Mulheres encarceradas: principais medidas adotadas no Brasil
Confira o panorama sobre as mulheres privadas de liberdade no contexto da pandemia
Em iniciativa liderada pelo Cyrus R. Vance Center for International Justice e a
Penal Reform International, este documento integra pesquisa do projeto
Women in Prison, que reúne organizações e indivíduos engajados com a pauta do encarceramento feminino em todo o mundo. O seu objetivo é trazer informações sobre o impacto da pandemia do novo coronavírus a mulheres encarceradas no Brasil e apoiar a estratégia internacional de
advocacy dessas organizações, com atenção especial ao Sul global.
Elaborado pelo escritório Mattos Filho, como parte de sua atuação
pro bono, em colaboração com a associação Elas Existem – Mulheres Encarceradas, sediada no Rio de Janeiro, este material apresenta um panorama sobre as mulheres privadas de liberdade no Brasil no contexto da pandemia da Covid-19, notadamente quanto ao aprofundamento das vulnerabilidades e as violações de direitos a que estão expostas. Não pretende, no entanto, esgotar todas informações a respeito do assunto no país.
A reunião de dados exaustivos sobre a população carcerária no Brasil – cuja taxa de encarceramento é terceira no mundo, com população carcerária de aproximadamente 37 mil mulheres (Infopen/dezembro 2019) – representa um enorme desafio. O país tem dimensões continentais e os 26 Estados e o Distrito Federal apresentam realidades políticas, econômicas e culturais extremamente diversificadas. A administração penitenciária é de competência dos Estados da federação, o que significa que apesar de haver diretrizes federais estabelecidas pelo Departamento Penitenciário Nacional (Depen), os recursos, a população encarcerada e os processos decisórios são diferentes em cada estado.
Esta realidade dificulta a obtenção de informações fidedignas e atualizadas a respeito da situação de cada um dos Estados, e ainda mais de cada uma das unidades prisionais, gerando, entre outros motivos, problemática histórica na produção de dados a respeito do tema, considerando que, muitas vezes, tal produção se dá mediante metodologias e rotinas de atualização distintas, o que torna os dados e respectivos indicadores inconsistentes para um diagnóstico preciso acerca das condições do sistema penitenciário brasileiro e a proposição de medidas de melhoria e de políticas públicas sobre o tema.
A situação do sistema penitenciário brasileiro já foi reconhecida em 2015 pelo Supremo Tribunal Federal (STF) como um “estado de coisas inconstitucional” no julgamento dos pedidos liminares da Arguição de Preceito Fundamental nº 347, em que a Corte elencou entre outros problemas a superlotação, condições desumanas de custódia e violação massiva de direitos fundamentais decorrente de falhas estruturais e falência de políticas públicas. Os fatos que respaldavam as afirmações do ministro relator Marco Aurélio podem ser resumidos no excerto abaixo:
A maior parte desses detentos está sujeita às seguintes condições: superlotação dos presídios, torturas, homicídios, violência sexual, celas imundas e insalubres, proliferação de doenças infectocontagiosas, comida imprestável, falta de água potável, de produtos higiênicos básicos, de acesso à assistência judiciária, à educação, à saúde e ao trabalho, bem como amplo domínio dos cárceres por organizações criminosas, insuficiência do controle quanto ao cumprimento das penas, discriminação social, racial, de gênero e de orientação sexual.
[…] Os presídios e delegacias não oferecem, além de espaço, condições salubres mínimas. Segundo relatórios do Conselho Nacional de Justiça – CNJ, os presídios não possuem instalações adequadas à existência humana. Estruturas hidráulicas, sanitárias e elétricas precárias e celas imundas, sem iluminação e ventilação representam perigo constante e risco à saúde, ante a exposição a agentes causadores de infecções diversas. As áreas de banho e sol dividem o espaço com esgotos abertos, nos quais escorrem urina e fezes. Os presos não têm acesso a água, para banho e hidratação, ou a alimentação de mínima qualidade, que, muitas vezes, chega a eles azeda ou estragada. Em alguns casos, comem com as mãos ou em sacos plásticos. Também não recebem material de higiene básica, como papel higiênico, escova de dentes ou, para as mulheres, absorvente íntimo.
