

UE discute novas diretrizes para combate à emergência climática
Medidas fazem parte do pacote Fit for 55 e passarão por deliberação nos órgãos europeus
Ao longo de fevereiro e março de 2022, o Parlamento Europeu e o Conselho da União Europeia debatem propostas realizadas no âmbito do pacote de medidas ambientais denominado Fit for 55 (ou Objetivo 55, em português), elaborado pela Comissão Europeia – principal órgão executivo da União Europeia e responsável pela propositura de legislação no bloco.
O pacote consiste em uma série de propostas de normas visando a diminuir as contribuições diretas e indiretas de países europeus com emissões de carbono e desmatamento, bem como concretizar as metas do Pacto Ecológico Europeu, dentre as quais está a redução de 55% das taxas de emissão de carbono até 2030, com relação aos níveis de 1990. Confira, abaixo, alguns destaques:
Proposta de taxação de carbono nas importações de produtos para o bloco
A Comissão Europeia publicou, em meados de 2021, a proposta para o estabelecimento do Carbon Border Adjustment Mechanism (CBAM), mecanismo de taxação de produtos importados a partir das emissões de carbono a eles associadas que não atendam aos parâmetros europeus de emissão e compensação de carbono. Nos termos da proposta, importadoras de produtos para a União Europeia e exportadoras baseadas em países fora do bloco, mas que participem do Mercado Comum Europeu – deverão adotar medidas para ajustar os valores dos produtos importados de acordo com a legislação climática interna.
Em síntese, caso se comprove que os produtos importados já compensaram suas emissões no país de origem na mesma medida e com o mesmo valor que compensariam caso tivessem sido produzidos na União Europeia – e, portanto, estivessem sujeitos à normativa vigente no bloco –, não haverá exigência de aplicação do mecanismo. Caso contrário, será imposta uma taxa equivalente à diferença entre a compensação necessária no país de origem frente ao montante exigido a título de compensação para produtores europeus do mesmo bem.
A medida objetiva, sobretudo, impedir que produtores de países com regulações climáticas menos exigentes possuam vantagem competitiva em relação a empresas europeias – vez que a adesão aos padrões e limites de emissão estabelecidos pelo bloco elevam seu custo de produção; e evitar o “vazamento de carbono”, situação em que empresas de países com regulações restritivas a emissões de carbono se deslocam para outras jurisdições com regulações mais flexíveis nessa seara.
Durante a primeira fase de implementação do CBAM, cujo início proposto é 2023, espera-se que as restrições atinjam produtos como cimento, aço, ferro, alumínio, fertilizantes e eletricidade. Em 2026, o sistema definitivo deve entrar integralmente em vigor, aplicando-se irrestritamente a bens importados.
O relator do CBAM no comitê de meio ambiente no Parlamento Europeu, Mohamed Chahim, submeteu seu relatório preliminar para a opinião dos demais comitês (Comércio Internacional, Orçamentos e Indústria, Pesquisa e Energia) em 21 de dezembro de 2021. O texto traz propostas de alterações, dentre elas a compatibilização da medida com o mercado de carbono europeu (EU-ETS); a inclusão, por exemplo, de hidrogênio e polímeros dentre os produtos a serem abrangidos; a consideração de emissões indiretas; o início definitivo em 2025 – reduzindo, portanto, o período de transição; e a centralização da implementação da medida por meio de uma autoridade responsável pelo CBAM.
A ampliação do CBAM para outros produtos e o encurtamento do período de transição devem ser acompanhados, vez que apenas parceiros comerciais com políticas explícitas de precificação de carbono em vigor não serão afetados quando da implementação da norma, conforme esclareceu Chahim.
Revisão do modelo do EU-ETS
Uma segunda norma prevista no pacote Fit for 55 foi a proposta de revisão do mercado regulado de carbono do bloco – European Union Emissions Trading System (EU-ETS). O objetivo da revisão seria alinhar o funcionamento do mercado à meta estabelecida na legislação climática europeia de reduzir as emissões de gases de efeito estufa em 55% até 2030, em comparação com os níveis de 1990. Para isso, propõe-se, por exemplo, uma redução da quantidade de allowances (permissões de emissão) disponibilizadas aos agentes regulados e a ampliação do mercado para o transporte marítimo.
