Redirecionamento da execução fiscal para administradores
Análise da jurisprudência sobre as principais hipóteses de redirecionamento contra administradores
Assuntos
A execução fiscal é um instrumento processual pelo qual os entes públicos exigem o adimplemento de seus créditos. A jurisprudência reconhece que a execução fiscal tramita pelo interesse do credor que, por isso, pode recusar a garantia ofertada pelo devedor, por exemplo.
Quando a execução fiscal é manejada inicialmente contra pessoa jurídica que, no entanto, por diversos motivos, não apresenta condições de adimplir o débito ou bens que possa garanti-lo, o Fisco pode pleitear o redirecionamento da execução fiscal para pretensos responsáveis.
A despeito da prioridade do interesse do exequente, a legislação e a jurisprudência impõem limites para atuação do Fisco na execução fiscal.
O presente texto se trata especificamente da orientação jurisprudencial para redirecionamento da execução fiscal contra administradores das empresas. Em outro artigo da série será abordado o redirecionamento para pretenso grupo econômico.
A principal hipótese de redirecionamento de execução fiscal para administradores é em razão da incorrência de uma das hipóteses previstas no art. 135 do Código Tributário Nacional, inclusive no caso de dissolução irregular da pessoa jurídica, que é a situação mais comum.
O mero inadimplemento dos débitos não viabiliza o redirecionamento da execução fiscal
Outrora era comum o Fisco pleitear o redirecionamento para sócios ou diretores das pessoas físicas em razão da ausência de pagamento dos débitos.
Contudo, há tempos o Superior Tribunal de Justiça (STJ) firmou entendimento de que a falta de pagamento do tributo por si só não é suficiente para atrair a responsabilidade dos administradores, sendo necessária a prática de atos com excesso de poderes ou infração à lei, contrato social ou estatuto (Tema Repetitivo nº 97) e Súmula 430 do STJ).
Nos termos do artigo 135 do Código Tributário Nacional (CTN), os administradores são responsáveis pelos créditos tributários somente quando há “obrigações tributárias resultantes de atos praticados com excesso de poderes ou infração de lei, contrato social ou estatutos”.
Não basta ser sócio, há que deter poder de gestão para incorrer nas hipóteses do art. 135 do CTN
Aliás, se é necessária a prática de atos com excesso de poderes ou infração à lei, contrato social ou estatuto para incorrer nas hipóteses do art. 135 do CTN e, assim, viabilizar o redirecionamento da execução fiscal, não basta ser sócio da empresa para estar sujeito ao redirecionamento, é preciso detenha poder de gestão.
Dito de outro modo, se a pessoa física detém participação na empresa e, no entanto, não exerce possui poderes de gestão, não poderia sofrer o redirecionamento, uma vez que, nessa hipótese lhe faltaria alçada para tomar decisões que pudessem acarretar a violação ao art. 135 do CTN.
Ônus da prova
Se o redirecionamento da execução fiscal depende da incorrência de uma das hipóteses previstas no art. 135 do CTN, questão importante que se coloca é a quem compete o ônus da prova: ao Fisco ou ao pretenso responsável?
Em regra, compete ao Fisco comprovar que o pretenso responsável incorreu nas hipóteses do art. 135 do CTN.
Contudo, caso o nome do administrador conste na certidão de dívida ativa, por se tratar de título que detém a presunção de legitimidade, inverte-se o ônus da prova.
No julgamento do AgRg no AREsp 708225 / DF, o Ministro Humberto Martins assim sintetizou a orientação do STJ: “O Superior Tribunal de Justiça tem entendido, pacificamente, que “se o nome dos corresponsáveis não estiver incluído na CDA, cabe ao ente público credor a prova da ocorrência de uma das hipóteses listadas no art. 135 do CTN; constando o nome na CDA, prevalece a presunção de legitimidade de que esta goza, invertendo-se o ônus probatório”.