[…] O sistema como um todo surge com número insuficiente de agentes penitenciários, que ainda são mal remunerados, não recebem treinamento adequado, nem contam com equipamentos necessários ao desempenho das próprias atribuições.
Pouco mudou desde esse reconhecimento pelo STF. No caso das mulheres encarceradas, a situação é igualmente grave, consideradas as especificidades de gênero pertinentes à sua segregação. A avaliação quanto às falhas estruturais do sistema carcerário feminino foi reforçada pelo STF quando do julgamento do habeas corpus coletivo nº 143.641 em fevereiro de 2018. Diante das dificuldades de monitoramento presencial durante as medidas de isolamento impostas pela pandemia e da fragilidade dos dados oficiais, as informações apresentadas nesse informativo são provenientes de:
- Sites oficiais das secretarias estaduais de administração penitenciária;
- Recomendação nº 62 do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), publicada em 17/03/2020;
- Informações prestadas pelas Corregedorias de Justiça dos Estados nos autos do habeas corpus coletivo nº 143.641;
- Painel de monitoramento de medidas adotadas para prevenção do coronavírus no sistema penitenciário por unidades federativas do Departamento Penitenciário Nacional (Depen);
- Resolução Conjunta da Secretaria Estadual de Saúde (SES)/Secretaria Estadual de Administração Penitenciária (SEAP) nº 736 do Rio de Janeiro6 que apresenta recomendações para prevenção e controle de infecções pelo novo coronavírus a serem adotadas nas unidades prisionais do estado;
- Resolução SEAP nº 804 do Rio de Janeiro que estabelece rotinas de funcionamento dos órgãos de administração penitenciária para enfrentamento da emergência de saúde provocada pelo coronavírus;
- Levantamento feito pela organização Elas Existem a partir do contato direto com familiares de mulheres custodiadas, advogados e defensores públicos que têm acesso às unidades prisionais do Estado do Rio de Janeiro; e
- Denúncias e levantamentos realizados por organizações da sociedade civil dedicadas ao tema.
Ressalta-se que parte significativa das respostas foi elaborada com base nas recomendações feitas pelo CNJ e por Tribunais de Justiça às administrações estaduais, o que não garante que medidas tenham sido efetivamente tomadas.
Considerando o trabalho “em campo” realizado pela organização Elas Existem, algumas informações apresentadas são resultantes do contato com familiares de presas, agentes do sistema prisional, defensores públicos e advogados que mantiveram visitas a unidades prisionais, bem como da atuação de grupos como o Comitê Estadual para a Prevenção e Combate à Tortura, na Assembleia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro.
Abaixo, você encontra perguntas e respostas, divididas em três temáticas: (i) estrutura e saúde, (ii) informação, transparência e produção de dados e (iii) sistema de justiça criminal.
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Estrutura e Saúde
O Poder Público tem tomado medidas para disponibilizar equipamentos de prevenção à Covid-19 nas prisões brasileiras?
A Recomendação nº 62 do CNJ recomenda medidas de higiene e de prevenção, como a disponibilização de água corrente e sabão líquido, distribuição de máscaras e álcool gel. No entanto, embora as Secretarias de Administração Penitenciária informem que medidas emergenciais estão sendo tomadas, não há meios de comprovar que as recomendações tenham sido efetivamente adotadas.
Os funcionários têm acesso a EPIs e outros insumos?
A orientação da Recomendação nº 62 do CNJ é de que sejam fornecidos equipamentos de proteção individual aos agentes.
