Novas regras de preços de transferência geram efeitos ao setor de petróleo e gás natural
Uma das potenciais mudanças da MP nº1.152/2022 é o abandono dos métodos PCI e Pecex para commodities
Assuntos
A Medida Provisória (MP) nº 1.152/2022, publicada no dia 29 de dezembro de 2022, apresenta novas regras de preços de transferência, que visam a aproximar o sistema brasileiro ao dos países da OCDE (Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico).
A MP é relevante para pessoas jurídicas que apuram o Imposto de Renda Pessoa Jurídica (IRPJ) e a Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL) com base no lucro real e realizam operações ou transações com partes relacionadas no exterior – características que costumam ser apresentadas pelas empresas do setor de petróleo e gás natural (O&G).
O aspecto fundamental da MP se encontra no abandono do sistema de margens fixas de lucratividade utilizado até então com a aplicação do princípio “arm’s length”. Em outras palavras, o modelo atual privilegia a adoção de preços comparáveis de mercado, considerando os ativos, riscos e funções exercidos por cada participante da transação “controlada” (objeto de análise para fins de preços de transferência).
Seguem abaixo alguns aspectos da MP n° 1.152/2022 que são relevantes para as empresas de O&G:
Impossibilidade de escolha do método pelo contribuinte
O contribuinte passa a não ter mais a possibilidade de escolha do método a ser aplicado, devendo seguir a MP, a regulamentação da Receita Federal do Brasil (RFB) e os direcionamento (guidelines) da OCDE para aplicar o método “mais apropriado”, isto é, aquele que fornece a determinação mais confiável dos termos e das condições que seriam estabelecidos entre partes não relacionadas em uma transação comparável.
Commodities
No novo modelo, não mais existirão métodos específicos para commodities (PCI – Preço sob Cotação na Importação e Pecex – Preço sob Cotação na Exportação), o que significa que quaisquer dos métodos listados na MP podem ser adotados para o controle do preço desses produtos.
A MP definiu commodity de maneira ampla, ou seja, como um produto físico ou derivados para os quais “preços de cotação” sejam utilizados como referência por partes não relacionadas para se estabelecer os preços em transações comparáveis.
Dessa maneira, afasta-se a listagem de mercadorias consideradas commodities de maneira taxativa, como ocorre atualmente pelos métodos PCI e Pecex. O método de Preço Independente Comparável (PIC) passa a ser recomendado a priori pela MP para determinar o valor da commodity transferida na transação controlada.
Além disso, a MP estabelece que a RFB disciplinará o tratamento para commodities e, inclusive, orientará sobre a adoção de preços-parâmetro de transações não controladas presentes em bolsas de mercadorias e futuros, agências de pesquisa ou agências governamentais – como deveria ser o caso do “preço ANP”, frequentemente adotado por empresas do setor de O&G para a exportação de petróleo.
Cost sharing internacional
Os contratos de cost sharing internacionais, muito adotados pelo setor de O&G, foram tratados especificamente no texto da nova MP, tanto no que diz respeito ao compartilhamento de custos de serviços quanto no desenvolvimento de bens tangíveis ou intangíveis.
A internalização de normas relacionadas ao cost sharing internacional pela MP pode trazer novos desdobramentos às discussões sobre a possibilidade de se implementar contratos de cost sharing internacionais isentos de tributação.
Situações específicas
A MP também traz regras específicas destinadas a certas situações comumente enfrentadas por empresas do setor de O&G, como:
- Serviços intragrupo (fora do ambiente do contrato de compartilhamento de custos);
- Uso, transferência e fruição de ativos intangíveis;
- Reestruturação de negócios – determinação de remuneração pela transferência de funções, riscos e ativos relevantes;
- Concessão de empréstimos e garantias intragrupo e cash pooling;
- Fim da indedutibilidade das apurações do IRPJ e CSLL de royalties pagos a partes relacionadas no exterior.
Efeitos reflexos – Créditos de impostos nos Estados Unidos da América (EUA)
No final de 2021, os EUA introduziram novas regras domésticas sobre a compensação do Imposto de Renda (IR) pago no exterior, que passaram a prever um novo requisito (source-based attribution) para o reconhecimento do crédito estrangeiro – TD9959 – FTC (foreign tax credit) Regulations.
Esse novo requisito impôs a necessidade de um nexo de conexão (ou atribuição) entre a fonte e o país estrangeiro, e que o próprio contribuinte submeta os tributos estrangeiros ao teste de atribuição, a fim de que o crédito do IR pago no país de fonte estrangeiro seja aceito nos EUA.
O objetivo original dessa regra foi negar o crédito a tributos estrangeiros que não se adequassem aos padrões de tributação americanos. Segundo as regras atuais, o sistema tributário brasileiro não cumpriria tal nexo de conexão, em razão de, por exemplo:
- Não aplicar o padrão arm’s length para o controle de preços de transferência;
- Prever a limitação de dedutibilidade do pagamento de royalties;
- Não adotar um conceito claro de estabelecimento permanente (EP);
- Ter outros tributos unilaterais sobre remessas para além do conceito de EP, como a Cide e o PIS-Cofins-importação;
- Prever a retenção de Imposto sobre a renda retido na fonte (IRRF) sobre remessa/pagamento, e não com base na “fonte do rendimento”.
Com a possível aprovação da MP n° 1.152/2022 e sua conversão em lei, as duas primeiras características seriam alteradas, e o Brasil passaria a estar alinhado com a legislação norte-americana, o que possivelmente contribuiria, de maneira decisiva, na permissão do crédito de IRPJ e CSLL pagos no Brasil para compensar o imposto sobre a renda nos EUA.
Opção para 2023
Aos contribuintes de maneira geral, a MP, uma vez aprovada pelo Congresso e convertida em lei, será aplicada (vigente e eficaz) a partir de 2024. A MP garante, porém, aos contribuintes que desejarem, a opção de aplicar o novo modelo de preços de transferência a partir de 1º de janeiro de 2023.
Para mais informações sobre a MP n° 1.115/2022 e sobre os impactos do novo modelo de preço de transferência na indústria de O&G, conheça a prática de Tributário do Mattos Filho.