Prescrição intercorrente e a morosidade do poder judiciário
Diretrizes da prescrição intercorrente e a responsabilidade pelo impulsionamento da Execução Fiscal
Assuntos
As execuções fiscais representam extensa parcela dos processos que tramitam no Poder Judiciário. De acordo com o relatório Justiça em Números de 2022 (Ano-base 2021), elaborado pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ), as execuções fiscais representam, aproximadamente, 35% do total de casos pendentes e 65% das execuções em curso em todo o Poder Judiciário. Em relação ao ano de 2020, os casos novos de execução fiscal cresceram 39,4%.
Por outro lado, a taxa de congestionamento das execuções fiscais foi de 90%, índice substancialmente superior à taxa de congestionamento em toda a Justiça (74,2%). Ou seja, de cada 100 execuções fiscais que tramitaram em 2021, apenas dez foram baixadas.
Percebe-se que, ao passo que as execuções fiscais possuem uma alta taxa de congestionamento do Judiciário, o número de ações ajuizadas cresce exponencialmente.
Nesse cenário, coexistem situações antagônicas. Por vezes, os contribuintes se veem obrigados a permanecer no polo passivo de ações durante anos, com todos os ônus e custos inerentes à condução de processos judiciais. Por outro lado, a administração pública encontra dificuldades em receber tempestivamente os valores que entende devidos, ou mesmo continua a incorrer em esforços hercúleos para acompanhamento e tentativas de cobrança de créditos que não mais poderiam ser exigidos.
Um dos institutos previstos na legislação exatamente para impedir que os processos judiciais se eternizem no tempo é a chamada Prescrição. No âmbito tributário, ela pode ser analisada, especialmente, sob dois aspectos. O primeiro diz respeito à prescrição para o ajuizamento da demanda, prevista no artigo 174, do Código Tributário Nacional (CTN). O segundo é relativo à prescrição intercorrente, que ocorre no curso da ação.
Neste artigo, será possível conferir a Prescrição Intercorrente.
Prescrição intercorrente
Com o intuito de dar efetividade aos princípios constitucionais da eficiência, segurança jurídica e razoável duração do processo, bem como evitar a perpetuação dos feitos executivos, o artigo 40 da Lei de Execuções Fiscais (LEF) criou a chamada Prescrição Intercorrente:
Art. 40 – O Juiz suspenderá o curso da execução, enquanto não for localizado o devedor ou encontrados bens sobre os quais possa recair a penhora, e, nesses casos, não correrá o prazo de prescrição.
§ 1º – Suspenso o curso da execução, será aberta vista dos autos ao representante judicial da Fazenda Pública.
§ 2º – Decorrido o prazo máximo de 1 (um) ano, sem que seja localizado o devedor ou encontrados bens penhoráveis, o Juiz ordenará o arquivamento dos autos.
§ 3º – Encontrados que sejam, a qualquer tempo, o devedor ou os bens, serão desarquivados os autos para prosseguimento da execução.
§ 4º Se da decisão que ordenar o arquivamento tiver decorrido o prazo prescricional, o juiz, depois de ouvida a Fazenda Pública, poderá, de ofício, reconhecer a prescrição intercorrente e decretá-la de imediato. (Incluído pela Lei nº 11.051, de 2004)
§ 5º A manifestação prévia da Fazenda Pública prevista no § 4o deste artigo será dispensada no caso de cobranças judiciais cujo valor seja inferior ao mínimo fixado por ato do Ministro de Estado da Fazenda. (Incluído pela Lei nº 11.960, de 2009)
Trata-se da perda do direito de a Fazenda Pública seguir com a cobrança do crédito tributário em decorrência da desídia na condução do processo judicial, em um período superior ao prazo prescricional do direito que está pleiteando. No caso do direito tributário, esse prazo é de cinco anos, nos termos do artigo 174 do CTN.