- Sistema Penitenciário Federal: O Depen criou o “Procedimento Operacional Padrão de Medidas de Controle e Prevenção do Novo Coronavírus” para o Sistema Penitenciário Federal a fim de padronizar ações e medidas de controle e prevenção da doença nas penitenciárias federais. O documento, entre outros pontos, apresenta orientações e medidas a serem adotadas por servidores, colaboradores e terceirizados.
- Penitenciárias Estaduais e do Distrito Federal: Secretarias de Estado da Segurança Pública promulgaram normas formalmente aprovando a adoção de medidas de proteção aos funcionários do sistema prisional e aos presos.
As autoridades prisionais implementaram medidas para garantir que as mulheres encarceradas tenham acesso a alimentação adequada, vitaminas e suplementos? (ex.: medidas tomadas para repor necessidades básicas que são geralmente providas pelas famílias ou instituições de caridade, etc.)
As unidades prisionais receberam a recomendação de implementar medidas como: abastecimento de remédios e fornecimento obrigatório de alimentação e itens básicos de higiene pela administração Pública, por meio da Recomendação nº 62 do CNJ.
Apesar da suspensão de visitas familiares, a ampla maioria dos Estados brasileiros manteve autorização para o fornecimento de objetos ou produtos em favor das custodiadas, como alimentos, medicamentos e itens de higiene, atendendo à recomendação do CNJ. Estabeleceu-se, na maior parte dos casos, que a entrega deve ocorrer exclusivamente por correspondência, aumentando-se os limites de quantidade e volume permitidos por entrega.
Há casos de suspensão das correspondências, a princípio por 15 dias, como medida de segurança, ressalvada a entrega de medicamentos de uso controlado.
Estão sendo tomadas medidas adicionais para garantir que as mulheres tenham acesso a cuidados de saúde mental, incluindo suporte emocional e psicológico?
As recomendações das autoridades brasileiras e as informações prestadas por diversas unidades prisionais não abordaram cuidados de saúde mental de maneira específica.
No Rio de Janeiro, segundo levantamento da Elas Existem, fora do contexto de pandemia, não havia medidas de preservação e garantia da saúde mental das custodiadas, o que não mudou com a Covid-19.
Estão sendo adotadas medidas em prol das mulheres gestantes, lactantes e que estão encarceradas com seus filhos?
A Portaria Interministerial nº 7/2020, dos Ministérios da Justiça e Segurança Pública e da Saúde, estabelece que os profissionais de saúde que atuam nos estabelecimentos prisionais deverão priorizar a identificação e o monitoramento de custodiadas grávidas em qualquer idade gestacional e puérperas até duas semanas após o parto, bem como de crianças que estejam abrigadas em estabelecimentos prisionais.
Segundo o levantamento da Elas Existem, no Rio de Janeiro, no entanto, não há nenhum relato ou indício de mudança ou melhoria no sistema de atendimento e/ou tratamento às crianças e suas mães.
Algumas unidades prisionais estão mantendo as gestantes isoladas das demais mulheres privadas de liberdade, como a Penitenciária Feminina de Votorantim, em São Paulo, e a Penitenciária Feminina do Distrito Federal – essa última também está separando as lactantes.
Há suporte emocional e psicológico disponível para os funcionários?
Não foi publicada normativa referente ao suporte emocional e psicológico para os funcionários no atual momento. No entanto, campanhas estão realizadas em alguns Estados da federação.
No Estado do Paraná, a Escola de Formação e Aperfeiçoamento Penitenciário e o Tribunal de Justiça do Estado abriram as inscrições para “Círculos Online de Apoio e Cuidado – Covid -19”, que têm como objetivo proporcionar um espaço de conexão, reflexão, acolhimento e escuta ativa de servidores do Departamento Penitenciário do Paraná.
Da mesma forma, no Distrito Federal, desde o dia 1º de abril de 2020 a Subsecretaria do Sistema Penitenciário passou a oferecer atendimentos psicológicos online para os servidores que atuam diretamente nas unidades prisionais, sendo inicialmente contemplados 40 servidores.
