Tecnologia impacta dinâmica competitiva dos negócios em diferentes setores
Para acompanhar as novas demandas do mercado, o Mattos Filho estruturou o grupo Mattos Filho Tech, formado por advogados e sócios especialistas em múltiplas áreas do Direito
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A tecnologia mudou para sempre a dinâmica competitiva dos modelos de negócios. O fim das barreiras físicas que caracterizavam os mercados tradicionais, a redução dos custos de operação no ambiente digital e o acesso a bases gigantescas de dados dos usuários tem permitido às empresas inovar e oferecer a seus clientes produtos e serviços mais baratos e personalizados.
A tecnologia também revolucionou o atendimento jurídico. Para acompanhar essas demandas, o Mattos Filho estruturou o grupo multidisciplinar Mattos Filho Tech, composto por advogados e sócios de diversas práticas, que atendem uma ampla gama de demandas de nossos clientes. Clique aqui e conheça a iniciativa.
Nos meses de outubro e novembro, realizamos em nossos escritórios de São Paulo e Rio de Janeiro a primeira edição do evento Tech Legal Trends. Reunimos clientes para discutir os impactos que a tecnologia provocou em diferentes áreas.
Confira abaixo os principais destaques.
1. Direito concorrencial no ambiente digital
As tendências provocadas pelas empresas ativas em mercados digitais impactaram as ferramentas tradicionais das análises antitruste do Conselho Administrativo de Defesa Econômica. Para a sócia Michelle Marques Machado, da prática de Direito Concorrencial, as seguintes características dos mercados digitais se tornaram relevantes para a análise antitruste:
> Mercados de múltiplos lados
Os mercados tradicionais normalmente são unidimensionais, com pares concorrendo por determinados produtos. No mercado digital, players de mercados adjacentes, que não prestam o mesmo modelo de negócio, podem exercer pressões significativas no negócio. Empresas que oferecem serviços e produtos diferentes concorrem pelo mesmo tempo
> Zero price
Nos mercados tradicionais, a concorrência por preço é importante. Nos digitais, a estratégia é não cobrar preço, o mais importante é oferecer experiência.
> Dados
Dependendo da capacidade que as empresas têm de processar informações de mercado, os dados têm grande importância na estratégia do negócio.
> Escala
Custo marginal para começar a atender mais um usuário é bastante baixo, na medida em que não é necessário ter um espaço físico – e arcar com seus custos – para operar o negócio.
> Inovação
Em vários mercados, a inovação potencial passa a ser um dos principais drives de crescimento de uma empresa.
> Multihoming
O uso de uma plataforma por um usuário não impede que essa pessoa use outra plataforma.
Diante dessas inovações, surgem tópicos relevantes de atos de concentração em ambientes digitais para o Cade avaliar:
– Como definir mercado relevante em cenários de concorrência multidimensional?
– Como e em que medida a inovação compromete a definição tradicional de mercado?
– Qual o melhor proxy para analisar poder de mercado em ambientes digitais?
A jurisprudência das análises antitruste do Cade tem sido revista para melhor enquadrar as empresas ativas na economia digital.
Foram flexibilizados, por exemplo, os conceitos de definição de mercado (ambientes digitais possuem fronteiras fluídas), a especificidade do mercado relevante de cada produto (players com diferentes modelos de negócios concorrem entre si), e o uso do índice de concentração de mercado.
O potencial de inovação futura também passou a ser um aspecto-chave da análise do Cade.
Michelle afirma que a análise empírica ganhou um crescente protagonismo nas análises do órgão antitruste, na medida em que não é possível aplicar um modelo ou metodologia “one-size fits all” aos mercados da economia digital.
2. Desafios tributários para a tecnologia
A era digital amplia os desafios para a delimitação da residência fiscal, já que a tecnologia permite a oferta de serviços complexos em diferentes localidades, sem que as empresas precisem se instalar fisicamente nesses espaços.
“Atualmente, quais são as pessoas jurídicas sujeitas a tributação? Aquelas domiciliadas no Brasil, mas uma empresa precisa estar domiciliada no Brasil para explorar o mercado brasileiro? Não! No entanto, essas empresas ainda não estão abrangidas pelo imposto renda brasileiro”, afirma Lisa Worcman, sócia da prática de Tecnologia, e especialista nos mercados de tecnologia e entretenimento.
