CVM publica norma que regulamenta Fiagro
Nova resolução substitui o arcabouço temporário e consolida a reforma da regulamentação de fundos de investimento
A Comissão de Valores Mobiliários (CVM) publicou, nesta segunda-feira (30), a Resolução CVM n° 214, que dispõe sobre as regras específicas dos fundos de investimento das cadeias produtivas do agronegócio – os Fiagro.
Os Fiagro foram criados por meio da Lei nº 14.130, de 29 de março de 2021, e foram inicialmente regulamentados pela CVM por meio da Resolução CVM nº 39, de 13 de julho de 2021, que estabeleceu uma regulação transitória que permitia a constituição de Fiagro tomando por base as normas aplicáveis aos fundos de investimento imobiliário, fundos de investimento em participações e fundos de investimento em direitos creditórios, de acordo com a política de investimento do fundo.
Após discussões com o mercado por meio da Consulta Pública SDM 03/2023, a recém-publicada Resolução CVM 214 vem sedimentar uma alternativa que ainda estava sujeita a uma regra transitória. Com entrada em vigor em 3 de março 2025, a Resolução passará a integrar o marco regulatório para os fundos de investimento no Brasil, integrando o Anexo VI da Resolução CVM n° 175. Os Fiagro que já se encontram em funcionamento terão até 30 de junho de 2025 para se adaptar à nova resolução.
Vide abaixo os pontos de destaque da Resolução CVM 214:
Aplicação subsidiária
Um dos grandes pontos de discussão com o mercado no âmbito da Consulta Pública SDM 03/2023 consistia na proposta inicial da CVM de aplicação subsidiária de outros Anexos Normativos para os Fiagro que possuíssem política de investimento semelhante à de outras categorias de fundos.
Em seu texto final, a CVM acabou mantendo sua proposta de que outros Anexos Normativos sejam aplicáveis aos Fiagro de forma subsidiária, mas aumentou o gatilho de 1/3 do patrimônio líquido para uma política de investimento que possibilite a aplicação de 50% ou mais do patrimônio líquido da classe ser investido em ativos que constituem o objeto de investimento de outra categoria de fundo.
Sem prejuízo, e acatando algumas solicitações do mercado, a CVM também incorporou expressamente alguns comandos normativos de outros anexos que serão aplicáveis de forma indistinta a qualquer Fiagro, independentemente de sua política de investimento estar concentrada em um ou outro fator de risco ou espécie de ativo. Destacamos:
- Em relação à parcela da carteira composta por participações societárias: de forma similar ao que ocorre nos FIP, o Fiagro também deverá manter efetiva influência na definição da política estratégica e na gestão da sociedade investida e seguir as práticas de governança corporativa previstas no Anexo Normativo de FIP (originalmente disposta no art. 26, III, do Anexo Normativo IV da Resolução CVM 175), de forma que o Fiagro não poderá investir passivamente em companhias fechadas ou sociedades limitadas;
- Em relação à parcela da carteira composta por direitos creditórios, o gestor do Fiagro deverá verificar (a) o enquadramento dos direitos creditórios à política de investimento da respectiva classe, avaliar a aderência do risco de performance dos direitos creditórios à política de investimento da classe, registrar os direitos creditórios em entidade registradora ou entrega-los ao custodiante ou administrador, conforme aplicável; efetuar a formalização dos documentos relativos à cessão dos direitos creditórios; e monitorar o índice de subordinação e a adimplência da carteira de direitos creditórios; (b) no âmbito das diligências relacionadas à aquisição dos direitos creditórios pela classe, a possibilidade de ineficácia da cessão à classe em virtude de riscos de natureza fiscal (originalmente dispostas no art. 34, II a VI, do Anexo Normativo II da Resolução CVM 175); e (c) a existência, integridade e titularidade do lastro dos direitos e títulos representativos de créditos contantes da carteira de investimentos da classe (originalmente dispostas no art. 36, do Anexo Normativo II da Resolução CVM 175).
