Covid-19: STF julga inconstitucionalidades nas principais MPs trabalhista e de saúde
O Supremo Tribunal Federal pautou questões relevantes decorrentes das medidas editadas no contexto de combate à Covid-19
Na última semana, nas sessões de julgamento realizadas nos dias 15, 16 e 17 de abril de 2020, foram julgadas Ações Diretas de Inconstitucionalidade que impugnavam as Medidas Provisórias nº 926/2020 e nº 936/2020 de acordo com as decisões do STF em relação à Covid-19.
MP 926/2020 — Competência para dispor sobre serviços essenciais
Em sessão plenária realizada por videoconferência em 15/04/2020, o Supremo Tribunal Federal referendou a decisão proferida nos autos da Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) nº 6.341, que questiona a Medida Provisória nº 926, de 20 de março de 2020, editada para mediar as crises decorrentes da Covid-19.
A ADI, ajuizada pelo Partido Democrático Trabalhista (PDT), visa à declaração de inconstitucionalidade da Medida Provisória nº 926/2020, que deu nova redação ao art. 3º, caput, incisos I, II e VI e §§ 8º, 9º, 10 e 11 da Lei Federal nº 13.979/2020 e, por consequência, ao Decreto nº 10.282/2020.
O objetivo da ação
A ação questiona a constitucionalidade dos dispositivos que a redistribuem aos poderes de polícia sanitária, confiando à Presidência da República as prerrogativas de isolamento, quarentena, interdição de locomoção, serviços públicos e atividades essenciais de circulação. Isso interfere no regime de cooperação entre os entes federativos, centralizando a competência legislativa que seria comum também aos Estados, Distrito Federal e Municípios.
Inicialmente, foi proferida decisão pelo Relator, o Ministro Marco Aurélio, deferindo em parte a liminar pleiteada apenas para tornar explícita a competência legislativa compartilhada entre os entes da Federação, sem maiores esclarecimentos sobre a constitucionalidade ou vigência da norma e demais pontos suscitados.
No julgamento realizado em 15/04/2020, o Ministro Relator referendou a medida cautelar deferida em parte e esclareceu que o que está contido na Medida Provisória não afasta a possibilidade de tomada de providências normativas pelos Estados, Distrito Federal e Municípios, tornando explícita a competência concorrente.
Após deliberações, o Ministro Edson Fachin votou pela concessão parcial da cautelar para dar interpretação conforme a Constituição ao § 9º do art. 3º da Medida Provisória nº 926/2020, no sentido de que “ressalvada a atribuição de cada esfera de governo, o presidente da república poderá dispor sobre os serviços públicos e atividades essenciais” — no que foi seguido pela maioria dos Ministros.
MP 936/2020 — Redução de jornada e suspensão de contratos de trabalho
O Plenário do Supremo Tribunal Federal (STF), no julgamento realizado por videoconferência no dia 16/04/2020, por maioria, não referendou a decisão proferida pelo relator Ministro Ricardo Lewandowski em sede de medida cautelar na Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) n° 6.363 ajuizada pelo Partido Rede Sustentabilidade contra dispositivos da Medida Provisória nº 936, de 1º de abril de 2020.
O objetivo da ação
A ação questiona a constitucionalidade dos dispositivos da MP 936/2020, que permite acordo individual sem a participação sindical para a redução de jornada de trabalho e de salários, em ordem proporcional, bem como a suspensão temporária de contratos de trabalho para empregados que percebem R$ 3.135,00 ou menos; e portadores de diploma de nível superior e que percebam salário mensal igual ou superior a duas vezes o limite máximo dos benefícios do Regime Geral de Previdência Social, ou seja, R$12.202,12.
O Ministro Relator havia deferido parcialmente a medida cautelar pleiteada para dar interpretação conforme a Constituição Federal ao § 4º do art. 11 da Medida Provisória nº 936/2020, fazendo constar que “[os] acordos individuais de redução de jornada de trabalho e de salário ou de suspensão temporária de contrato de trabalho […] deverão ser comunicados pelos empregadores ao respectivo sindicato laboral, no prazo de até dez dias corridos, contado da data de sua celebração, para que este, querendo, deflagre a negociação coletiva, importando sua inércia em anuência com o acordado pelas partes“, e que, se fosse mais benéfico, prevaleceria sobre os acordos individuais, inclusive, invocou o Ministro, o art. 617 da CLT para a hipótese de ausência de manifestação sindical.
