

Trabalho análogo à escravidão: principais consequências jurídicas
Diversos fatores podem caracterizar a prática que configura patente violação de Direitos Humanos em atividades empresariais
Dentre os principais fatores que devem orientar o desenvolvimento das atividades econômicas, identifica-se uma expectativa social e de mercado para que as empresas alinhem suas ações às boas práticas de respeito e promoção dos Direitos Humanos.
A proteção desses direitos é comumente conduzida pelos Estados no âmbito do conceito de soft law, ou seja, por meio do incentivo para que as empresas observem medidas voluntárias. Nesse contexto, os “Princípios Orientadores da ONU sobre Empresas e Direitos Humanos” –reconhecidos pelo Brasil, ao estabelecer as “Diretrizes Nacionais sobre Empresas e Direitos Humanos” (Decreto nº 9.571/2018) – são as principais diretrizes a serem observadas.
Partindo da premissa de que as empresas podem estar envolvidas em situações de exposição a possíveis violações de Direitos Humanos – por meio de suas próprias atividades ou como resultado de seus relacionamentos comerciais com terceiros –, os Princípios Orientadores afirmam que impactos adversos dessa natureza podem ocorrer em qualquer nível da denominada “cadeia de produção”. Sendo assim, atribui-se à empresa o importante papel de acompanhar e monitorar sua cadeia de fornecedores, bem como incentivar que estes desenvolvam procedimentos e alternativas sustentáveis.
Acompanhando a pauta mundial, o movimento social de combate ao trabalho análogo à escravidão se desenvolveu no Brasil a partir da adoção de medidas como a ratificação da Convenção n° 29 da OIT sobre “Trabalho Forçado ou Obrigatório”, em 1957, cujas obrigações vinculam os Estados em âmbito internacional, mas não se impõem diretamente aos próprios empregadores.
Como consequência, outros mecanismos de erradicação do trabalho análogo à escravidão foram adotados pelo Governo Federal nos anos seguintes, embora não haja Lei Federal específica para disciplinar a matéria, tema esse que vem sendo objeto de inúmeros Projetos de Lei, atualmente em trâmite no Congresso Nacional.
De todo modo, é possível identificar disposições correlatas em legislações brasileiras esparsas, como no artigo 149 do Código Penal, que prevê o tipo penal de “Redução a condição análoga à de escravo”, o que compreende situações nas quais os trabalhadores são submetidos a trabalhos forçados; jornadas exaustivas; condições degradantes de trabalho; ou restrições de sua locomoção em razão de dívida contraída com o empregador.
Corroborando referida previsão legal, o antigo Ministério do Trabalho – atual Secretaria Especial de Previdência e Trabalho vinculada ao Ministério da Economia – publicou a Portaria n° 1.293/2017, a fim de definir os conceitos estabelecidos pelo Código Penal, além do próprio conceito de “condições análogas à de escravo”, entendidas como situações em que os trabalhadores são submetidos, isolada ou conjuntamente, às condições descritas pelo Código Penal, bem como à retenção no local do trabalho em razão de cerceamento do uso de qualquer meio de transporte; manutenção da vigilância ostensiva; e apoderamento de documentos ou objetos pessoais. A orientação à fiscalização também foi detalhada na Instrução Normativa SIT nº 139/2018.
Sobre os mecanismos adotados pelo Governo Federal, temos ainda a criação da “Força Tarefa de Combate”, no âmbito da qual são conduzidos diversos procedimentos fiscalizatórios pautados em normas administrativas do então Ministério do Trabalho, que envolvem autoridades federais de esferas variadas. O objetivo é apurar denúncias relacionadas ao tema, por meio da condução de diligências; e, constatando-se fatos com as características definidas pelos normativos, autuar a empresa fiscalizada, iniciando-se a discussão administrativa sobre a situação irregular flagrada e a responsabilidade pela conduta faltosa.
Concluído o procedimento administrativo de fiscalização com decisão final pela condenação da empresa autuada, seu nome pode ser incluído na conhecida “Lista Suja”, outro mecanismo adotado pelo Governo Federal, a partir da criação do primeiro Plano Nacional de Combate ao Trabalho Escravo, em 2003. Denominada oficialmente de “Cadastro de empregadores que tenham submetido trabalhadores a condições análogas à de escravo”, a Lista Suja é periodicamente atualizada e publicada em site oficial do Governo Federal para divulgar empresas fiscalizadas, autuadas e condenadas por manutenção de trabalhadores em condições degradantes.
A Lista Suja é também remetida a outros órgãos públicos além dos trabalhistas, podendo causar impactos de outras naturezas, como fiscais – capazes de inviabilizar a manutenção do negócio; ou criminais – iniciando investigação de eventual ocorrência do tipo penal acima mencionado pela Polícia Federal. Assim, diversas autoridades monitoram as empresas listadas pelo período de dois anos após sua inclusão, acompanhando a regularidade das condições de trabalho, em contextos variados.
Em esfera privada – uma vez que disponível para acesso ao público –, a Lista Suja também serve de subsídio para análise de risco por investidores e entidades financeiras, além de ser considerada por empresas brasileiras e internacionais, que relatam evitar negociações com empregadores listados. Em última análise, um desfecho incapaz de desconstituir os fatos atestados em fiscalização causa, ainda, um dano reputacional às empresas e aos responsáveis envolvidos.
Nesse contexto, a celebração do Dia Nacional de Combate ao Trabalho Escravo (28/01) convida empresas de diversos setores a refletirem sobre a importância de estruturarem ações institucionais e planos de ação para proteção dos Direitos Humanos, em especial aqueles capazes de evitar qualquer vínculo com a utilização de força de trabalho em condição análoga à escravidão, sob pena de se depararem com consequências jurídicas relevantes.