Soluções alternativas de conflitos em matéria tributária
Diante de um sistema de justiça sobrecarregado, medidas alternativas podem trazer vantagens tanto para o Fisco como para o contribuinte
Assuntos
”Débitos fiscais” e “negociação” pareciam assuntos inconciliáveis durante muito tempo. A indisponibilidade do interesse público e a compulsoriedade do crédito tributário eram encaradas como barreiras insuperáveis à conciliação. No entanto, o cenário vem mudando e soluções alternativas estão sendo cada vez mais estimuladas pelo próprio Fisco.
Usualmente, os entraves entre Fisco e particular desaguam no Poder Judiciário. De acordo com o relatório “Justiça em Números” de 2020 do Conselho Nacional de Justiça, as execuções fiscais representavam 39% dos processos judiciais em curso.
Diante de um sistema de justiça sobrecarregado, medidas alternativas de solução de conflitos podem trazer vantagens tanto para o Fisco como para o contribuinte.
Formas de solução de conflitos
A possibilidade de negociação de créditos tributários tem previsão no ordenamento jurídico há tempos. O art. 171 do Código Tributário Nacional, editado em 1966, já previa o instituto da transação. Contudo, o assunto apenas ganhou corpo nos últimos anos, quando passou a ser regulamentado e efetivamente colocado em prática pelo Fisco.
Negócios jurídicos processuais
Um dos grandes movimentos da Fazenda Nacional em busca da conciliação foi a edição da Portaria PGFN nº 742/2018, que, com base no art. 190 do Código de Processo Civil de 2015, instituiu a possibilidade de celebração de negócios jurídicos processuais no âmbito de execuções fiscais – uma forma de solução de conflito que não visa propriamente a redução do débito fiscal, mas sim a criação de alternativas que evitem que o contribuinte seja asfixiado patrimonialmente no curso da cobrança da dívida.
A normativa passou a prever medidas que promovessem maior flexibilidade ao contribuinte no curso da cobrança judicial do débito, como o estabelecimento de calendário processual, elaboração de plano de amortização da dívida, criação de facilidades para aceitação e substituição de garantia e acordos quanto a forma de constrição e alienação de bens.
Transação tributária
Mais recentemente, a Lei nº 13.988/2020 disciplinou a transação tributária de débitos federais, alternativa de solução de conflito fiscal que visa a extinção do crédito tributário, nos termos do art. 156, III do CTN.
A transação pode ocorrer de forma individual ou por adesão e, ao contrário do negócio jurídico processual, possui como essência reduzir conflitos e viabilizar a recuperação de créditos tributários de difícil ou impossível recuperação, pela concessão de descontos.
De forma muito objetiva, a Lei nº 13.988/2020 prevê três modalidades de transação:
- a transação na cobrança de créditos inscritos em dívida ativa da União, Autarquias e Fundações Públicas, que pode ser dar por adesão ou de forma individual, por iniciativa da Procuradoria ou do próprio devedor;
- a transação por adesão no contencioso tributário de relevante e disseminada controvérsia jurídica, aplicável a débitos relacionados a teses que estejam em discussão administrativa ou judicial. Essa modalidade pressupõe que as discussões não tenham tido um desfecho na jurisprudência desfavorável ao contribuinte e são definidas pelo Ministério da Economia, com a possibilidade de que sejam oferecidos descontos de até 50% do crédito tributário;
- a transação por adesão no contencioso tributário de pequeno valor, aplicável a débitos que não superem 60 salários mínimos e que tenha como sujeito passivo pessoa natural, microempresa ou empresa de pequeno porte.
Com base nessa legislação foram publicados diversos atos normativos com o propósito de regulamentar a transação. E, se de um lado as modalidades até agora oferecidas pela Fazenda Nacional já suscitaram críticas acerca de sua baixa amplitude ou das rigorosas contrapartidas exigidas dos contribuintes, de outro, não se pode negar a importante sinalização do Fisco à abertura para o diálogo e redução da litigiosidade.
Arbitragem tributária
Além da alternativa da transação, também é importante mencionar a arbitragem tributária, matéria há muito debatida, mas ainda não regulamentada em termos normativos.
A arbitragem também é forma alternativa de solução de conflitos que evita o acionamento do Judiciário, submetendo a controvérsia à resolução promovida por terceiro imparcial ou entidade escolhida pelas partes.
Há dois projetos de lei em trâmite no Congresso Nacional que buscam implementar a arbitragem tributária (PL nº 4.257/19 e PL nº 4.468/20) sob modelos distintos entre si, o que mostra que o assunto vem amadurecendo e deve ganhar corpo em breve.
Vantagens para o contribuinte e para o Fisco
Independente do modelo adotado e dos necessários aprimoramentos, as formas alternativas de solução de conflitos tributários interessam ao Fisco, na medida em que incrementam as chances de adimplemento do crédito tributário; e interessam ao contribuinte, na medida em que promovem a redução do débito fiscal e evitam que o particular seja asfixiado patrimonialmente no curso da cobrança.
Ao que parece, métodos conciliativos e de negociação estarão cada vez mais presentes em assuntos tributários e, por essa razão, os especialistas do Mattos Filho iniciam esta série de artigos sobre o tema, que abordarão individualmente cada uma das alternativas oferecidas pelo Fisco para solucionar conflitos. Acompanhe as atualizações no portal Único de notícias e análises jurídicas.