No Estado do Ceará, a Secretaria da Segurança Pública e Defesa Social disponibilizou plantões psicológicos, via telefone.
Houve algum caso de funcionários da unidade prisional infectados com Covid-19 e, nestes casos, quais foram as providências tomadas?
A obtenção de informação acerca das contaminações dos funcionários não é precisa, visto que não é publicado um balanço diário por todos os Estados, nem há uma fonte única reunindo todos esses dados. Até o dia 15.04.2020, considerando-se indistintamente unidades prisionais femininas e masculinas, mapeamos, a partir de informações divulgadas na mídia, haver 28 casos confirmados de profissionais de unidades prisionais infectados (no Distrito Federal e nos Estados de São Paulo e do Rio de Janeiro) e 2 mortes.
A medida recomendada pelo Depen, e adotada pela maior parte dos Estados, é a de reforçar a higienização dos espaços comuns e das celas.
A Subsecretaria do Sistema Penitenciário do Distrito Federal, por exemplo, informou que desde que o primeiro agente penitenciário do Complexo da Papuda foi confirmado com a doença, intensificou os testes nas unidades em funcionários e presos e a higienização das celas.
Especificamente com relação a funcionários infectados ou sob suspeita, a recomendação feita, de maneira geral, é a de que o funcionário seja afastado e encaminhado para uma unidade de saúde, nos termos da Recomendação nº 62 do CNJ.
Neste sentido:
- no Estado do Rio de Janeiro, o Decreto nº 46.970, de 13.03.2020, prevê que qualquer profissional que presta serviço para o Estado que apresentar febre ou sintomas respiratórios será considerado como suspeito de infecção pela Covid-19 e deverá informar a Administração Pública a respeito da existência de sintomas;
- no Plano de Contingência para o Novo Coronavírus do Sistema Penitenciário do Estado do Maranhão é previsto o seguinte para a hipótese de o profissional apresentar sintomas: (a) caso não tenha histórico de viagem para área com casos de Covid-19, deverão adotar de imediato as medidas de proteção padrão para contato e gotículas (máscara cirúrgica, luvas, etc) durante todo o período de serviço e ser encaminhados ao setor de saúde da Unidade Prisional para avaliação; ou (b) caso tenha histórico de viagem para área com casos de contaminação ou contato próximo de casos suspeitos ou confirmado, deverá ser encaminhado para unidades de saúde ou, em casos graves, para a rede hospitalar capacitada;
- por meio da Nota Técnica Administrativa 01/2020/CS/SPP/SAAP/SESPMT, de 13.03.2020, o Governo do Estado do Mato Grosso recomenda aos servidores que estiverem em locais onde está ocorrendo o foco da doença ou tenham contato com pessoas que possam estar contaminadas, que procurem uma unidade de saúde e relatem o contato, sendo possível que o médico determine que tal servidor permaneça em quarentena, caso em que o funcionário deverá apresentar atestado constando o prazo determinado para isolamento (requerendo-se que um familiar apresente o atestado à Gerência de Saúde e Segurança, agende e compareça à perícia médica).
Todavia, cumpre salientar que existem relatos de situações de demora no afastamento de funcionários em razão de burocracias no que diz respeito à validação do atestado médico do funcionário por perícia médica.
As mulheres que apresentam sintomas de Covid-19 são colocadas em quarentena?
Segundo a Recomendação nº 62 do CNJ, a triagem e medidas profiláticas devem ser realizadas pela equipe de saúde lotada na unidade prisional. Em caso de identificação de sintomas, a recomendação geral é de isolamento.
As mulheres recém-chegadas às unidades prisionais são alocadas em quarentena?
Segundo a Recomendação nº 62 do CNJ, independentemente de sintomas, as novas custodiadas devem passar por período de quarentena.
Estão sendo tomadas medidas adicionais relativas às pessoas com doenças preexistentes ou que estão dentre o grupo de risco (idosos, lactantes ou gestantes)?
