STJ divulga edição nº 230 da Jurisprudência em Teses sobre contratos de seguro
Publicação reúne os dez principais temas relacionados aos contratos de seguro julgados recentemente pelo Superior Tribunal de Justiça
O Superior Tribunal de Justiça (STJ) disponibilizou a Edição nº 230 da Jurisprudência em Teses, no dia 23 de fevereiro de 2024, que reúne as dez teses relacionadas aos contratos de seguro, extraídas de julgados do STJ publicados até o dia 9 de fevereiro de 2024. Embora as teses sejam fruto de iniciativa do STJ para divulgação periódica dos julgados mais recentes sobre determinada matéria, elas não se confundem com os Temas Repetitivos, tampouco com as súmulas. Contudo, representam uma importante diretriz sobre o posicionamento que tem sido adotado pelo STJ sobre a matéria em questão e, ainda, demonstram a relevância do setor e preocupação dos Tribunais em uniformizar jurisprudência.
Teses divulgadas pelo STJ
1) Nos contratos facultativos de seguro em geral, o termo inicial do prazo prescricional da pretensão do segurado é a ciência da recusa da cobertura securitária procedida pela seguradora (aplicação da Teoria da Actio Nata)
Segundo a Súmula 229 do STJ, de 1999, editada ainda sob a vigência do antigo Código Civil (1916), o pedido de pagamento de indenização securitária feito à seguradora suspende o prazo de prescrição, até que o segurado tenha ciência da decisão da seguradora sobre o pedido. Portanto, o termo inicial do prazo prescricional ânuo seria a ciência do segurado do fato gerador do sinistro, que ficaria suspenso entre o aviso de sinistro perante a seguradora e a ciência de eventual negativa de indenização.
Por sua vez, o artigo 206, § 1º, II, “b” do Código Civil, aplicável a quaisquer seguros (excetuado o de responsabilidade civil), institui, como marco inicial da contagem do prazo prescricional ânuo da pretensão do segurado contra a seguradora, a “ciência do fato gerador da pretensão”.
O entendimento consolidado por meio da referida súmula, embora ainda não tenha sido revisada formalmente, é objeto de críticas e está aos poucos sendo superado por julgados recentes do STJ.
Nesse sentido, é o informativo 729, de 21 de março de 2022, do STJ, bem como os seis julgados colacionados na Edição 230/STJ, em que restou decidido que, em contratos facultativos de seguro, a ciência, pelo segurado, da recusa da seguradora em indenizar o sinistro marca o início da contagem do prazo prescricional ânuo. Assim, a ciência do segurado acerca da recusa da cobertura securitária pelo segurador que representa o “fato gerador da pretensão“.
2) A seguradora não pode recusar a contratação ou a renovação de seguro a quem se dispuser pagar à vista o prêmio, ainda que possua restrição financeira junto a órgãos de proteção ao crédito
Por meio do Recurso Especial 1594024/SP, de relatoria do Ministro Ricardo Villas Bôas Cueva, o STJ entendeu abusiva a recusa da seguradora em aceitar proposta ou renovar apólice de seguro, unicamente em razão do segurado possuir restrição financeira junto à órgãos de proteção ao crédito, desde que ele se disponha a pagar o prêmio à vista. Segundo o STJ, nessa hipótese, não haveria risco à seguradora, ressaltando a Corte Superior, no entanto, que é legal eventual elevação do valor do prêmio, caso a seguradora entenda que a aceitação ou renovação representa uma majoração do risco.
O entendimento foi firmado em Ação Civil Pública, ajuizada pelo Ministério Público do Estado de São Paulo, que visou obrigar a seguradora à contratação ou renovação para segurados nessa situação.
Não obstante o entendimento exarado, o STJ ressalvou que o direito da seguradora a recusar a venda com base na análise de assunção de risco deve ser preservado, desde que a recusa seja devidamente comunicada ao proponente.
3) O seguro de vida não pode ser instituído por pessoa casada, não separada de fato nem judicialmente, para beneficiar parceiro em relação concubinária, por força de expressa vedação legal
Em análise da aplicação dos artigos 550 e 793, ambos do Código Civil, ao seguro de vida, o entendimento do STJ exarado por meio dos seis julgados colacionados na Edição 230/STJ indica a impossibilidade de pessoa casada contratar seguro de vida cujo beneficiário é parceiro em relação concubinária.
