

CVM abre consulta pública para revisão do marco regulatório dos FIPs
Entenda principais inovações e pontos de discussão propostos pela autarquia
A Comissão de Valores Mobiliários (CVM) divulgou o Edital de Consulta Pública SDM nº 03/24, submetendo ao público minuta do novo Anexo Normativo IV da Resolução CVM nº 175, de 2022, com regras específicas para os Fundos de Investimento em Participações (FIP), em substituição à redação atualmente em vigor.
A consulta pública vem em momento de grande expectativa e é fruto de discussões intensas com agentes da indústria, tendo como objetivo modernizar o arcabouço regulatório de um veículo de investimento que desempenha papel crucial no mercado de capitais brasileiro desde a sua instituição. Mais de duas décadas separam a Instrução CVM nº 391, de 2003, a primeira versão do regramento aplicável aos FIPs, da divulgação da consulta pública. Neste período, a indústria evoluiu significativamente e permitiu ao regulador, agentes de mercado e investidores institucionais melhor compreender oportunidades e riscos associados ao investimento em ativos de private equity e venture capital.
As mudanças propostas pela CVM buscam modernizar o arcabouço regulatório e facilitar o acesso de startups e pequenas e médias empresas ao mercado de capitais. A consulta também cria uma alternativa de acesso aos FIPs por investidores em geral, reformulando a estrutura de divulgação de informações, prevendo a necessidade de estipulação de limites de investimento por emissor e por ativo em determinados casos, pagamento de remuneração de performance, entre outros temas, para tornar os FIPs atrativos aos investidores em geral.
Veja abaixo os pontos de destaque da Consulta Pública SDM 03/24.
Permissão do FIP para o investidor de varejo
Uma das principais inovações propostas é a flexibilização do público-alvo de FIP, observados determinados requisitos mínimos de governança. Desde a edição da Instrução CVM 209, há 30 anos, o público-alvo de fundos de investimento em empresas emergentes manteve-se restrito a investidores qualificados, dada as peculiaridades da indústria de private equity e venture capital, notadamente em razão do perfil de risco e a baixa liquidez desses ativos. A consulta pública inova ao prever a possibilidade de flexibilização deste público-alvo desde que observadas características mínimas para que a governança seja familiar aos investidores em geral, permitindo o acesso a uma ampla gama de investidores no mercado de capitais.
A flexibilização do público-alvo de FIP se insere em um contexto de expansão do acesso a ativos alternativos para investidores em geral, como já ocorrido para Fundos de Investimento em Direitos Creditórios, que foram objeto de flexibilização semelhante quando da edição da Resolução CVM 175. Destaca-se que a revisão dos conceitos de “investidor profissional” e “investidor qualificado” consta da Agenda Regulatória da CVM para 2025 e espera-se que seja objeto de rediscussão em breve.
Para FIPs voltados a investidores em geral, a consulta pública propõe: (i) a obrigatoriedade do regime de responsabilidade limitada, pelo qual a responsabilidade do investidor estará limita ao capital subscrito; (ii) a necessidade de admissão das cotas em mercado organizado, bem como a contratação de formador de mercado; (iii) a vedação às chamadas de capital; (iv) a estipulação de limites de concentração por ativo e emissor fixado em função de um percentual do capital subscrito, que deverão constar na política de investimento do regulamento; (v) restrições ao investimento em ativos no exterior, que não poderá exceder 33% do patrimônio líquido; e (vi) vedação à realização de operações com potencial conflito de interesse, especialmente quando envolverem o administrador, o gestor, os membros de comitês ou conselhos ou o representante dos cotistas, sem prejuízo da aprovação em assembleia de cotistas.
Representante dos cotistas
Propõe-se a previsão de representantes dos cotistas, uma dinâmica similar ao que já ocorre em estruturas de Fundos de Investimento Imobiliário, que serão responsáveis, dentre outras atividades, por (i) fiscalizar as atividades do fundo e dos prestadores de serviços, (ii) produzir opinião sobre determinadas matérias a serem encaminhadas à assembleia de cotistas; (iii) produzir relatório anual ao administrador; e (iv) denunciar eventuais irregularidades que venham a constatar.
Efetiva influência
A proposta pela CVM elimina a obrigatoriedade de a classe de cotas exercer efetiva influência na definição da estratégia e gestão das sociedades investidas, embora mantenha a obrigatoriedade de participação no processo decisório. Dessa forma, propõe-se excluir os exemplos contidos na atual regulamentação sobre formas de participação do FIP nas decisões da sociedade investida, deixando para o regulamento a disciplina sobre a forma de participação em seu processo decisório que, assim, pode ou não envolver a efetiva participação na gestão das investidas.
A exceção à flexibilização fica para os FIPs de infraestrutura e PD&I, tendo em vista os requisitos estabelecidos na Lei nº 11.478, de 2007, que refletem a regulamentação vigente e não podem ser suprimidos, exceto por alteração na referida lei.
Operações com partes relacionadas
A minuta da consulta pública propõe afastar, especificamente para FIPs destinados a investidores qualificados ou profissionais, a restrição atual quanto a transações que tenham contraparte em potencial conflito de interesses. Essas vedações permaneceriam aplicáveis a FIPs que tenham investidores em geral como público-alvo, podendo ser afastadas em assembleia de cotistas.
Flexibilizações e modernizações regulatórias
Além da permissão de acesso aos FIPs por investidores de varejo, a consulta pública também propõe outras modernizações e flexibilidades para os FIPs, destacando-se:
- Possibilidade de investimento de até a totalidade de seu patrimônio líquido em ativos no exterior, caso destinados a investidores qualificados ou profissionais;
- Flexibilização das regras de uso de derivativos, antes restritos a proteção de capital (hedge) e determinadas operações com opções, e maior permissão a operações com risco de capital;
- Fim da classificação dos FIP em tipos (multiestratégia, capital semente, PD&I, empresas emergentes e infraestrutura), embora permaneça a obrigatoriedade de sufixos próprios na denominação para os fundos com benefícios fiscais (como já era o caso dos FIP-IE e passará a ser para os fundos de “Inovação”, nos termos da Lei 8.248/1991, e “PD&I”, conforme Lei 11.478/2007);
- Criação da “Oferta Pública de Aquisição de Cotas”, que deverá obedecer às regras gerais para a realização de OPAC da entidade de mercado em que as cotas forem admitidas (B3);
- Inexigibilidade de aprovação, no âmbito de assembleia de cotistas, do valor justo de ativos a serem utilizados para integralização de cotas, sendo que o valor justo poderá ser calculado pelo gestor, que deve possuir metodologia de avaliação consistente e passível de verificação.
Envio de comentários
A CVM indicou interesse em receber comentários, especialmente referentes a FIPs destinados a investidores em geral, sobre: a possibilidade de remoção da vedação de operações, em potencial conflito, quando da existência de um comitê, nos termos do artigo 96 da parte geral da Resolução CVM 175, que possa analisar as situações de conflito de interesse e aprovar a realização das operações pela classe de cotas; e a adequação do limite de 33% do capital subscrito para investimento em ativos no exterior, conforme proposto na consulta pública, e, caso se propondo alguma flexibilização deste limite, qual contrapartida de cunho operacional ou informacional deveria ser requerida na regra.
O prazo para envio de sugestões e comentários se encerra em 28 de março de 2025 e devem ser encaminhados, por escrito, à Superintendência de Desenvolvimento de Mercado, pelo endereço eletrônico [email protected].
Para mais informações sobre o tema, conheça a prática de Fundos de Investimento e Asset Management do Mattos Filho.