Foram recomendadas medidas adicionais às pessoas do grupo de risco como, por exemplo, o isolamento de mulheres idosas acima de 60 anos, com doenças crônicas e de gestantes, além do acompanhamento por equipe de saúde.
Informação, transparência e produção de dados
Há divulgação de informações com fácil acesso às mulheres encarceradas a respeito da Covid-19, incluindo medidas de prevenção, descrição dos sintomas comuns da doença, bem como sobre as medidas tomadas pelas autoridades prisionais?
A Recomendação nº 62 do CNJ propõe a realização de campanhas informativas acerca da Covid-19, ações de educação em saúde e medidas de prevenção e tratamento para agentes públicos, pessoas privadas de liberdade, visitantes e todos os que necessitam adentrar nos estabelecimentos prisionais.
Não há meios de se comprovar, contudo, se tal recomendação está sendo implementada nas unidades prisionais. Entretanto, nos autos do HC coletivo nº 143.641, há informações sobre a determinação de fixação de cartazes orientativos nas unidades prisionais quanto a medidas de prevenção em alguns Estados, como no Mato Grosso e em São Paulo e, no Distrito Federal, ainda há iniciativas de orientação e treinamento de agentes penitenciários.
No Rio de Janeiro, e segundo informações da organização Elas Existem, as mulheres encarceradas não receberam informações suficientes a respeito de prevenção e cuidados a serem tomados.
Há treinamento para as mulheres encarceradas a respeito de medidas de higiene para prevenção da doença?
As recomendações das autoridades brasileiras não abordam treinamentos às custodiadas de maneira específica. Entretanto, nos autos do HC coletivo nº 143.641, há informação de que no Distrito Federal estão sendo realizadas ações de treinamento de servidores e custodiadas, bem como palestras abordando as medidas de higiene e prevenção da saúde sanitária, inclusive por meio de vídeos institucionais.
Houve suspensão das visitas por organismos independentes de monitoramento?
As recomendações das autoridades brasileiras e as informações prestadas por diversas unidades prisionais não abordaram visitas de organismos independentes de monitoramento de maneira específica. Segundo levantamento da Elas Existem, no Rio de Janeiro, houve, ao contrário, a suspensão das visitas de tais organismos como, por exemplo, o Mecanismo Estadual de Prevenção e Combate à Tortura do Rio de Janeiro (MEPCTRJ).
Quais foram as mudanças implementadas nas regras de visitação?
O Ministério da Justiça e Segurança Pública por meio do Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária (CNPCP), publicou a Resolução nº 4, de 23.04.2020, que dispõe sobre as Diretrizes Básicas para o Sistema Prisional Nacional no período de enfrentamento da pandemia do novo coronavírus.
A Resolução prevê a suspensão das visitas íntimas e sociais com contato físico; a suspensão dos atendimentos presenciais de advogados nos estabelecimentos penais, salvo nos casos urgentes ou que envolvam prazos processuais não suspensos, quando não for viável o agendamento oportuno; e a viabilização da realização das visitas sociais e os atendimentos dos advogados por meio de videoconferência, com prévio agendamento.
De 12.03.2020 a 01.04.2020, os Estados brasileiros foram, gradativamente, determinando a suspensão das visitas às unidades prisionais do país, sendo o Espírito Santo, o Maranhão e Pernambuco os últimos Estados a suspenderem totalmente as visitações por familiares.
Já em relação a visitas de advogados e defensores, a situação varia de estado a estado, alternando-se entre suspensão total ou visitação condicionada à utilização de EPIs pelo profissional.
As decisões relativas à limitação/proibição de visitas foram comunicadas pronta e claramente para as mulheres encarceradas e suas famílias?
A Recomendação nº 62 do CNJ propõe a notificação prévia ao defensor, familiares e visitantes acerca de qualquer alteração no regime de visitas e entrega de itens às pessoas privadas de liberdade, indicando as razões que fundamentaram a decisão, o
caráter provisório da medida e o prazo estimado para sua duração ou reavaliação. No entanto, não há meios de comprovar que tal recomendação tenha sido implementada em todas as unidades prisionais.
