Regras de competência e legitimidade para ações coletivas pela perspectiva da jurisprudência
Decisões do STF e do STJ sobre as peculiaridades procedimentais das ações coletivas são importantes fontes para auxiliar na definição da melhor estratégia de defesa em litígios dessa natureza
No direito brasileiro, as ações coletivas são movidas por entes aos quais a lei confere legitimidade para representar a coletividade em juízo, em geral o Ministério Público ou associações civis. Esse sujeito, designado substituto processual, busca em juízo a tutela de direitos do grupo – consumidores, servidores públicos ou mesmo a sociedade como um todo, em casos como o direito ambiental – e não de si próprio.
Devido a essa circunstância, muitas das regras ordinárias do processo civil não são aplicáveis. São frequentes os problemas práticos sobre a competência e a legitimidade para a propositura de ações civis públicas, como qual juiz deve julgá-las e quais os entes com legitimidade para propô-las.
Competência territorial: onde a ação civil pública deve ser ajuizada?
Como regra, a ação civil pública é proposta no local onde ocorreu o dano. A regra se modifica de acordo com a abrangência do dano que é discutido na ação: se ela for nacional ou regional, em vez de ser proposta no exato local onde o dano ocorreu, poderá ser proposta na capital da unidade da federação ou no Distrito Federal.
Ainda que esse seja o comando da lei, a aplicação dessa regra nem sempre é muito clara na prática, pois o critério de distribuição de competência prevista na lei pode entrar em conflito com outros critérios – por exemplo, se um tribunal de determinado estado determinar que os casos devam ser remetidos a uma vara específica, que seria especializada no tema, mas que não está dentro do espaço determinado pela lei como sendo competente para o julgamento. O tema é relevante e foi recentemente resolvido pelo STJ, com eficácia vinculante para todo o país, no sentido de que a regra de competência territorial para propositura da ação civil pública prevalece sobre quaisquer outros critérios de competência criado por normas locais (incidente de assunção de competência n. 10).
Ainda no tema da competência territorial para o julgamento de ações civis públicas, vale destacar que, até pouco tempo atrás, os efeitos da decisão proferida em ações civis públicas eram limitados ao espaço territorial do juízo que as proferiu, segundo previsto no art. 16 da Lei da Ação Civil Pública (Lei 7.347/1985).Esse dispositivo foi julgado inconstitucional pelo STF em 2021, acabando com essa limitação territorial (Tema 1.075 da repercussão geral – leia mais sobre o assunto aqui). Contudo, isso não significa que toda decisão terá, necessariamente, eficácia nacional; é importante que a decisão seja interpretada de acordo com o comando dado pelo juiz em cada caso, para garantir que os efeitos do que foi decidido não sejam indevidamente ampliados.
Legitimidade: quem pode ajuizar a ação civil pública?
São comuns dúvidas sobre a legitimidade das associações civis para propor ações civis públicas. Ao conferir às associações a legitimação para essas ações, a Lei da Ação Civil Pública impõe alguns limites: a associação deve estar constituída há mais de um ano e deve ter entre suas finalidades (definidas no estatuto social) a proteção a direitos difusos, como o meio ambiente e o direito do consumidor. Segundo o entendimento do STJ no Recurso Especial 2.035.372/MS, julgado pela Terceira Turma em novembro de 2023, sob a relatoria do Ministro Marco Aurélio Bellizze, essa definição de poderes não pode ser excessivamente genérica; é preciso que a associação tenha pertinência temática com o assunto discutido na ação civil pública, ou seja, que sua finalidade institucional seja a representatividade específica do direito difuso que é objeto da ação, sob pena de lhe faltar interesse processual.
Já o Ministério Público tem poderes mais amplos para ajuizar qualquer ação que entender cabível, mas, ainda assim, é necessário observar a divisão de atribuições entre o Ministério Público Estadual e o Ministério Público Federal. No Recurso Especial 440.002/SE, o STJ já decidiu que o Ministério Público Federal é legitimado para propor ações coletivas que envolvam interesse federal; se o direito que se busca tutelar for relacionado a um direito estadual, o Ministério Público Estadual é quem deterá a legitimidade para a propositura da ação coletiva.
Também em razão dessa distribuição de atribuição de atribuições entre o Ministério Público Federal e Estadual, o STJ impõe algumas limitações à possibilidade de atuação conjunta desses órgãos. Ainda que se admita, em algumas hipóteses, que uma ação civil pública seja movida ao mesmo tempo pelos dois órgãos do Ministério Público, o entendimento do STJ, exposto no julgamento do Recurso Especial 1.254.428/MG, é o de que é preciso haver um motivo que justifique tal atuação no caso concreto. Se ambos estiverem exercendo a mesma atribuição, a ação deve ser movida por apenas um deles.
Esses são alguns dos inúmeros desafios práticos enfrentados em ações coletivas e um panorama geral de como os tribunais nacionais, em especial STF e STJ, têm oferecido soluções para superá-los. A complexidade dessas questões práticas exige constante atualização e domínio da matéria para garantir a defesa adequada em ações coletivas complexas.
Para mais informações sobre o tema, conheça a prática de Contencioso e Arbitragem do Mattos Filho.