“O que as empresas de tecnologia mais querem é segurança jurídica”, reforça a sócia Renata Cubas, da prática de Tributário.
Renata lembra que as discussões sobre reforma tributária nos últimos 50 anos são as mesmas: diminuir a tributação indireta, unificar e simplificar impostos, e não aumentar a carga tributária.
A desoneração da folha de pagamentos ou a possibilidade de incentivos fiscais são as principais demandas das companhias de tecnologia atualmente. Com uma quantidade cada vez maior de profissionais – muitos deles altamente qualificados – o custo com mão de obra é um dos maiores gastos das empresas que atuam nessa área.
3. Marco Civil da Internet
No Brasil, o Marco Civil da Internet, espécie de Constituição do mundo digital sancionada em 2014, determinou os direitos dos usuários de internet e definiu regras para as empresas que atuam no mundo digital. Os sócios Fernando Dantas e Fabio Kujawski exploraram a responsabilidade das plataformas, respectivamente, as principais lições do Marco Civil da Internet e a nova diretiva europeia de direitos autorais.
Como apontou Fernando, “O tempo do direito é muito diferente do tempo da tecnologia, e dentro do direito o tempo da jurisprudência é muito diferente do tempo da lei. A jurisprudência leva naturalmente tempo para amadurecer o conteúdo das disposições normativas.”
As ferramentas digitais têm permitido ganhos consideráveis de inovação e de escala de atendimento, através de iniciativas como fintechs, healthtechs e insurtechs que também foram exploradas no evento.
4. HealthTechs: saúde digital no Brasil e atualidades da regulamentação
Um dos maiores desafios do setor de saúde no Brasil é a descentralização da regulamentação. São muitas as autoridades concorrentes e complementares atuando nessa área, agindo de forma não harmônica.
As regulamentações que influenciam a relação entre tecnologia e saúde são:
– Marco Civil da Internet
– Lei de Acesso à Informação
– Política Nacional de Inovação Tecnológica na Saúde
– Lei do Prontuário Eletrônico
– Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD)
– Resoluções do Conselho Federal de Medicina sobre a telemedicina
Além disso, é possível citar, também, outras regulamentações que impactam o setor, como:
– Normas infralegais criadas pela Anvisa e a Agência Nacional de Saúde (ANS)
– Código de Ética Médica
– Normas sobre pesquisas clínicas
– Normas de outros Conselhos Profissionais
A LGPD, que entrará em vigor em agosto de 2020 e afetará todos os setores da economia, não tem como objetivo impedir que as empresas de tecnologia que atuam no setor de saúde paralisem suas operações. “A atuação será a de educar e melhor formatar a maneira como essas empresas atuam”, afirma a sócia Ana Cândida Sammarco, da prática de Life Sciences e Saúde.
Compatibilizar a regulamentação da Lei Geral de Dados (LGPD) é crucial para o modelo de negócios do setor de saúde. As HealthTechs estudam como adotar essas regras de modo que os dados coletados dos pacientes possam ser tratados para oferecer a melhor experiência para cada tipo de pessoa.
“Estamos vivendo um novo cenário onde os dados sensíveis dos pacientes passam a ter um rigor de tratamento maior”, explica o sócio Thiago Sombra, da prática de Direito Público Empresarial. “Associar tecnologia com experiência será o diferencial para as empresas que querem oferecer serviços para as pessoas viverem melhor”.
5. InsurTech: novos seguros para distribuição digital
As InsurTechs são empresas de tecnologia que atuam no setor de seguros. Atualmente, são três as principais tendências mapeadas para esse setor: a digitalização dos serviços oferecidos, a plataformização com uma melhoria das experiências dos usuários finais, e um maior e mais eficiente uso dos dados pessoais.
A regulamentação da distribuição de seguros por meios digitais é conduzida por quatro resoluções:
Circular SUSEP nº 440/2012
Resolução CNSP nº 294/2013
Resolução CNSP nº 348/2017
Resolução CNSP nº 349/2017.
“A primeira circular, em 2012, trata de microseguros e meios remotos. Regulamenta apenas a internet, o restante ficamos com dificuldades de encaixar. As Resoluções nº 348 e 349, embora tratem de produto, mencionam o meio remoto e a dispensa de documentos para contratação digital” explica a sócia Camila Calais, da prática de Seguros, Resseguros e Previdência privada.