Nesse sentido, o artigo 550 do Código Civil já vedava a doação de cônjuge adúltero ao parceiro concubino, autorizando a anulação do ato pelo cônjuge ou herdeiros necessários até dois anos de dissolução da sociedade conjugal. No mesmo sentido, o artigo 793 do mesmo código já explicitava a impossibilidade do parceiro concubino ser beneficiário de seguro de vida instituído por segurado casado e não separado de fato ou judicialmente. Igualmente, essa orientação foi a vinculada pelo STJ por meio do Informativo 731, de 4 de abril de 2022.
Com essa decisão, o STJ reforça que o ordenamento jurídico atual protege o casamento e a união estável monogâmicos, sendo vedado o reconhecimento de novo vínculo no mesmo período, conforme previsão do artigo 1723, § 1º do Código Civil e Tema 529 do Supremo Tribunal Federal.
4) No seguro de responsabilidade civil facultativo a obrigação da Seguradora de ressarcir danos sofridos por terceiros pressupõe a responsabilidade civil do segurado, a qual, de regra, não poderá ser reconhecida em demanda na qual este não interveio, sob pena de vulneração do devido processo legal e da ampla defesa (Tese julgada sob o rito do art. 543-C do CPC/1973 – TEMA 471)
A Edição 230/STJ, por meio dos cinco julgados colacionados, reafirmou o entendimento consolidado da Corte Superior no sentido de que é vedado, ao terceiro prejudicado, ajuizar ação direta e exclusivamente em face da seguradora, quando o segurado não integrar a lide.
Assim, em seguros de responsabilidade civil facultativo, é impossível que terceiro prejudicado ajuíze ação contra a seguradora de segurado alegadamente causador do dano, quando este não integrar a lide. Isso porque, em seguros de responsabilidade civil, garante-se o patrimônio do segurado, e não do terceiro prejudicado, ainda que o patrimônio deste seja indiretamente protegido – uma vez que a seguradora cobre prejuízo causado pelo segurado. Eventual obrigação da seguradora em indenizar, no entanto, só pode ocorrer caso comprovada a responsabilidade do segurado, em ação em que este interveio.
Com esse entendimento, o STJ reforçou o seu entendimento já consolidado por meio da Súmula 529 do STJ e do Tema 471 do STJ (julgado sob o rito do antigo Código de Processo Civil – “CPC”), de que não há vínculo entre a seguradora e o terceiro prejudicado, ainda que este tenha interesse no pagamento da indenização securitária.
5) Em ação de reparação de danos movida em face do segurado, a Seguradora denunciada pode ser condenada direta e solidariamente junto com este a pagar a indenização devida à vítima, nos limites contratados na apólice (Tese julgada sob o rito do art. 543-C do CPC/1973 – TEMA 469)
A Edição 230/STJ, por meio dos seis julgados colacionados, reafirmou o entendimento já consolidado por meio da Súmula 537 do STJ e do Tema 469 do STJ, julgado sob o rito do antigo CPC, de que na ação de reparação de danos movida em face do segurado, a seguradora denunciada pode ser condenada direta a solidariamente junto a esta a pagar indenização devida à vítima, nos limites contratados na apólice.
No Tema 469 do STJ, o recurso utilizado como representativo da controvérsia (REsp 925130/SP), a seguradora compareceu em juízo aceitando a denunciação da lide feita pelo réu e contestou o pedido, assumindo a condição de litisconsorte passiva. Assim, discutiu-se se a seguradora poderia ser condenada solidariamente com o autor do dano por ela segurado. Reconhecida a discussão doutrinária sobre a posição assumida pela denunciada (se assistente simples ou litisconsorte passivo), o colegiado entendeu como melhor solução a flexibilização do sistema, de modo a permitir a condenação direta e solidária da seguradora litisdenunciada.
6) Nos contratos bancários em geral, o consumidor não pode ser compelido a contratar seguro com a instituição financeira ou com seguradora por ela indicada (Tese julgada sob o rito do art. 1.036 do CPC/2015 – TEMA 972)
A Edição 230/STJ, por meio do Recurso Especial 1954561/PR, julgado em 21 de fevereiro de 2022, de relatoria do Ministro Moura Ribeiro, colacionou o entendimento de que o STJ, ao tratar dos contratos bancários em geral, entende que há a proibição de o consumidor ser compelido a contratar seguro com a instituição financeira ou com a seguradora por ela indicada.