Em 14 de janeiro de 2022, Peter Liese, relator da proposta de alteração no Comitê de Meio Ambiente do Parlamento Europeu, apresentou seu relatório preliminar. Dentre as sugestões apresentadas, há a inclusão integral das emissões geradas por remessas marítimas no EU-ETS a partir de 2025; a criação de um fundo que utilizaria 75% da renda do sistema com essa atividade específica para apoiar a descarbonização do setor marítimo; e o uso de parte da renda do EU-ETS e do Fundo de Inovação para custear investimentos em transporte por trilhos e transporte público local.
Proposta de proibição de importação ou exportação de commodities ligadas a áreas desmatadas
O Fit for 55 inclui uma série de outras propostas apresentadas pela Comissão Europeia, dentre elas a que visa a combater o desmatamento e a degradação de áreas florestais causados ou impulsionados pelo consumo europeu de produtos relacionados. Em linhas gerais, pretende-se proibir a exportação oriunda do mercado comum europeu e a importação de commodities e de alguns produtos derivados para países do bloco (como chocolate, couro ou mobiliário), quando produzidos em áreas cujo desmatamento ou degradação tenha ocorrido após 31 de dezembro de 2020.
A Comissão Europeia propôs trabalhar com um escopo específico de commodities a serem consideradas – sujeito à revisão periódica –, que incluiria, em princípio, seis em que a participação europeia no desmatamento é mais relevante: óleo de palma, café, madeira, soja, cacau e carne bovina.
Já para a análise de conformidade da produção, a proposta adota um critério duplo de certificação: produção regular à luz das normas do país de origem e produção em zona livre de desmatamento. As empresas importadoras desses produtos e seus derivados – responsáveis pela averiguação e controle de compliance da cadeia de fornecimento nos termos da proposta – deverão identificar as coordenadas geográficas do local de produção desses insumos, bem como submeter declarações de regularidade ao Sistema de Informação Europeu.
As obrigações das importadoras e das autoridades fiscalizadoras europeias variariam de acordo com a classificação de risco (baixo, médio e alto) dos países em relação aos quais os produtos estão sendo importados. Não há menção a países específicos no texto e a expectativa é de que sejam listados após a aprovação da proposta.
No momento, a proposta tramita no Parlamento Europeu e aguarda decisão do Comitê de Meio Ambiente.
Tramitação do pacote Fit for 55
Após serem debatidos pelo Parlamento e Conselho da União Europeia, a expectativa é de que as propostas do Fit for 55 sejam levadas a votação nos comitês de ambos os órgãos em abril e alcancem seus plenários em junho, quando precisarão ser aprovadas para efetivamente entrarem em vigor.
Uma das grandes preocupações da Comissão Europeia e de grupos ambientalistas tem sido a possibilidade de o pacote ser analisado e debatido de forma fragmentada, sem considerar a análise e consequente aprovação de propostas específicas previstas no texto. Além disso, outra preocupação é a possibilidade de que as propostas sejam combinadas a outras normas em discussão não contempladas no Fit for 55 e enviadas a plenário conjuntamente.
Esta último tem sido levantada, sobretudo, em razão da similaridade temática em relação à proposta da Comissão Europeia para a taxonomia de fontes de energia apresentada em dezembro de 2021, que classifica as energias nuclear e a gás como verdes. Vale destacar que, em 2 de fevereiro de 2022, a Comissão Europeia apresentou documento final de Ato Delegado Complementar sobre Clima para encaminhamento de referida proposta, argumentando que a inclusão dessas fontes de energia em critérios verdes pode viabilizar o alcance da meta de neutralidade em carbono até 2050, assumida pela União Europeia. Caso seja aprovada, a expectativa é de que entre em vigor a partir de 1 de janeiro de 2023.
Para mais informações, conheça os conteúdos elaborados pela prática de Direito Ambiental e Mudanças Climáticas do Mattos Filho.
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*Com a colaboração de Anna
Gandolfi, Maria Eduarda Garambone, Gabriel Pereira Bispo de Oliveira, Bernardo
Andreiuolo, Mariana Diel.