ANPD publica estudo sobre tratamento de dados pessoais envolvendo órgãos de pesquisa
Análise foi publicada com intuito de coletar contribuições da sociedade, até 3 de junho de 2022, e subsidiar publicação de orientações
Assuntos
A Autoridade Nacional de Proteção de Dados (ANPD) publicou, em 3 de maio de 2022, o estudo técnico denominado “A LGPD e o tratamento de dados pessoais para fins acadêmicos e para a realização de estudos por órgão de pesquisa”, com objetivo de avaliar o regime jurídico especial conferido ao tratamento de dados para fins exclusivamente acadêmicos, bem como aspectos relacionados ao tratamento por órgão de pesquisa com foco nos seguintes pontos:
- Definição e alcance dos conceitos de “tratamento de dados para fins exclusivamente acadêmicos” (art. 4º, II, b) e de “órgão de pesquisa” (art. 5º, XVIII);
- Bases legais que autorizam o tratamento de dados pessoais para a realização de pesquisas, em especial os arts. 7º, IV, e 11, II, c, da LGPD;
- Delimitação de responsabilidades e forma adequada para a comprovação da identidade do pesquisador e de seu vínculo com o órgão de pesquisa, visando a disponibilização de acesso ou compartilhamento de dados pessoais para a realização de estudos.
De acordo com a ANPD, esse estudo foi desenvolvido para endereçar assuntos que foram muito questionados por diferentes atores sociais, como órgãos do Poder Judiciário, universidades, institutos de pesquisa e pesquisadores em geral.
Para que tais regras sejam adequadamente observadas, o estudo apresenta alguns entendimentos preliminares relevantes:
Derrogação parcial para fins acadêmicos
Em relação ao tratamento realizado para fins exclusivamente acadêmicos, o documento ressalta que a LGPD prevê, em seu art. 4º, II, b, uma hipótese de derrogação parcial da LGPD que afasta sua aplicação nesta situação específica. De acordo com o estudo, o artigo deve ser interpretado restritivamente, limitando-se às situações em que o tratamento de dados pessoais esteja estritamente vinculado ao exercício da liberdade acadêmica.
No entanto, ainda neste cenário, deve-se respaldar o tratamento em uma das bases legais previstas na LGPD. O estudo vai além do que está expresso na LGPD e menciona que se deve considerar que outros dispositivos da LGPD também podem ser aplicáveis, a exemplo dos arts. 6º, 8º, 10, 12 e 13. O estudo não indica, porém, de forma exaustiva, todos os dispositivos possivelmente aplicáveis.
Conceito de órgão de pesquisa
O estudo ressalta que o conceito de órgão de pesquisa exclui as pessoas jurídicas de direito privado com fins lucrativos do rol de agentes de tratamento abarcados pela definição, resultando, portanto, na impossibilidade do uso de certas bases legais específicas por tais entidades, conforme detalhado abaixo.
Restrição para uso da base legal para realização de estudos por órgão de pesquisa
Os arts. 7º, IV e 11, II, c permitem o tratamento de dados para “realização de estudos por órgão de pesquisa, garantida, sempre que possível, a anonimização dos dados pessoais sensíveis”. Essas bases não podem ser utilizadas por pessoas jurídicas com fins lucrativos ou pessoas naturais que atuem em nome próprio ou sem qualquer vínculo com um órgão de pesquisa.
O estudo reconhece, contudo, que isso não significa que essas não possam realizar tratamento de dados pessoais para fins de estudos e pesquisas, mas sim que outras bases legais devem ser avaliadas na prática (por exemplo, legítimo interesse e consentimento).
Responsabilidade pelos dados utilizados no contexto de um estudo
O estudo da ANPD menciona que é importante realizar a correta identificação dos sujeitos autorizados a ter acesso a dados pessoais e para a condução de estudos em representação aos órgãos e entidades legitimadas como órgãos de pesquisa. Assim, especificamente no caso de entidades e órgãos que disponibilizam acesso a dados pessoais para fins de estudo e pesquisa, a ANPD recomenda que a comprovação do vínculo de pesquisador com o órgão de pesquisa pode ser realizada por um “termo de ciência e responsabilidade”. Esse documento deve atestar a ciência do órgão de pesquisa quanto à realização do estudo e cumprimento com a LGPD.
Dever de cumprimento com as demais leis e regulamentação
A dispensa do consentimento em virtude da utilização de uma das bases legais previstas nos arts. 7º, IV, ou 11, II, c, não afasta a necessidade de obtenção de consentimento dos participantes de pesquisa quando assim exigido pelas normas e padrões éticos aplicáveis.
Requisitos gerais para realização de estudo
Embora o art. 13 da LGPD estabeleça requisitos específicos para os estudos em saúde pública, o estudo publicado pela ANPD amplia a sua aplicação ao mencionar que aqueles realizados em outras áreas do conhecimento também devem observar, no que couber e conforme as peculiaridades de cada caso, os parâmetros de tal artigo.
Não constituíram objeto do estudo técnico a análise ou interpretação de critérios específicos de disponibilização de acesso ou de divulgação de informações pessoais no âmbito da Lei de Acesso à Informação (Lei nº 12.527/2011) e a análise sobre padrões e técnicas utilizados em processos de anonimização e pseudonimização.
O estudo técnico foi divulgado no formato de texto para discussão para promover o debate público, coletar contribuições da sociedade e subsidiar a atuação da ANPD. Comentários e sugestões ao texto podem ser enviados até o dia 3 de junho de 2022.
Para mais informações sobre o tema, conheça a prática de Proteção de Dados e Cybersecurity do Mattos Filho.