O julgado em questão demonstra que o STJ mantém o seu entendimento anteriormente exarado por meio Tema 972 do STJ, julgado sob o rito do antigo CPC. Quando da consolidação da tese firmada por meio do respectivo tema, o STJ entendeu que, no cenário em que o consumidor é condicionado a contratação da seguradora integrante do mesmo grupo econômico da instituição financeira, haveria cenário semelhante ao que deu origem ao Tema 54 do STJ (que posteriormente deu origem à Súmula 473 do STJ), em relação a contratação obrigatória de seguro habitacional, no âmbito do Sistema Financeiro de Habitação (SFH).
A diferença entre ambos os temas (54 e 972, ambos do STJ) é de que, no contexto do SFH, a contratação de seguro é obrigatória, enquanto no contexto dos contratos bancários, referida contratação, ainda que opcional, é violadora dos direitos básicos do consumidor e configuraria venda casada.
7) A ciência prévia da seguradora a respeito de cláusula arbitral pactuada em contrato de seguro garantia o submete à jurisdição arbitral, pois o risco, presente na apólice securitária, constitui elemento objetivo a ser considerado na avaliação da cobertura do sinistro
A Edição 230/STJ, por meio de cinco julgados, colacionou o entendimento das 3ª e 4ª Turmas do STJ, de que a ciência prévia da seguradora a respeito de cláusula arbitral pactuada em contrato de seguro garantia o submete à jurisdição arbitral, pois o risco, presente na apólice securitária, constitui elemento objetivo a ser considerado na avaliação da cobertura do sinistro.
O contexto dos casos elencados na Edição 230/STJ é comum e consiste no ajuizamento de ação de regresso pela seguradora após ser sub-rogada nos direitos e ações que competiam ao segurado, o qual, por sua vez, havia firmado contrato com cláusula compromissória. Nesse cenário, o STJ entende que a cláusula arbitral submete à seguradora sub-rogada desde que tenha sido celebrada de forma válida; e a seguradora tenha ciência acerca da cláusula compromissória, ainda que sem ter assinado o contrato, tendo em vista as situações em que contrato foi base para o cálculo do risco envolvendo o seguro garantia e a emissão da apólice.
Embora tal posicionamento não seja vinculativo, demonstra que a 3ª Turma do STJ tem mudado seu entendimento sobre a possibilidade de sub-rogação da cláusula de eleição de foro firmada apenas pelas partes contratantes do contrato segurado, uma vez que, nos anos anteriores, foram prolatados acórdãos no sentido de que “o instituto da sub-rogação transmite apenas a titularidade do direito material”, de modo que a cláusula de eleição de foro firmada no contrato que não envolve a seguradora não operaria efeitos com relação ao agente segurador sub-rogado (REsp 1962113/RJ). Especificamente em relação à transmissão da cláusula arbitral, a 3ª Turma do STJ alegou ter sido a primeira vez que discute tal controvérsia.
8) A cláusula de gerenciamento de riscos é legal e compatível com os contratos de seguro
A Edição 230/STJ, por meio de seis julgados, exarou o entendimento da Corte Superior sobre o contrato de seguro de transporte rodoviário.
A 3ª e a 4ª Turma do STJ se posicionaram sobre a licitude da cláusula contratual de Seguro Facultativo de Responsabilidade Civil do Transportador Rodoviário por Desaparecimento de Carga (RCF-DC), que prevê a adoção de plano de gerenciamento de riscos pelo segurado.
Nesse cenário, a 3ª Turma do STJ, ao julgar o REsp 2063143/SC, fundamentou que “em âmbito securitário, a adoção de medidas de prevenção antecipada de sinistros está inserida no dever de colaboração das partes, mormente quando pactuadas, resultando na perda do direito à indenização o agravamento intencional do risco, consistente no descumprimento deliberado das disposições relativas ao Plano de Gerenciamento de Riscos (PGR)”.
Isso representa uma continuidade de entendimento jurisprudencial pela Corte Superior, considerando que, em 2016, a 4ª Turma do STJ já havia se posicionado em relação à cláusula de gerenciamento de riscos no contexto de contrato de seguro de transporte, entendendo ser “legal e compatível com os contratos de seguro”, ao julgar o REsp 1314318/SP.