Segundo levantamento da Elas Existem, no Rio de Janeiro, as mulheres custodiadas foram informadas da suspensão das visitas em razão da pandemia, mas não foi fornecida nenhuma outra orientação. Já os familiares foram comunicados somente quando chegaram à unidade prisional para a visita.
Foram adotadas medidas alternativas para mitigar o impacto negativo da decisão de limitar/proibir visitas?
A Resolução nº 4/2020 do CNPCP prevê a viabilização da realização das visitas sociais e os atendimentos dos advogados por meio de videoconferência, mediante prévio agendamento.
As recomendações das autoridades brasileiras e as informações prestadas por diversas unidades prisionais não abordaram outras medidas alternativas para mitigar o impacto negativo da suspensão das visitas de maneira específica.
Foram adotadas medidas para manter as famílias informadas sobre o bem-estar de seus entes encarcerados?
As recomendações das autoridades brasileiras e as informações prestadas por diversas unidades prisionais não abordaram meios de informação de familiares a respeito de seus entes encarcerados de maneira específica. Segundo levantamento da Elas Existem, no Estado do Rio de Janeiro as mulheres não têm sido autorizadas
a notificar uma terceira pessoa ou familiares de seus sintomas no contexto da pandemia.
Sistema de Justiça Criminal
Foram adotadas mudanças no que se refere a medidas para diminuir o número de pessoas custodiadas com a pandemia da Covid-19?
A Portaria nº 135/2020 do Ministério da Justiça e Segurança Pública recomenda aos gestores prisionais dos Estados a gestão com órgãos competentes para que seja concedida prisão domiciliar apenas nas hipóteses legais previstas, com o devido
monitoramento da pena por meio de tornozeleiras eletrônicas, mediante aferição cuidadosa do impacto possível na sobrecarga do sistema de segurança pública e saúde e a presos que contem com estrutura familiar.
Ademais, a mesma Portaria recomenda a realização de mutirões carcerários virtuais, envolvendo Poder Judiciário, Ministério Público, Defensorias e a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) para análise criteriosa de benefícios pendentes e ajustamento de progressões de regime de cumprimento das penas.
Já a Recomendação nº 62 do CNJ, entre outros pontos, indica aos magistrados, nos casos de presos provisórios:
- A reavaliação, especialmente quanto a grupos mais vulneráveis (como mães, pessoas com deficiência e indígenas) ou quando o estabelecimento estiver superlotado ou sem atendimento médico; e
- A reavaliação de prisões preventivas com prazo superior a 90 dias ou que resultem de crimes menos graves, além de indicar que novas ordens de prisão devem respeitar ‘máxima excepcionalidade’
Nos casos de presos que já cumprem pena, sugere que os magistrados:
- Avaliem a concessão de saída antecipada nos casos previstos em lei e na jurisprudência, e a reconsideração do cronograma de saídas temporárias em aderência a planos de contingência elaborados pelo Executivo; e
- Priorizem a opção pela prisão domiciliar aos presos em regime aberto ou semiaberto ou quando houver sintomas da doença, assim como suspensão da obrigatoriedade de apresentação em juízo pelo prazo de 90 dias, nos casos aplicáveis.