Créditos de carbono do agronegócio e créditos de descarbonização – CBIOs
A proposta inicial da CVM na Consulta Pública SDM 03/2023 já antecipava a possibilidade de negociação de créditos de carbono do agronegócio no âmbito dos Fiagro, agora concretizada na Resolução CVM 214. Diferentemente da definição adotada pela Resolução CVM 175, o conceito ora estabelecido não limita os créditos de carbono àqueles emitidos por autoridade governamental brasileira ou estrangeira, mas o vincula às atividades desenvolvidas no âmbito da cadeia do agronegócio e à legislação ou regulamentação específica.
De toda forma, a CVM demonstra ter avançado ainda mais na pauta da sustentabilidade ao permitir que classes de Fiagro destinadas a investidores de varejo negociem créditos de carbono, atendendo aos pleitos do mercado.
Ao conceder esta faculdade, a nova resolução conferiu aos administradores e gestores ainda mais responsabilidade na seleção de créditos de carbono para seu portfólio, com responsabilidades no tocante à diligência (ambiental e fundiária) e verificação da existência e integridade dos créditos de carbono do agronegócio, trazendo a necessidade de que o regulamento do Fiagro detalhe os critérios de seleção e certificação dos créditos de carbono de sua carteira.
A CVM também reconheceu que os Fiagro podem não apenas negociar, mas também ser emissores de créditos de carbono advindos dos imóveis rurais em sua carteira. Estas mudanças podem impulsionar a figura do FIAGRO como um instrumento de alta relevância para o financiamento de projetos de créditos de carbono desenvolvidos no âmbito das cadeias produtivas do agronegócio.
Ainda, também passará a ser permitida a aquisição de CBIOs pelos Fiagro, considerando que a produção de etanol é uma atividade do agronegócio. No entanto, não são estabelecidas as mesmas exigências acima mencionadas aplicáveis aos créditos de carbono do agronegócio.
Imóveis rurais e direitos reais
A nova resolução ampliou a definição de “imóvel rural”, que passa a considerar como imóveis rurais não apenas os imóveis com Certificado de Cadastro de Imóvel Rural – CCIR, mas também imóveis localizados em perímetro urbano que sejam destinados à exploração de atividades das cadeias produtivas do agronegócio e possuam registro no Registro Geral de Imóveis.
Somado a este conceito, a resolução deixou expresso o investimento pelas classes dos Fiagro em “quaisquer direitos reais sobre imóveis rurais”, o que esclarece a utilização de outros instrumentos jurídicos para investimento em imóveis rurais que não apenas o direito de propriedade, dentre os quais o direito real de superfície e o usufruto.
Carteira de ativos
Após as contribuições do mercado no âmbito da Consulta Pública, a Resolução CVM 214 consolidou a seguinte carteira de ativos que pode ser investida pelos Fiagro, observadas as regras específicas aplicáveis a cada categoria de ativos:
- quaisquer direitos reais sobre imóveis rurais;
- participações em sociedades que explorem atividades integrantes das cadeias produtivas do agronegócio;
- ativos financeiros, títulos de crédito e valores mobiliários emitidos por pessoas naturais e jurídicas que integrem as cadeias produtivas do agronegócio;
- direitos creditórios do agronegócio e direitos creditórios imobiliários relativos a imóveis rurais;
- certificados de recebíveis do agronegócio e outros títulos de securitização emitidos com lastro em direitos creditórios do agronegócio e certificados de recebíveis imobiliários e outros títulos de securitização emitidos com lastro em direitos creditórios relativos a imóveis rurais;
- certificados de recebíveis e outros títulos de securitização emitidos com lastro em ativos financeiros emitidos por pessoas naturais ou jurídicas que integrem as cadeias produtivas do agronegócio;
- cotas de classes que apliquem mais de 50% (cinquenta por cento) de seu patrimônio líquido nos ativos referidos nos incisos I a VI, o que inclui cotas de outros FIAGRO, mas não se limita a essa categoria de fundos;
- créditos de carbono do agronegócio; e
- créditos de descarbonização – CBIO.
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