de estado de emergência em municípios e estados, e recomendações de autoridades sanitárias, como o isolamento domiciliar. Os reflexos das medidas de prevenção ao risco de contágio, de alguma forma, afetarão a celebração de contratos administrativos e a execução dos contratos de concessão do setor de Infraestrutura.
Celebração dos contratos: dispensa de procedimento licitatório
Como uma das primeiras medidas para enfrentar a emergência de saúde pública decorrente da pandemia do coronavírus, o Governo Federal sancionou a Lei nº 13.979, de 6 de fevereiro de 2020, definindo medidas preventivas e repressivas contra a pandemia.
Para garantir a efetividade das providências sanitárias, instituiu-se a dispensa de licitação para a aquisição de bens, serviços e insumos de saúde relacionados à prevenção de risco de contágio e ao tratamento da saúde pública. Em outras palavras, a Administração Pública Federal poderá promover a aquisição de insumos e equipamentos necessários ao combate do coronavírus (produtos médicos e de higienização, por exemplo) e a contratação de serviços sem adotar procedimento licitatório.
Trata-se de exceção ao dever de licitar previsto na Constituição Federal, em razão da atual situação excepcional, já definida no art. 24 da Lei de Licitações e Contratos Administrativos (Lei nº 8.666, de 21 de junho de 1993) como hipótese de dispensa de licitação.
A Lei nº 13.979/2020, portanto, introduziu uma hipótese de dispensa de licitação mais específica que a Lei nº 8.666/1993, mas com efeitos práticos similares. Isto significa que o gestor público deverá instaurar processo administrativo para instruir a contratação via dispensa de licitação, devendo respeitar os seguintes requisitos:
• Descrever a situação emergencial relacionada à contratação: a justificativa não poderá ser diferente daquela prevista na Lei nº 13.979/2020 e a contratação deverá demonstrar pertinência com o enfrentamento da emergência de saúde pública;
• Razão da escolha do fornecedor ou executante: o gestor deverá apresentar as razões fáticas que motivaram a escolha do determinado fornecedor de bens/equipamentos em detrimento de outros do mercado (razões logísticas, produto sob pronta entrega, entre outros);
• Justificativa do preço: o valor da contratação deverá ser compatível com valores praticados no mercado, admitindo-se leves variações em razão da situação calamitosa; e
• Publicação no Diário Oficial da União: a contratação deverá ser comunicada à autoridade superior no prazo de 3 dias para ratificação e publicada no Diário Oficial da União no prazo de 5 dias, como condição de eficácia. Além disso, a Lei 13.979/2020 determina que a contratação seja imediatamente disponibilizada no site oficial do órgão contratante com as seguintes informações: nome do contratado; número de sua inscrição na Receita Federal do Brasil; prazo contratual; valor do contrato; e respectivo processo de contratação ou aquisição.
Qualquer contratação que não obedeça aos requisitos mencionados acima poderá ser questionada por órgãos de controle e, caso verificado o desvio de finalidade, ser declarada nula – além de eventual aplicação de penalidades aos envolvidos por fraude aos processos licitatórios e danos ao erário.
Apesar da Lei nº 13.979/2020 ter efeitos apenas nas contratações da Administração Pública Federal, a Lei nº 8.666/1993 tem abrangência nacional e, consequentemente, órgãos públicos municipais, estaduais e o Distrito Federal poderão adotar a hipótese geral de dispensa de licitação do art. 24, IV. Neste contexto, os Governos Estaduais e Municipais têm publicado decretos regulando as contratações emergenciais.
Para se evitar questionamentos, a contratação deve seguir os requisitos acima.
Execução dos contratos de concessão: impacto na relação entre as partes
Sob a análise dos recentes acontecimentos e das previsões contratuais usualmente empregadas nos contratos de concessão, definimos os possíveis impactos na relação entre o Poder Concedente e a Concessionária neste período.
• Perda de receita tarifária: diante dos isolamentos domiciliares, espera-se uma redução na demanda por serviços públicos (usuários de aeroportos, metrôs, rodovias etc.). Haverá, portanto, perda na receita tarifária das concessionárias em razão da frustração da demanda – risco geralmente assumido apenas pelas Concessionárias. A despeito disso, no tocante aos aeroportos, a ANAC divulgou que pretende realizar o reequilíbrio econômico-financeiro dos contratos.
• Cronogramas de obras: a recomendação emitida por autoridades sanitárias pode gerar alterações substanciais nos contratos de concessão vigentes. Os cronogramas de obras poderão ser afetados considerando possíveis atrasos na entrega de insumos e equipamentos por fornecedores e na redução de mão de obra para evitar aglomerações e trabalhos em ambientes externos com risco de contaminação. Os impactos nos cronogramas de obras também são usualmente assumidos por Concessionárias.
• Riscos Econômico-Financeiros: além das variações tarifárias, impactos econômico-financeiros decorrentes da frustração das receitas acessórias e complementares; aumento de custo de capital, insumos e equipamentos; e variação das taxas de câmbio, entre outros, são exemplos de riscos alocados à álea ordinária das Concessionárias.
Os riscos mencionados acima foram extraídos da análise ampla de contratos de concessão celebrados em âmbito federal, estadual e municipal. A definição específica dos riscos aplicáveis a cada caso depende da análise das previsões contratuais e dos riscos alocados às partes.
Ainda de forma ampla, considerando os impactos diretos e indiretos na execução dos contratos de concessão e no recebimento de receitas tarifárias, a pandemia poderá ser enquadrada como hipótese contratual de caso fortuito ou força maior.
Segundo precedentes judiciais e do Tribunal de Contas da União, a ocorrência de fatos imprevisíveis, ou previsíveis, porém de consequência incalculáveis, retardadores ou impeditivos da execução do ajustado, como caso fortuito e força maior, é uma das hipóteses autorizadoras de reequilíbrio econômico-financeiro dos contratos.
Eventos que configurem álea econômica extraordinária e extracontratual, e que não sejam seguráveis no Brasil, deverão receber tratamento diferenciado pela Administração Pública: descumprimentos contratuais pela Concessionária (atrasos na execução das obras, por exemplo), não poderão ser passíveis de penalização, desde que a escusa seja devidamente justificada e comprovada; a recomposição do equilíbrio econômico-financeiro deverá ser acordada entre Poder Concedente e Concessionária, devendo a última demonstrar a materialidade e o prejuízo advindo desses eventos.
Os mecanismos de reequilíbrio econômico-financeiro são definidos nos instrumentos contratuais e envolvem, via de regra, alteração no valor da tarifa, alteração no prazo da concessão, alteração das obrigações contratuais da Concessionária, combinação desses mecanismos ou outro mecanismo pactuado entre as partes.
Destaca-se, por fim, que a aplicabilidade da hipótese de caso fortuito ou força maior estará sujeita à comprovação das efetivas perdas e danos suportados pela Concessionária e das disposições contratuais aplicáveis ao caso concreto. Diante do cenário macroeconômico excepcional instaurado pela pandemia, espera-se que os contratos afetados tenham seu equilíbrio econômico-financeiro preservados pela Administração Pública.