Cinco meses em vigor, reflexos da Lei do Superendividamento já são percebidos
Além da evolução no debate sobre mínimo existencial, o Poder Judiciário firma novos entendimentos sobre repactuação de dívidas
Desde a entrada em vigor da Lei nº 14.181/2021, também conhecida como “Lei do Superendividamento”, consumidores vêm propondo ações judiciais com expectativa de repactuação da forma de pagamento de dívidas contraídas, buscando a salvaguarda de seu “mínimo existencial”.
Ainda que haja a necessidade de preservação do mínimo existencial do consumidor, a Lei do Superendividamento deixou um vazio sobre esse conceito jurídico. Tendo em vista a indefinição do conceito de mínimo existencial, alguns Procons editaram portarias regulamentando a matéria em âmbito estadual, como o artigo 7º, § 4° da Portaria nº 13/2021 do Proncon-GO e o artigo 5°, §3° da Portaria 184/2021 do Procon-MA, que definiram como parâmetro para o mínimo existencial as porcentagens de 50% ou de 60 a 65%, a depender, entre outros aspectos, de quantos salários mínimos componham a renda do consumidor.
Debate sobre mínimo existencial
Em outubro de 2021, a Secretaria Nacional do Consumidor (Senacon) realizou audiência pública para discussão do conceito de mínimo existencial. No encontro, foi citada a minuta de decreto regulamentar proposta pelo Instituto Brasileiro de Polícia e Direito do Consumidor (Brasilcon) para a definição dos critérios do mínimo existencial.
Segundo a minuta proposta, em vez de um percentual de limite máximo de descontos nos rendimentos do consumidor, o mínimo existencial deveria considerar circunstâncias reais da vida do mesmo, incluindo, mas não se limitando, a:
- Despesas relativas à locação do imóvel em que resida o consumidor;
- Serviços essenciais de água, energia elétrica telefone ou internet;
- Alimentação própria, educação formal, medicamentos, saúde e higiene, assim como as decorrentes de obrigações de caráter alimentar de que seja devedor e as de natureza tributária.
Até que haja regulamentação sobre o tema, caberá ao Poder Judiciário analisar em que medida o pagamento de dívidas, considerando os rendimentos mensais de um determinado consumidor, compromete ou não sua possibilidade de pagar as despesas básicas e viver com dignidade.
Muitos consumidores que pleiteiam a repactuação das dívidas em razão de um empréstimo são servidores públicos, para os quais já há legislação especial determinando um limite máximo (entre 30% e 40%) do valor a ser descontado da folha de pagamento em razão de empréstimos consignados.
Graças a esses parâmetros, o Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro (TJ-RJ) estabeleceu a necessidade de limitação dos descontos nos rendimentos de um bombeiro militar em 5% para cada instituição financeira, de forma a atingir o patamar limite de 30%. No caso em referência, o bombeiro havia contraído seis empréstimos consignados e, conforme reconheceu o Tribunal, a insuficiência de recursos para fazer frente ao pagamento das referidas dívidas e demais despesas cotidianas o colocou em clara situação de indignidade.
No que se refere ao procedimento de repactuação de dívidas, o Poder Judiciário de São Paulo já reconheceu a impossibilidade de trâmite perante os Juizados Especiais Cíveis (JEC). Na ocasião, concluiu-se que:
- O estabelecimento do plano de pagamento requer a nomeação de administrador judicial, figura inexistente no rito do JEC;
- É necessária a realização de perícia contábil para estabelecer a justa medida dos juros e correção que deverão incidir no referido plano, sendo a perícia incompatível com o resultado do JEC.
Processo de repactuação
O TJ-SP também entendeu pela impossibilidade de aplicação do processo de repactuação de dívidas em sede de cumprimento de sentença, bem como pela necessidade de presença de todos os requisitos do processo de repactuação para a sua aplicação na fase de conhecimento.
De acordo com o Tribunal, o processo de repactuação não pode ser instaurado de ofício ou sem a presença de todos os credores daquele determinado consumidor. Além disso, o Poder Judiciário vem entendendo que incumbe ao consumidor que busca a tutela para repactuação das dívidas a apresentação de um plano de pagamento que, nos termos do art. 104-A do Código de Defesa do Consumidor, acrescentado pela Lei do Superendividamento, viabilize o adimplemento das obrigações assumidas.
Um outro ponto de destaque diz respeito ao fato de que a Lei do Superendividamento trouxe dispositivos sobre o dever de informação do fornecedor, a fim de melhor preservar o consumidor na fase pré-contratual. Com base nisso, o Colégio Recursal do TJ-GO já reconheceu o direito do consumidor à indenização por danos morais decorrentes da ausência de informação sobre os ônus e riscos da contratação de crédito.
Vale destacar, por fim, que o Poder Judiciário também está atento à comprovação do excesso e da abusividade dos descontos realizados pelas instituições financeiras em decorrência de contratos firmados. Merecem destaque, nesse sentido:
- O precedente pelo qual a terceira turma recursal do TJ-DFT decidiu ser indevida a limitação dos descontos, em situação em que o consumidor havia omitido da instituição financeira informações pertinentes à concessão de crédito;
- O indeferimento da tutela de urgência requerida por consumidor, em razão da não comprovação da onerosidade excessiva dos descontos realizados pela instituição financeira ou de extrema vantagem para a instituição financeira.
Para mais informações sobre Lei do Superendividamento e mínimo existencial, conheça a prática de Contencioso e Arbitragem do Mattos Filho.
*Com a colaboração de Maria Carolina Vitorino Lopes.