De acordo com a previsão da LEF, em linhas gerais, a prescrição intercorrente ocorre da seguinte forma: após o despacho que determinar a citação, se não for localizado o devedor ou bens passíveis de penhora, o juiz suspenderá a execução fiscal pelo prazo de um ano. Decorrido esse prazo, sem que ainda tenham sido localizados bens penhoráveis, o juiz determinará o arquivamento do feito, momento em se iniciará o decurso do prazo prescricional. Finalmente, transcorrido o prazo de cinco anos, o juiz poderá decretar, de ofício, a prescrição intercorrente.
Diretrizes da Prescrição Intercorrente definidas pelo STJ e STF
Apesar de o instituto ter previsão expressa na legislação processual, coube ao Poder Judiciário se esmiuçar sobre a correta forma de aplicação das normas, em especial em relação aos marcos a serem considerados.
De modo a uniformizar o entendimento a respeito do tema, o STJ afetou ao rito dos recursos repetitivos o REsp nº 1.340.553/RS, que foi definitivamente julgado em 2018. Naquela oportunidade, a Corte Superior fixou diversas teses abordando as regras gerais para contagem do prazo da prescrição intercorrente nos processos tributários. Confira o resumo:
- Tema 566: o prazo de um ano de suspensão do processo e do respectivo período prescricional previsto, se iniciam na data da ciência da Fazenda Pública a respeito da não localização do devedor ou da inexistência de bens penhoráveis no endereço fornecido, havendo, sem prejuízo dessa contagem automática, o dever de o magistrado declarar a suspensão do feito;
- Tema 567: independentemente da petição da Fazenda Pública e havendo ou não pronunciamento judicial nesse sentido, findo o prazo de um ano de suspensão, inicia-se o período prescricional;
- Tema 568: a efetiva constrição patrimonial e citação são aptas a interromper o curso da prescrição intercorrente, não bastando o mero peticionamento em juízo, requerendo os atos constritivos, para interrupção desse prazo;
- Tema 569: independente de petição da Fazenda Pública ou pronunciamento judicial, o prazo prescricional se inicia automaticamente após um ano de suspensão da execução fiscal;
- Temas 570 e 571: a Fazenda Pública, em sua primeira oportunidade de falar nos autos, deverá comprovar a ocorrência de qualquer causa interruptiva ou suspensiva da prescrição.
Ademais, o STJ já havia definido por meio da Súmula nº 314 que o prazo prescricional poderá ser interrompido com a comprovação de penhora efetiva ou com a efetiva citação do executado.
Portanto, pode-se dizer que, na visão do STJ, o marco inicial do prazo para suspensão do processo se inicia a partir da data da ciência da Fazenda Pública a respeito da não localização do devedor ou inexistência de bens penhoráveis.
Decorrido o prazo de suspensão, inicia-se automaticamente a contagem do período prescricional. Para que seja caracterizada a interrupção, deverá ocorrer a citação do devedor ou efetiva constrição patrimonial, não sendo suficiente o mero peticionamento em juízo requerendo os atos constritivos, cabendo à Fazenda Pública comprovar eventual interrupção ou suspensão na primeira oportunidade de se manifestar nos autos.
A questão também foi levada à apreciação do STF, no Tema 390 da repercussão geral. A Corte Suprema foi incitada a se manifestar a respeito da possibilidade de a LEF versar sobre prescrição intercorrente, considerando a exigência de lei complementar para a disciplina do instituto da prescrição tributária, nos termos do art. 146, III, b, da Constituição Federal.
Esse tema foi recentemente julgado, em 22 de fevereiro de 2023, oportunidade em que o STF concluiu que a suspensão da execução pelo prazo de um ano, prevista na LEF, tem natureza meramente processual. Nessa medida, o fim do prazo de arquivamento indica o início automático do prazo da prescrição, que é de cinco anos, tal como previsto no artigo 174 do CTN, recepcionado pela Constituição com status de lei complementar.