9) O transportador que contrata seguro visando à proteção da carga pertencente a terceiro não pode ser considerado consumidor, pois utiliza os serviços securitários como instrumento dentro do processo de prestação de serviços e com finalidade lucrativa
Ainda em relação ao contrato de seguro de transporte rodoviário, a Edição 230/STJ, por meio de cinco julgados, exarou o entendimento de que o transportador que contrata seguro com o intuito de proteger a carga pertencente a terceiro não pode ser considerado consumidor. Isso porque, esse transportador utilizaria dos serviços securitários como instrumento dentro do processo de prestação de serviços e com finalidade lucrativa.
A Corte Superior entende que o contrato de seguro firmado entre as partes se insere na cadeia de serviços oferecida pela autora a seus clientes, a quem são transferidos tais custos, motivo pelo qual a transportadora não pode ser considerada como destinatária final da proteção oferecida pela seguradora, conforme definição de consumidor do artigo 2º do Código de Defesa do Consumidor (CDC). Nesse sentido, já se pronunciava a 3ª Turma do STJ em 2014, ao julgar o REsp 1352419/SP, no qual entendeu que a cobertura do risco dos clientes configura consumo intermediário, desprotegido pelo CDC.
10) A manifesta previsibilidade do risco de roubo de mercadorias nas operações de transporte de carga somada à conduta direta do segurado que agravar o risco da cobertura contratada, por ato culposo ou doloso, exonera a seguradora do dever de pagar da indenização
Por fim, mantendo a temática do contrato de seguro de transporte rodoviário, a Edição 230/STJ, por meio de cinco julgados, exarou o entendimento do STJ sobre dever de indenizar da seguradora em caso de sinistro nos transportes de carga.
Nesse sentido, a Corte Superior entendeu que, haja vista ser conhecida a previsibilidade do risco de roubo de mercadorias nas operações de transporte de carga, quando é somada à conduta direta do segurado de agravar o risco da cobertura contratada, por ato culposo ou doloso, exonera a seguradora do dever de pagar indenização.
De acordo com previsão do artigo 750 do Código Civil, o transportador responsabiliza-se pela perda ou pelos danos sofridos pela mercadoria transportada, salvo em situações em que a perda ou dano ocorreu em razão de força maior, como o roubo da mercadoria com emprego de arma de fogo, ou no caso de vício da própria coisa. Caso o seguro de transporte seja contratado e o roubo com arma de fogo seja favorecido pelo descuido da transportadora em relação aos cuidados previstos na cláusula de gerenciamento de risco expressa no contrato celebrado, ao qual a transportadora se comprometeu, a seguradora será exonerada do dever de pagar indenização, conforme tem sido reconhecido pelas Turmas da 2ª Seção do STJ tendo em visto o agravamento do risco da cobertura contratada.
Esse tema é bastante relevante e, além de ser discutido pelos tribunais, tem sido objeto de mudanças legislativas. A Lei 14.599/2023 implementou a obrigatoriedade de vinculação dos seguros de Responsabilidade Civil do Transportador Rodoviário de Carga (RCTR-C) e Responsabilidade Civil do Transportador Rodoviário por Desaparecimento de Carga (RC-DC) a um Plano de Gerenciamento de Riscos (PGR) (artigo 13, § 1º da Lei 11.442/2007). Com isso, a elaboração do PGR deverá ser realizada em conjunto entre o transportador e a sua seguradora, e abordará determinada sistemática operacional que deverá ser adotada no âmbito da relação securitária, de forma a mitigar a ocorrência de sinistros.
Em decorrência desta e de outras alterações promovidas pela Lei 14.599/2023, a SUSEP divulgou, recentemente, a Consulta Pública 01/2024, que coloca em análise a minuta de uma nova Resolução CNSP para estabelecer diretrizes gerais aplicáveis aos Seguros de Responsabilidade Civil dos Transportadores de Carga. A minuta de Resolução reflete a obrigatoriedade exigida em lei para o estabelecimento do PGR.
Portanto, a previsão legislativa, bem como a futura previsão regulatória, alinham-se ao entendimento proferido pelo STJ no sentido de que não há abusividade no estabelecimento e no fazer cumprir de condições contratuais que prevejam o gerenciamento de riscos em contratos de seguro.
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