Veja os principais cuidados com patrimônio, doações e residência fiscal em meio à crise
Sócios do Mattos Filho explicam quais pontos precisarão de mais atenção nos próximos meses
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A pandemia do novo coronavírus trouxe preocupações extras relacionadas aos cuidados com o patrimônio, doações e questões de residência fiscal. A fim de esclarecer as dúvidas mais recorrentes relacionadas a esses tópicos, os sócios da área de Gestão Patrimonial, Família e Sucessões, Alessandro Amadeu da Fonseca e Nicole Najjar, responderam às questões abaixo.
1) Em decorrência da pandemia, passarei mais tempo que o esperado no Brasil (ou em outro país). Existem riscos relativos à caracterização de residência fiscal? Quais cuidados devo tomar?
Alguns países como Estados Unidos, Reino Unido e Austrália, seguindo as orientações mais recentes da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), flexibilizaram suas regras de caracterização de residência fiscal, de modo a mitigar as distorções causadas em decorrência da dificuldade ou impossibilidade de deslocamento no contexto atual.
No Brasil, no entanto, ainda não há uma flexibilização expressa nesse sentido. Por isso, é importante que brasileiros e estrangeiros não residentes no País, que se encontrem nessa situação, providenciem e mantenham arquivado todo tipo de documentação que possa comprovar o período de permanência no Brasil, assim como a impossibilidade ou dificuldade de deixar o País, como passaporte; passagens aéreas; eventual confirmação de cancelamento do voo de regresso; documentos médicos, se aplicável, inclusive com relação a familiares próximos etc.
Ressaltamos que as autoridades fiscais brasileiras vêm adotando os mais diversos critérios, objetivos e subjetivos, para a caracterização de residência fiscal no Brasil, em especial com relação a brasileiros residentes no exterior e que mantenham algum vínculo com o País. Dessa forma, torna-se importante obter a assessoria jurídica adequada para mitigar eventuais riscos de questionamento das autoridades fiscais sobre a residência fiscal.
2) É hora de reestruturar meu patrimônio?
Tendo em vista o cenário de grande incerteza política e econômica, somado à intensificação de fiscalizações envolvendo pessoas físicas e à probabilidade de alterações legislativas, recomendamos a revisão das estruturas de investimento nacionais e estrangeiras, de modo a garantir flexibilidade e agilidade para eventuais adaptações e reestruturações que se façam necessárias no curto/médio prazo.
Nesse sentido, destacamos, por exemplo, que uma eventual revogação da isenção do Imposto de Renda Pessoa Física (IRPF) sobre os dividendos poderia trazer impactos financeiros relevantes aos beneficiários, especialmente nos casos de famílias empresárias.
Ademais, o também possível aumento da alíquota do Imposto de transmissão causa mortis e doação (ITCMD), bem como eventuais alterações da sistemática para determinação das respectivas bases de cálculo, sugerem que o presente momento possa favorecer eventuais doações, inclusive em adiantamento de legítima (ver pergunta abaixo).
Outra possibilidade a ser explorada nesse sentido é a Partilha em Vida, que antecipa para o momento presente os efeitos patrimoniais da sucessão, eliminando a necessidade de processo de inventário e reduzindo a chance de conflito futuro entre os herdeiros necessários.
3) Pretendo fazer doações. Devo tomar algum cuidado específico?
Antes da implementação de qualquer doação, é de suma importância que as partes avaliem os impactos fiscais e patrimoniais decorrentes da operação, além de outros aspectos relevantes.
Vale destacar a importância de uma análise cuidadosa da lei aplicável, de modo a verificar corretamente quem serão os contribuintes, qual será a base de cálculo e a alíquota aplicável, bem como a qual Estado deverá ser recolhido o ITCMD.
Caso, ainda, o donatário seja residente no exterior, além do ITCMD, deve ser avaliada com cautela a possibilidade de exigência do Imposto de Renda Retido na Fonte (IRRF), considerando a recente mudança de entendimento das autoridades fiscais sobre remessas ao exterior.