Alguns exemplos:
De maneira geral, há resistência dos magistrados à implementação de medidas alternativas à prisão seja em tempos normais ou de pandemia. Entretanto, destacamos algumas decisões a respeito do tema:
Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo (TJSP):
- Sobre internações de adolescentes na Fundação Casa, em 19.03.2020, o TJSP determinou que os juízes libertem adolescentes internados provisoriamente ou que não tenham praticado crime com violência ou grave ameaça à pessoa e que sejam gestantes e lactantes, portadores de doenças que possam ser agravadas com a Covid-19, bem como suspendam novas internações, que os juízes devem libertar os adolescentes internados, bem como suspender as medidas de semiliberdade, liberdade e prestação de serviços pelo mesmo período. O provimento também proíbe novas internações pelos 30 dias subsequentes nos casos não relacionados a crimes violentos10; e
- Decisão que atendeu pedido da Defensoria Pública do Estado de São Paulo para conceder prisão domiciliar aos presos do grupo de risco do coronavírus com base em recomendação da Organização Mundial da Saúde (OMS) e concedeu prisão domiciliar a 151 detentos.
Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro:
- Destaca-se decisão proferida em 17.03.2020, que impactou cerca de 30 detentos, determinando sua prisão domiciliar, e teve como fundamento o Estatuto de Roma, acolhido pelo Brasil por meio do Decreto nº 4.388/2002, que define como crime de genocídio o homicídio ou ofensas graves à integridade física ou mental praticado com a intenção de destruir, no todo ou em parte, um grupo nacional étnico, racial, ou religioso.
Superior Tribunal de Justiça: o Tribunal concedeu:
- Prisão domiciliar a todos os presos por dívida alimentícia no país em razão da pandemia de Covid-19;
- Progressão de regime a preso com mais de 90 dias em prisão preventiva14; e
- Substituição de prisão preventiva de idoso de 79 anos por outras medidas em virtude da Covid-19.
Superior Tribunal Federal:
- ADPF 347: Em decisão monocrática do dia 18.03.2020, o ministro Marco Aurélio determinou medidas processuais a serem adotadas, dentre elas liberdade condicional a presos classificados dentro do grupo de risco caso contagiados pelo coronavírus, regime domiciliar às gestantes e lactantes, dentre outras considerações. Ocorre que, por maioria de votos, o Plenário do STF rejeitou a decisão do ministro Marco Aurélio.
- HC coletivo nº 143.641: Após pedido encaminhado pela Defensoria Pública do Estado de São Paulo para que fosse ampliada decisão de 2018 que concedeu prisão domiciliar a mulheres grávidas, com filhos menores de 12 anos ou com deficiência, o ministro Ricardo Lewandowski decidiu solicitar os dados às autoridades responsáveis pelos sistemas socioeducativo e prisional, nas esferas federal e estadual. Apesar de não ter concedido o alvará de soltura coletivo, o ministro declarou: “Não considero viável, prima facie, a expedição de alvará de soltura coletivo. Embora reconheça o potencial inovador e generoso da providência pleiteada pelos amici curiae, penso que tal inovação deveria ser objeto de maior discussão na seara própria, que é a do Parlamento, antes de sua adoção por meio de decisão judicial”.
Foram adotadas medidas especiais para aumentar/favorecer o uso de medidas diversificadas e alternativas pré-julgamento e sentença e medidas não privativas de liberdade para mulheres gestantes, lactantes e mães?
Por meio da Recomendação nº 62, o CNJ recomendou aos magistrados das Varas da Infância e da Juventude a aplicação preferencial de medidas socioeducativas em meio aberto, a revisão das decisões que determinaram a internação provisória e a reavaliação de medidas socioeducativas para fins de eventual substituição por medida em meio aberto, suspensão ou remissão, notadamente em relação a adolescentes gestantes, lactantes e mães ou responsáveis por criança de até doze anos de idade.
Além disso, recomendou aos magistrados com competência para a fase de conhecimento e execução criminais que considerem a reavaliação das prisões provisórias e a concessão de saída antecipada dos regimes fechado e semiaberto, priorizando mulheres gestantes, lactantes, mães e pessoas responsáveis por criança de até doze anos.
Apesar dos dispositivos citados acima, segundo levantamento da Elas Existem, no Rio de Janeiro, até 14.04.2020, 13 mulheres grávidas ou lactantes estavam no sistema prisional do estado.
Quantas mulheres foram beneficiadas pelas medidas mencionadas an