A necessidade de flexibilizar a interpretação da Constituição Federal
No julgamento do dia 16/04/20, todavia, a decisão do relator foi revertida com base na divergência inaugurada pelo Ministro Alexandre de Moraes e seguida pelos Ministros Barroso, Fux, Cármen Lúcia, Gilmar Mendes, Marco Aurélio e Toffoli, para manter incólume o texto da MP 936/2020 na forma em que foi originalmente escrita.
Nos termos do voto da maioria, o atual contexto de emergência pública requer a flexibilização da forma de se interpretar a Constituição e de se aplicar os seus princípios, sobretudo porque as normas questionadas são excepcionais e transitórias, editadas diante da necessidade de o Governo Federal impor comportamentos e procedimentos sociopolíticos, econômicos e jurídicos diferenciados.
Ministro Alexandre de Moraes e a manutenção da saúde financeira da empresa
Conforme votou o Ministro Alexandre de Moraes, a MP 936/2020 é lícita, razoável e proporcional e permite a manutenção da saúde financeira da empresa, que por consequência observa o princípio da livre iniciativa e garante direitos fundamentais dos trabalhadores.
Destacou que há uma convergência da necessidade do empregador e do empregado para que seja garantida uma renda mínima para a manutenção do emprego, não havendo conflito a esse respeito. Ressaltou também que, em razão da excepcionalidade do momento, a demora na execução dos acordos individuais com a exigência de participação sindical apenas geraria insegurança jurídica, colocando em risco a proteção constitucional da dignidade do trabalho e a manutenção do emprego.
Ministra Cármen Lúcia e a manutenção da segurança jurídica
A Ministra Cármen Lúcia, em seu voto, apontou que é crucial a tomada de decisões do STF em relação à Covid-19 que busquem manter a segurança jurídica, diante do momento fático em que haverá índice altíssimo de desemprego. A MP 936/2020, portanto, atua como forma de valorização do trabalho e do trabalhador, e, acima de tudo, de mitigação da instabilidade dos vínculos empregatícios.
O art. 7º, inciso VI, da Constituição Federal, que estabelece a necessidade da presença de sindicatos na realização de tratativas sobre a redução salarial, e o inciso X do mesmo artigo, que garante a proteção salarial, podem vir a ter sua eficácia inviabilizada em caso de invalidade da medida em análise.
Ministro Luís Roberto Barroso e o direito do empregado ao trabalho
Sobre a necessidade de intervenção das entidades sindicais nas negociações que envolvam a redução proporcional de salário e jornada e suspensão temporária do contrato de trabalho, o Ministro Luís Roberto Barroso evidenciou que a consequência prática da manutenção da medida cautelar, nesse momento de dificuldade, seria o aumento da probabilidade de as empresas escolherem o caminho mais fácil da demissão, em vez de ficarem na dependência da intervenção dos sindicatos, o que vai de encontro à razão de ser da MP 936/2020 que é justamente garantir os postos de trabalho nesse momento de crise, além de resultar em uma grave insegurança jurídica.
O Ministro evidenciou o direito do empregado ao trabalho, portanto, o seu direito ao emprego previsto na Constituição, de modo que erigido o Programa Emergencial constante da MP 936/20 com sólidas bases, inclusive de se assegurar direitos na hipótese de redução salarial/jornada para a preservação de empregos não contraria as normas constitucionais.
Ministro Gilmar Mendes e a jurisprudência constitucional
O Ministro Gilmar Mendes ressalvou em voto, o que denominou de jurisprudência constitucional, diante da mais grave crise pela qual o Brasil está passando, para que milhões de empregos busquem ser preservados em vista do alto potencial em curto espaço de tempo para que milhões de empregos sejam impactados.
A medida de urgência construída dentro da política econômico-financeira inserida na política pública de proteção à saúde pública representa a proteção ao emprego e que há inclusive dispositivos na CLT que tratam de cenários de crise no campo da aplicação de direitos.
Ministro Marco Aurélio e o respeito às normas constitucionais
Já o Ministro Marco Aurélio reiterou em seu voto o respeito às normas constitucionais, especialmente porque o direito ao emprego é a finalidade da MP 936/20 e que o Programa de Emergência tem abrangência em seu conteúdo que atende à finalidade citada, tendo acompanhado o voto divergente do Ministro Moraes.