Durante o mês de outubro, a Superintendência de Seguros Privados (Susep) rodou uma consulta pública para seu implementar o “Sandbox Regulatório no Mercado de Seguros”, estabelecendo um ambiente regulatório flexibilizado para testes de produtos e serviços inovadores, com o objetivo de reduzir custos regulatórios e eliminar barreiras de entrada.
Para o advogado Roberto Panucci, a iniciativa da Susep tem o objetivo de ajudar a regulamentar as InsurTechs no mercado. Até janeiro de 2020, as empresas selecionadas poderão cadastrar produtos ou serviços inovadores quanto à tecnologia apresentada ou à forma de aplicação tecnológica. Os projetos inscritos serão avaliados por um comitê composto por membros do mercado segurador, Susep, CVM e Banco Central.
“Ainda não há nesse mercado pequenos segurados, de faturamento menor. Vemos esse movimento do sandbox com bons olhos, uma vez que todos os stakeholders envolvidos vão ter que conversar para chegarmos a uma solução”, afirma Roberto.
6. FinTechs: novos modelos de negócios no mercado financeiro
Fintechs são startups que trabalham para inovar serviços financeiros a partir de uma plataforma tecnológica. Essas empresas olham para problemas estruturais de mercado e propõem soluções inovadoras e tecnológicas. As fintechs oferecem serviços de uma forma mais acessível e focados na experiência do cliente.
No Brasil, existem atualmente mais de 500 empresas desse tipo operando. A maior parte delas opera no setor de pagamentos e empréstimos online, mas também existem iniciativas importantes na área de câmbio e mercado de capitais.
O mercado brasileiro tem enorme potencial para o crescimento dessas empresas. “Cerca de 30% da população não tem acesso formal a qualquer serviço bancário, como conta corrente ou crédito, o que inviabiliza o dia a dia das pessoas”, comenta a sócia Larissa Arruy, da prática de Bancos e Serviços financeiros.
“Dentre os adultos desbancarizados, mais de 60% têm acesso ao celular com internet. Existe um gap entre essa população e as instituições financeiras tradicionais, e é nesse sentido que se cria um ambiente favorável aos negócios”, afirma a sócia.
As fintechs alteraram o modelo de negócio do setor financeiro, tradicionalmente dominado pelas grandes instituições financeiras. Entretanto, o direito não tem acompanhado a velocidade disruptiva desses novos negócios.
“Qual o regime tributário aplicável às fintechs? Qualquer mudança de modelo de tributação terá que passar por uma iniciativa do Congresso, o que torna o processo mais lento e complexo”, afirma a sócia Tatiana Penido, da prática de Tributário. “Cria-se um ambiente de incertezas muito grande”.
O Banco Central (BC) e a Comissão de Valores Mobiliários (CVM) são os agentes regulatórios desse setor. De três anos para cá, o BC adotou uma postura mais transparente que busca incentivar a inovação e a competição no mercado financeiros, incentivando a entrada de novos players.
Já a Receita Federal tem uma postura mais reativa do que outros reguladores. “As instituições devem ser avaliadas de forma individual, relacionadas com o porte e risco de atividade. Em que momento consideramos que uma fintech cresceu tanto a ponto de ser inserida num arcabouço de tributação igual a um grande banco?”, questiona Tatiana.
Atualmente, as principais discussões regulatórias do setor financeiro são:
> Open banking: troca de informações entre empresas financeiras, com o objetivo de oferecer serviços mais personalizados
> Fast payment: possibilidade de realizar pagamentos em qualquer horário, todos os dias da semana. Banco Central criará uma plataforma que irá viabilizar essas operações
> Cibersecurity: busca de equilíbrio entre segurança da informação e a transmissão desses dados entre as instituições financeiras
> Discussões concorrenciais: novos entrantes desafiam as práticas tradicionais, e o Cade tem olhado de perto essas movimentação de forma a garantir uma concorrência saudável entre as instituições
> Sandbox regulatório: a Comissão de Valores Mobiliários abriu audiência pública para instituir um ambiente regulatório experimental para negócios inovadores no mercado de capitais
> Mercado de câmbio: o Banco Central propôs projeto de lei para instituir um novo marco legal mais moderno, conciso e juridicamente seguro para o mercado de cambio e de capitais estrangeiros no Brasil e brasileiros no exterior