STJ definirá legalidade da limitação de salários mínimos a terceiros
Órgão analisa a aplicação do limite de até 20 salários -mínimos à apuração base de cálculo das contribuições destinadas a terceiros
Assuntos
Em dezembro de 2020, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) afetou os Recursos Especiais (REsp) nos 1.898.532 e 1.905.870 para julgamento pela sistemática dos recursos repetitivos, oportunidade em que analisará a aplicação do limite de 20 salários mínimos à apuração base de cálculo das contribuições destinadas a terceiros. Os casos são de relatoria da ministra Regina Helena Costa e ainda não há data definida para julgamento.
Trata-se de matéria já enfrentada pelo tribunal desde 2008, com entendimento reiterado até o momento em ambas as Turmas de Direito Público do STJ pela imposição do limite de 20 salários. A importância do julgamento decorre do fato de que a decisão que vier a ser proferida terá efeitos vinculantes aos demais órgãos do Poder Judiciário.
De acordo com o voto proferido pela ministra para afetação dos recursos, outra razão para análise do tema pela sistemática dos recursos repetitivos é que os Tribunais Regionais Federais (TRFs) da 4ª e 5ª Regiões têm deixado de aplicar o entendimento, já estabelecido pela Corte, sobre o tema em algumas oportunidades.
Por sua vez, a despeito de se perfilhar ao entendimento do STJ, o TRF da 3ª Região tem, em alguns casos, afastado a limitação da base de cálculo no que se refere ao salário-educação, o qual representa percentual substancial das contribuições destinadas a terceiros.
Em termos objetivos, o cerne da discussão gira em torno caput do artigo 4º e seu parágrafo único, da Lei nº 6.950/81. Enquanto o caput do dispositivo estabelece a limitação da base de cálculo de 20 salários para a contribuição destinada à Previdência Social, o parágrafo único prevê a mesma limitação para as contribuições parafiscais destinadas a terceiros.
Ocorre que, sobreveio o Decreto-Lei nº 2.318/86, o qual revogou especificamente o caput do artigo 4º da Lei nº 6.950/81 e, por consequência, afastou o limite de 20 salários para a contribuição para a Previdência Social, sem revogar, porém, o parágrafo único que trata das contribuições destinadas a terceiros.
A despeito disso, com base nessa alteração legislativa o fisco alega que o afastamento da limitação de 20 salários das contribuições para a Previdência Social também seria aplicável para as contribuições destinadas a terceiros, uma vez que “a revogação” do caput impossibilitaria a manutenção do comando normativo de seu parágrafo único.
Ainda, a Fazenda argumenta que a previsão do artigo 4º e parágrafo único da Lei nº 6.950/81 teria sido revogada pela Lei nº 8.212/91, a qual teria disposto sobre o salário de contribuição e revogado as disposições em sentido contrário. Porém, a argumentação não procede, por uma série de razões.
Revogação da Lei nº 6.950/81
Em primeiro lugar, é necessário esclarecer que a revogação do caput do artigo 4º da Lei nº 6.950/81 não implica a revogação automática do seu parágrafo único, inclusive em observância ao artigo 2º da Lei nº 4.657/42 (Lei de Introdução às normas do Direito Brasileiro – LINDB).
Isso porque, no ordenamento brasileiro, os parágrafos e incisos não possuem exclusivamente função acessória em relação ao caput, de modo que, por vezes, podem assumir função autônoma e independente, tal como ocorre na situação aqui analisada em que, a rigor, há duas regras independentes tratando de tributos distintos.
Usando uma situação similar como exemplo, o próprio STF, ao analisar o Recurso Extraordinário (RE) n. 718.874/RS, julgado pela sistemática de repercussão geral, se posicionou pela possibilidade de lei ordinária (art. 1º da Lei 10.256/2001) reinstituir a cobrança da contribuição ao empregador rural pessoa física , com base nos incisos I e II do artigo 25 da Lei 8.212/91, cujo caput havia sido revogado anteriormente por decisão judicial da própria Corte.
É evidente que se a Fazenda Nacional defendeu, no RE 718.874/RS, a possibilidade de reinstituir cobrança fiscal com base em lei que se utilizou de incisos de dispositivo cujo caput havia sido expurgado do mundo jurídico, não pode sustentar que o parágrafo único do art. 4º da Lei nº 6.950/81 foi revogado automaticamente em razão da revogação do “caput” do mesmo dispositivo pelo Decreto Lei nº 2.318/86.
Inclusive, a própria exposição de motivos do Decreto Lei nº 2.318/86 aponta que a intenção do legislador era revogar o limite de 20 salários para a contribuição à Previdência Social, de modo que não faz qualquer referência ao parágrafo único do art. 4º da Lei 6.950/81.
De fato, não foi editada lei que tenha revogado expressamente o parágrafo único do art. 4 da Lei nº 6.950/81, assim como não há qualquer incompatibilidade do comando do decreto com a previsão da Lei n. 8.212/91 em relação ao limite sobre a base de cálculo das contribuições a terceiros.
Ainda que ambas as contribuições incidam sobre a folha de salários, deve-se compreender que a contribuição devida à Previdência Social e a contribuição devida a outras entidades ou fundos (terceiros) são tributos distintos, o que corrobora a clara autonomia do parágrafo único do artigo 4º, da Lei nº 6.950/81 em relação ao caput revogado. Logo, é incabível o entendimento de que a vedação de tal limitação deve ser estendida às contribuições a terceiros.
Diante das considerações apresentadas, há boas perspectivas para o julgamento dos repetitivos no STJ, considerando inclusive que, dos dez ministros que compõem a 1ª Seção, seis já se manifestaram favoravelmente em decisões monocráticas sobre o tema ou acompanhando o voto de outros ministros em julgamento realizado no âmbito da 1ª Turma.
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