CSLL Trânsito em Julgado no CARF
Contribuintes passaram a discutir o tema na esfera administrativa
Assuntos
Com fundamento na inconstitucionalidade da Lei nº 7.689/88, diversos contribuintes se socorreram do Judiciário para afastar cobranças referentes à Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL).
A despeito de decisões transitadas em julgado desfavoráveis ao Fisco, que representam o exercício do controle difuso de constitucionalidade, declarando a inexistência de relação entre os particulares e a União Federal, bem como a inconstitucionalidade desta exigência, as Autoridades Fiscais da Receita Federal do Brasil (RFB) seguiram lavrando autos de infração, a fim de exigir a CSLL.
Em síntese, a controvérsia poderia ser ilustrada nos seguintes termos.
De um lado, os particulares identificaram uma indevida relativização e afronta ao instituto constitucional da coisa julgada, cujos efeitos foram reconhecidos pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ), no Recurso Especial (RESP) 1.118.893-MG, em sede de recursos repetitivos. Nessa sistemática, os recursos versando sobre idêntica controvérsia deverão ser resolvidos aplicando a tese firmada pelo STJ. Redação atual – art. 1.039 do CPC: “Art. 1.039. Decididos os recursos afetados, os órgãos colegiados declararão prejudicados os demais recursos versando sobre idêntica controvérsia ou os decidirão aplicando a tese firmada”.
No referido julgamento, além de se afastar o enquadramento da Súmula 239 do Supremo Tribunal Federal (STF), cuja redação era “Decisão que declara indevida a cobrança do impôsto em determinado exercício não faz coisa julgada em relação aos posteriores”, também se esclareceu que os diplomas normativos supervenientes não revogaram a disciplina original da CSLL, que continuou a ser cobrada em sua “forma primitiva”, tendo permanecido incólume.
Por conseguinte, a teor do disposto no art. 62, § 2º, do Regimento Interno do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (RICARF), pleiteavam que os Conselheiros, no âmbito do CARF, reproduzissem o entendimento fixado na decisão definitiva de mérito proferida pelo STJ, na referida sistemática.
De outro lado, o Fisco interpretava que existiria a configuração de uma relação jurídica continuativa (ou de trato continuado) na cobrança da CSLL, razão pela qual indicava o enquadramento na hipótese de aplicação do art. 471, I, do Código de Processo Civil anterior (Lei nº 5.869, de 11 de janeiro de 1973). A disposição legal determinava pela possibilidade de novo julgamento para questão já decidida “se, tratando-se de relação jurídica continuativa, sobreveio modificação no estado de fato ou de direito; caso em que poderá a parte pedir a revisão do que foi estatuído na sentença”. A redação atual do art. 505, I, do CPC, diz: “Nenhum juiz decidirá novamente as questões já decididas relativas à mesma lide, salvo: I – se, tratando-se de relação jurídica de trato continuado, sobreveio modificação no estado de fato ou de direito, caso em que poderá a parte pedir a revisão do que foi estatuído na sentença”.
Além disso, também com fundamento nesta interpretação, sustentava que não haveria que se falar em “coisa julgada” após as alterações da Lei nº 7.689/88, quais sejam: Lei Complementar nº 70/91; Lei nº 8.383/91; Lei nº 8.212/91; Lei nº 8.541/92 entre outras.
Deste modo, buscava-se fundamentar que não existiria qualquer impedimento para a cobrança deste tributo nos períodos supervenientes à coisa julgada. Afinal, sendo a natureza da relação jurídica continuativa, não estaria presente o caráter de imutabilidade de qualquer declaração de inconstitucionalidade a seu respeito.
Sob a ótica do Fisco, após o julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) nº 15-2/DF, na qual o STF decidiu pela constitucionalidade da Lei nº 7.689/1988, com exceção dos artigos 8º e 9º, teria sido restabelecido o direito à exigência da CSLL.
Para justificar a implementação deste entendimento, foi editado o Parecer PGFN/CRJ/nº 492/2011, segundo o qual a imutabilidade e eficácia vinculante de uma decisão transitada em julgado seria mantida apenas enquanto não fossem alterados os suportes fáticos e jurídicos existentes ao tempo da sua prolação.
A controvérsia foi submetida ao julgamento em 2ª instância do CARF, onde obteve majoritariamente decisões favoráveis aos contribuintes, com o reconhecimento da higidez da coisa julgada.
Instada a se manifestar em sede de Recurso Especial, a Câmara Superior de Recursos Fiscais (CSRF), responsável por harmonizar o entendimento jurisprudencial do Conselho, reviu grande parte das decisões favoráveis aos Contribuintes e prolatou, por voto de qualidade, uma serie de acórdãos favoráveis ao fisco (n° 9101-002.534, 9101-002.013, 9101-003.221, 9101-002.288).
No entanto, esse não é o entendimento que vem sendo firmado no Judiciário. Os Tribunais Regionais Federais possuem solida jurisprudência no sentido da preservação da coisa julgada material em detrimento da superveniente de entendimento distinto.
O STJ, conforme mencionado, já analisou o caso específico da CSLL sob o rito dos recursos repetitivos, e concluiu pela inexistência de inovação jurídica apta a alterar as premissas de fato e direito que consideraram inconstitucional a Lei nº 7.689/88 nas ações individuais aos contribuintes.
No STF o tema específico da CSLL ainda será julgado no Recurso Extraordinário nº 949.297, submetido ao rito da repercussão geral, mas não são poucas as manifestações do Supremo no sentido de que a coisa julgada só pode ser alterada por meio de ação rescisória, dentro dos restritos limites procedimentais e temporais.
Neste sentido foi o voto do Ministro Dias Toffoli no ARE nº 864.746, que sintetiza a questão, ao estabelecer que “A sentença de mérito transitada em julgado só pode ser desconstituída mediante ajuizamento de ação rescisória, na fluência do prazo decadencial previsto em lei. Com o exaurimento de referido lapso temporal opera-se a coisa soberanamente julgada, insuscetível de ulterior modificação, ainda que o Supremo Tribunal Federal venha a consolidar seu entendimento em sentido contrário à decisão transitada em julgado“.
Portanto, especialmente por se tratar de tema com forte interseção no direito processual civil e constitucional, cuja vocação não é a da CSRF, é importante o Tribunal Administrativo volte a analisar a matéria de maneira harmônica com o Judiciário, prestigiando, e sobretudo respeitando, a remansosa jurisprudência que garante a manutenção dos efeitos da coisa julgada aos contribuintes.
Para mais informações sobre o tema, acompanhe a série especial “Impactos do fim do voto e qualidade“.