Responsabilidade pelo impulsionamento da Execução Fiscal – morosidade do Poder Judiciário
Não obstante os posicionamentos e diretrizes estabelecidas pelos tribunais superiores, algumas questões a respeito da prescrição intercorrente ainda têm gerado discussões. Um desses temas diz respeito às situações em que há dúvida sobre a quem deve ser atribuída a responsabilidade pela demora no efetivo impulsionamento da Execução Fiscal: a desídia da Fazenda Pública, a morosidade do Poder Judiciário, ou até mesmo a concomitância de ambos os cenários.
Afinal, até onde estaria delimitada a desídia da Fazenda Pública ante eventual morosidade do Poder Judiciário? Quais seriam os esforços a serem perpetrados pela Fazenda Pública capazes de justificar o afastamento de sua inércia e caracterizar, portanto, a exclusiva morosidade judicial?
Essas questões não são novas. Ainda em 1994, o STJ editou a Súmula nº 106, estipulando que “a demora na citação, por motivos inerentes ao mecanismo da Justiça, não justifica o acolhimento da arguição de prescrição ou decadência.”
A referida Súmula continua sendo reiteradamente aplicada até os dias atuais para a delimitação da prescrição intercorrente. Na esteira desse entendimento, a Fazenda Pública, nos mais variados casos, tem defendido em juízo a responsabilidade exclusiva do Poder Judiciário pelo impulsionamento dos feitos executivos, como uma tentativa de se esquivar de suas obrigações de condução atenta dos processos.
Diante das inúmeras situações fáticas possíveis, a despeito do enorme volume de precedentes sobre o tema, não se pode dizer que a questão se encontre pacificada.
A 1ª e a 2ª Turma do STJ, por exemplo, já se manifestaram no sentido de que a movimentação do feito executivo deve ser entendida como uma responsabilidade conjunta, de modo que a ausência do impulsionamento e regular trâmite do processo decorreria concomitantemente da inércia do Poder Judiciário e da desídia da Fazenda Pública. A título exemplificativo, cita-se os AgRg no REsp 1065783/PE e AgRg no Ag 1174690/SC.
Nesse sentido, caberia à Fazenda Pública, além de meras manifestações no processo, realizar o acompanhamento processual e adotar os meios para assegurar o processamento do feito, conforme decidido pela Segunda Turma do STJ no AgInt no AREsp n. 2.033.339/RJ, julgado em 27 de junho de 2022.
Trata-se de um posicionamento louvável da Corte Superior, que visando resguardar a segurança jurídica, impõe aos litigantes o ônus de uma postura diligente e voltada a efetividade do processo.
Em contraposição, a Primeira Turma do STJ, no AgInt no REsp n. 1.930.660/AL, julgado em 14 de junho de 2021, analisando situações em que as movimentações processuais dependeriam exclusivamente de providências cartorárias, se manifestou no sentido de que a paralização do curso da execução fiscal seria de responsabilidade exclusiva do Poder Judiciário, como é o caso da citação da executada. O mesmo posicionamento foi adotado no recente julgamento do Resp nº 1.818.595/DF, em que o STJ aplicou a Súmula 106/STJ para afastar a responsabilidade da Fazenda Pública pela paralisação do processo por mais de nove anos após o último requerimento formulado nos autos.
Tal entendimento caminha em sentido diametralmente oposto aos princípios constitucionais do devido processo legal, onerando os contribuintes e o Poder judiciário pela dissidia da Fazenda Pública, ao passo que premia a inoperância do órgão fazendário que, em verdade, deveria ser o mais interessado na conclusão célere da lide.
Essas questões ainda deverão ser objeto de enfrentamento definitivo pelo Poder Judiciário, de modo que cabe aos órgãos julgadores, zelando pela correta aplicação da lei, evitar que a Fazenda Pública, ao arrepio dos princípios constitucionais, se ancore na suposta morosidade dos órgãos da justiça como justificativa para perpetuar indefinidamente os processos judiciais.
Para mais informações sobre lei de execução fiscal, acompanhe a série especial da prática de Tributário do Mattos Filho sobre o tema.