O STJ pacificou tal entendimento em 2009, quando julgou os Temas Repetitivos nos 103 e 104, para firmar a seguinte tese jurídica: “Se a execução foi ajuizada apenas contra a pessoa jurídica, mas o nome do sócio consta da CDA, a ele incumbe o ônus da prova de que não ficou caracterizada nenhuma das circunstâncias previstas no art. 135 do CTN, ou seja, não houve a prática de atos ‘com excesso de poderes ou infração de lei, contrato social ou estatutos’. A exceção de pré-executividade é admissível na execução fiscal relativamente às matérias conhecíveis de ofício que não demandem dilação probatória“.
O apontamento do administrador na CDA tem o condão de inverter o ônus da prova. Contudo, tal apontamento só poderia ocorrer caso a responsabilidade do administrador tenha sido apurada previamente na esfera administrativa, garantindo-lhe o efetivo contraditório.
É que, para gozar de presunção de certeza e liquidez, a CDA deve refletir o que efetivamente ocorreu no processo administrativo. Se não foi oportunizado o direito de defesa na esfera administrativa para o sócio, deveria se reconhecer a nulidade da CDA que indique seu nome.
Dissolução irregular da pessoa jurídica
A hipótese mais comum de redirecionamento de execução fiscal ocorre em razão de dissolução irregular da pessoa jurídica, ou seja, quando há encerramento das atividades sem a prévia comunicação das autoridades fiscais.
Vale esclarecer que, por vezes, ainda que não tenha havido efetivamente o encerramento das atividades, mas a mera alteração de endereço sem prévia comunicação às autoridades, poderia dar margem ao redirecionamento.
É que há tempos o STJ pacificou o entendimento no sentido de que a certidão expedida por Oficial de Justiça, dando conta que não localizou a empresa no endereço indicados às autoridades, tem o condão de presumir a dissolução irregular.
Recentemente a 1ª Turma do STJ, no julgamento do AgInt no AREsp 2237119 / SP, asseverou que, “de acordo com a Súmula 435 do STJ, a dissolução irregular da pessoa jurídica devedora constatada por meio de certidão do oficial de justiça em que atestado o encerramento das atividades no endereço informado é causa suficiente para o redirecionamento da execução fiscal em desfavor do sócio-gerente.” (DJ de 21.08.23)
Aliás, o STJ também tem o entendimento pacífico no sentido de que, “havendo indícios de dissolução irregular, inverte-se o ônus da prova, cabendo ao contribuinte elidir, na ação própria, a sua responsabilidade (AgInt no AREsp 1747345 / ES)”.
Outro ponto que gerava controvérsia consistia em saber se, no caso de dissolução irregular, qual o administrador que estaria sujeito ao redirecionamento, o contemporâneo, os fatos geradores ou à dissolução irregular?
No julgamento do Tema Repetitivo nº 962, o STJ firmou a tese jurídica de que “o redirecionamento da execução fiscal, quando fundado na dissolução irregular da pessoa jurídica executada ou na presunção de sua ocorrência, não pode ser autorizado contra o sócio ou o terceiro não sócio que, embora exercesse poderes de gerência ao tempo do fato gerador, sem incorrer em prática de atos com excesso de poderes ou infração à lei, ao contrato social ou aos estatutos, dela regularmente se retirou e não deu causa à sua posterior dissolução irregular, conforme art. 135, III, do CTN”
Tal orientação está em linha com a premissa de que o mero inadimplemento de tributo, por si só, não poderia viabilizar o redirecionamento da execução fiscal.
Em reforço, posteriormente o STJ, ao julgar o Tema Repetitivo n° 981, reforçou entendimento no sentido de que “O redirecionamento da execução fiscal, quando fundado na dissolução irregular da pessoa jurídica executada ou na presunção de sua ocorrência, pode ser autorizado contra o sócio ou o terceiro não sócio, com poderes de administração na data em que configurada ou presumida a dissolução irregular, ainda que não tenha exercido poderes de gerência quando ocorrido o fato gerador do tributo não adimplido, conforme art. 135, III, do CTN“
Como se vê, para redirecionamento em razão da dissolução irregular, importa verificar qual sócio detinha poderes de gestão à época da dissolução irregular, sendo irrelevante se detinha tais poderes quando da ocorrência dos fatos geradores dos tributos que se pretende exigir.
Para mais informações sobre lei de execução fiscal, acompanhe a série especial do Mattos Filho sobre o tema.