

A decisão do CARF sobre a não cumulação de multas
Alteração da jurisprudência define interpretação em favor dos contribuintes
Assuntos
O descumprimento de obrigações tributárias traz consequências previstas pela legislação, como a própria exigência do tributo devido e as chamadas multas de lançamento de ofício, que possuem inequívoca natureza punitiva.
Nesse contexto, o Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (CARF) apresentava posição consolidada quanto à impossibilidade de cumulação da multa proporcional com a multa isolada por ausência de recolhimento de estimativas mensais (ambas multas lançadas de ofício), tendo, inclusive, sumulado esse tema.
Em momento posterior, essas decisões passaram a ser reformadas pela Câmara Superior de Recursos Fiscais (CSRF), última instância administrativa do CARF, em sua maioria por voto de qualidade. Contudo, recentemente, em virtude do fim do voto de qualidade, a discussão passou por alterações relevantes.
As multas sob a perspectiva das leis
O artigo 97, inciso V, do Código Tributário Nacional (CTN), estipula que o contribuinte, ao não recolher tributo devido e/ou descumprir um dever instrumental, estará sujeito às penalidades previstas em lei e aplicadas pela Administração Tributária (artigos 113 c/c 142 e 149 do CTN).
Em âmbito federal, o artigo 44 da Lei nº 9.430/96 prevê duas espécies de multas de lançamento de ofício quando o contribuinte é pessoa jurídica sujeita à tributação com base no lucro real anual:
- A multa proporcional, aplicada sobre a totalidade ou diferença do tributo nos casos de falta de pagamento ou recolhimento, de falta de declaração e nos de declaração inexata (inciso I); e
- A multa isolada, aplicada sobre o valor que o contribuinte deve recolher mensalmente a título de antecipação do Imposto de Renda Pessoa Jurídica (IRPJ) e da Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL) – estimativas (inciso II, alínea b).
Ocorre que, diante das previsões acima, dúvidas surgem acerca da aplicação simultânea ou alternativa das referidas multas. Se, por um lado, a Receita Federal do Brasil (RFB) defende a aplicação concomitante das multas proporcional e isolada, por outro, há tempos os contribuintes vêm se opondo a tal possibilidade.
De fato, no entendimento dos contribuintes, a multa isolada, aplicada quando do não recolhimento das estimativas mensais, não deve subsistir quando, no mesmo lançamento de ofício, já for aplicada a multa de ofício proporcional sobre a mesma base autuada.
Isto porque a aplicação simultânea de ambas as multas resultaria em indevida dupla penalização do contribuinte por uma única infração (bis in idem), a qual deve ser resolvida pela aplicação do Princípio da Consunção (absorção da sanção relativa à infração que assume natureza preparatória ou necessária de outra infração).
De outro modo, no entendimento da RFB, por serem obrigações autônomas (recolhimento de estimativas mensais e recolhimento do tributo efetivamente apurado ao fim do exercício), seus descumprimentos poderiam gerar penalidades distintas e simultaneamente aplicáveis (motivações, fundamentos legais e bases de cálculo distintas), sem que tal situação configurasse qualquer bis in idem.
Entendimento do CARF em favor dos contribuintes
Em 8 de dezembro de 2014, o CARF aprovou a Súmula CARF nº 105, na qual fixou o entendimento da impossibilidade de exigência concomitante das multas isolada e proporcional de ofício, devendo subsistir esta última. Ocorre que o objeto de análise à época foi a redação anterior do artigo 44 da Lei nº 9.430/96, a qual foi alterada pela Lei nº 11.488/2007.
Nesse sentido, desde então, diversos acórdãos do CARF afastaram a aplicação da Súmula CARF nº 105 em relação às multas aplicadas após a Lei nº 11.488/2007 (ou seja, fatos geradores ocorridos no ano-calendário de 2007 em diante), sob o argumento de que os fundamentos que sustentariam o entendimento fixado na súmula não mais subsistiriam após a nova redação do artigo 44 da Lei nº 9.430/96.
De modo geral, em tais decisões, argumentou-se que, ao revogar o inciso IV do § 1º da Lei nº 9.430/96 e, assim, não mais prever a incidência da multa sobre “a totalidade ou diferença de tributo ou contribuição”, mas sobre “o valor do pagamento mensal devido”, a Lei nº 11.488/2007 teria alterado a hipótese de incidência da multa isolada, admitindo-se a concomitância. Esse entendimento foi aplicado no Acórdão nº 9101-002.251 da 1ª Turma da CSRF, cuja decisão foi tomada por voto de qualidade em favor da Fazenda Nacional.
Contudo, em decisão de 01 de setembro de 2020, consignada no Acórdão nº 9101-005.080, a 1ª Turma da CSRF reverteu o seu entendimento anterior, determinando a aplicação da Súmula CARF nº 105 mesmo após as alterações trazidas pela Lei nº 11.488/2007.
Isto porque, embora tenham ocorrido alterações na redação da norma, a referida lei não modificou o teor jurídico das prescrições punitivas previstas no artigo 44 da Lei nº 9.430/96, cuja consequência seria a efetiva aplicação de duas sanções em razão de uma mesma infração, qual seja, o não recolhimento de IRPJ e CSLL (bin in idem).
Por outro lado, ainda conforme o voto vencedor do acórdão nº 9101-005.080, a impossibilidade da concomitância das multas não se daria apenas em cumprimento ao quanto sumulado pelo CARF, mas, sim, pela inequívoca configuração de indevido bis in idem, já que o não recolhimento de estimativas (motivo para a incidência de multa isolada), configura apenas etapa preparatória e/ou necessária para o não recolhimento do IRPJ e CSLL ao final do ano calendário. Deste modo, a aplicação da multa de ofício proporcional absorveria a multa isolada sobre as estimativas que deveriam ter sido recolhidas.
Importante mencionar que referida decisão foi tomada em favor dos contribuintes, com a aplicação do artigo 19-E da Lei nº 10.522/2002, acrescido pelo artigo 28 da Lei nº 13.988/2020, o qual determina que, em caso de empate no julgamento do processo administrativo de determinação e exigência do crédito tributário, não se aplica o voto de qualidade, resolvendo-se a demanda favoravelmente ao contribuinte.
Esse é um importante precedente que corrige uma inconsistência na interpretação do Fisco quanto ao momento e à forma de aplicação da multa isolada.
Para saber mais sobre o tema, acompanhe a série especial ‘Impactos do fim do voto de qualidade‘.