Por fim, recomendamos avaliar a conveniência da imposição de gravames à doação, como cláusulas de incomunicabilidade, impenhorabilidade, inalienabilidade e, até mesmo, cláusula de reversão. Em todos os casos, e principalmente considerando a intensificação das fiscalizações envolvendo pessoas físicas, mostra-se necessária a devida formalização da transação por meio de contrato de doação.
4) Que cuidados adicionais posso tomar visando à perenidade dos negócios da família e à harmonia entre meus herdeiros?
Além dos testamentos (ver respostas abaixo), os acordos de governança familiar e corporativa, como o Protocolo de Família e os Acordos de Acionistas, são instrumentos eficazes para garantir uma maior previsibilidade nesse sentido, possibilitando a definição de diversos tipos de regras entre os membros da família e os ativos familiares, de maneira coordenada.
O Protocolo Familiar pode trazer, por exemplo, os principais valores da família, regras de conduta, regras para participação nos negócios familiares e regras gerais de sucessão. Já os acordos de governança corporativa buscam harmonizar os interesses próprios dos acionistas ao interesse social, por meio de regras específicas sobre a condução dos negócios, tais como quóruns para tomada de decisão, mecanismos para a solução de controvérsias, além de regras específicas sobre sucessão.
Há uma infinidade de possibilidades e de combinações de regramentos que devem ser discutidos a fundo, de modo a garantir uma efetiva compatibilidade das normas e diretrizes fixadas com a realidade e as possibilidades de cada família.
5) Ainda não tenho um testamento. O que devo fazer?
O planejamento da sucessão mostra-se fundamental para mitigar os riscos e conflitos decorrentes da transferência de bens às próximas gerações, possibilitando a continuidade dos negócios familiares, uma maior celeridade no processo de inventário, além de maior eficiência fiscal.
De modo geral, há a possibilidade de elaboração de testamento particular, público ou emergencial, a depender das circunstâncias as quais o testador está submetido. Cada uma dessas modalidades exige formalidades e cuidados específicos, que devem ser observados cuidadosamente sob pena de invalidade do documento.
Os testamentos podem ser preparados muito rapidamente e devem refletir os reais desejos de última vontade do testador por um longo prazo, evitando a necessidade de atualização do documento. Para tanto, são necessárias informações relativas à configuração familiar e à estrutura patrimonial do testador, de modo a podermos endereçar devidamente todas as questões legais, os requisitos de validade, além de trazer os esclarecimentos e aconselhamentos que se façam necessários na seara jurídica.
No caso da existência de bens no exterior, recomendamos a elaboração de testamento nas jurisdições em que localizados tais ativos. Para tanto, podemos auxiliar no contato com os assessores locais para a discussão e elaboração dos documentos aplicáveis, a fim de garantir a harmonia das disposições de última vontade do testador sob as disposições das legislações brasileira e estrangeira.
6) Já tenho um testamento. Devo revisá-lo ou atualizá-lo?
É sempre importante manter as disposições de seu testamento sob revisão, de modo a garantir que o documento seja condizente não apenas com suas circunstâncias pessoais e patrimoniais, mas também com a legislação e os entendimentos jurisprudenciais mais atualizados.
Como mencionado na resposta acima, testamentos tendem a preservar uma correlação com a vontade do testador por longo prazo. No entanto, notadamente nos casos em que o valor e/ou a composição do patrimônio venham a sofrer alterações relevantes desde o momento da elaboração do documento ou, ainda, se, por exemplo, o país de residência fiscal de um dos herdeiros for alterado, recomenda-se a revisão das disposições testamentárias para garantir sua validade e fiel implementação de maneira eficiente também da perspectiva fiscal.
Para mais informações, conheça a prática de Gestão patrimonial, Família e Sucessões do Mattos Filho.