Life Sciences e Saúde: um balanço de 2021 e projeções para 2022
Conheça temas que devem constar na agenda do setor, como ações relacionadas ao coronavirus, saúde digital e verticalização de serviços
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Passados quase dois anos de surgimento dos primeiros casos de infecção pela Covid-19, é inevágel que a primeira pandemia do século XXI vem provocando mudanças estruturais no setor de saúde, que vão desde a pesquisa e desenvolvimento de produtos até a efetiva assistência ao paciente, por meio de novas formas de oferecimento de ações de prevenção, diagnóstico, tratamento e reabilitação.
Para além disso, o tema saúde passou a ser cada vez mais objeto de conversas entre públicos leigos e não atuantes no segmento, figurando diariamente com destaque nos principais veículos de notícias do Brasil e do mundo. Expressões como pesquisa clínica, Anvisa e vacina têm se tornado familiares para a população, que tem acompanhado os desenvolvimentos na corrida das vacinas.
Ainda que 2021 tenha sido um ano de avanços científicos significativos e aparente desaceleração das infecções, decorrentes majoritariamente do oferecimento de vacinas e aprovação de medicamentos específicos para controle da doença, o saldo foi longe de positivo se considerarmos a realidade vivenciada pelos profissionais de saúde ao longo deste ano: aumento do índice de mortalidade, escassez de leitos de UTI, cilindros de oxigênio, anestésicos e relaxantes musculares e uma estratégia de testagem que nunca engrenou.
Por outro lado, a pandemia abriu espaço para discussões importantes que nem sempre receberam a atenção necessária, semeando mudanças importantes e extremamente bem-vindas. Espera-se, por exemplo, que o empenho para desburocratização sanitária e uso de ferramentas tecnológicas observado nos últimos meses seja uma pauta permanente das autoridades reguladoras, permitindo que o objetivo de proteção à saúde individual e coletiva coexista com o acesso à inovação.
Outro ponto relevante foi um aumento poucas vezes visto no número de ensaios clínicos no Brasil, que engajaram 94 instituições e quase 200 mil participantes em pesquisas relacionadas ao coronavírus, sedimentando e reforçando a necessidade de maior investimento em pesquisa e desenvolvimento e no fortalecimento do complexo industrial de saúde no Brasil, contribuindo, assim, a longo prazo, para a recuperação da economia do país.
Para 2022, de forma geral, a saúde deve continuar nas principais pautas das autoridades brasileiras, incluindo aí o Legislativo, Executivo e Judiciário. Destacamos, na sequência, alguns dos temas que devem permanecer ou ser incluídos na agenda do setor de saúde:
Ações de combate ao coronavirus
A situação de emergência de saúde pública de importância nacional e internacional decretada pelo governo federal deve permanecer em vigor em 2022. Isso demandará contínua destinação de recursos para combate à Covid-19, seja por meio de iniciativas de testagem, distribuição de vacinas, acesso a medicamentos e insumos para tratamento, reforços estruturais em leitos de internação e UTI, dentre outros.
Em contrapartida, sob a ótica de controle, é esperado um aumento nas ações governamentais de fiscalização e investigação de fraudes e ilícitos ocorridos no âmbito do enfrentamento da Covid-19, ações essas já observadas em 2021 e que tendem a permanecer na pauta dos órgãos de fiscalização e controle.
Saúde digital
A emergência de saúde pública decorrente da Covid-19 motivou a publicação da Lei nº 13.989/2020 e da Portaria nº 467/2020 do Ministério da Saúde, ambas autorizando de forma expressa o exercício da telemedicina por meio de tecnologias para fins de assistência, pesquisa, prevenção de doenças e lesões e promoção de saúde. As normas limitam a autorização do uso da telemedicina ao período de pandemia.
No âmbito dos conselhos profissionais, conselhos federais de enfermagem, odontologia, fisioterapia e nutrição também estabeleceram regulações que permitem a utilização de ferramentas virtuais por esses profissionais de saúde durante a pandemia.
Tais interações a distância podem contemplar o atendimento pré-clínico, suporte assistencial, de consulta, monitoramento e diagnóstico, seja no âmbito do Sistema Único de Saúde (SUS), da saúde suplementar ou da saúde privada.
Na esperança que se encerre logo o período de emergência pública derivado da Covid-19, existe uma real expectativa de que o Congresso Nacional especialmente aprove lei que regule o tema de forma definitiva, dando maior segurança ao setor de tecnologia em saúde e, especialmente, ampliando meios de acesso aos serviços médicos mesmo após o término do período de exceção da pandemia.
O uso da telemedicina em larga escala também deve impulsionar:
- A geração de prescrições eletrônicas, tema pendente de definição e regulação por parte da Anvisa, que chegou a publicar consulta pública sobre o tema mas que ainda não resultou em regulação;
- Iniciativas de Point-of-Care Testing (PoCT), que remete a qualquer tipo de teste de diagnóstico realizado remotamente, dentro ou fora de ambientes hospitalares ou laboratoriais, e que também foi objeto de consulta pública, que propôs novos requisitos técnicos para a execução das atividades relacionadas a Testes de Análises Clínicas (TAC) na prestação de Serviços de Apoio ao Diagnóstico e Terapêutico (SADT);
- O uso de softwares médicos (Software as a Medical Device ou SaMD), definidos pela Anvisa como qualquer sistema de uso ou aplicação médica, odontológica ou laboratorial, destinado à prevenção, diagnóstico, tratamento, reabilitação e anticoncepção.
Sobre esse último tema, ciente da crescente adoção de softwares e aplicativos por pacientes e profissionais de saúde para os propósitos acima, a Anvisa elaborou Análise de Impacto Regulatório (AIR) e, atualmente, discute a criação de uma norma específica para softwares médicos tendo, inclusive, realizado a Consulta Pública nº 1.085/2021, que tratou de potencial regulação específica desses dispositivos.
Em meio às medidas de quarentena, isolamento social e restrição da circulação de pessoas, o comércio eletrônico de serviços e produtos regulados também foi impulsionado pela pandemia e é uma alternativa de modelo de negócio que deve se fazer cada vez mais presente na vida dos consumidores.
Especificamente no caso de medicamentos, o arcabouço regulatório que trata da dispensação desses produtos prevê, desde 2009, a possibilidade de venda por meios eletrônicos, limitado, contudo, a farmácias e drogarias devidamente licenciadas e abertas ao público, devendo dispor de farmacêutico responsável presente durante todo o horário de funcionamento.
Com a pandemia, há um interesse cada vez maior das plataformas de comércio online (marketplace) em oferecer produtos hoje disponíveis apenas em farmácias e drogarias. A Anvisa tem atuado na fiscalização e autuação dessas plataformas que, por outro lado, clamam pelo tratamento do tema de forma aberta e transparente, por meio do estabelecimento de regulação aplicável às atividades dos marketplaces como uma forma de ampliando o acesso e aumentar a competitividade do setor, gerando maiores benefícios, em última instância, aos consumidores.
Nesse contexto, a Anvisa realizou em agosto de 2021 um evento para discutir o tema, reconhecendo ali a necessidade de atualização das regulações vigentes para proporcionar maior segurança jurídica a esses players. O governo federal por sua vez, também analise e discute potencial medida provisória para liberação da venda de medicamentos de baixo risco em supermercados.
Pesquisa clínica
Na seara de pesquisas clínicas, tramita na Câmara dos Deputados o Projeto de Lei nº 7.082/2017, já aprovado pelo Senado Federal, que propõe uma série de mudanças visando o progresso e fluidez dos processos inerentes às pesquisas clínicos, como o fim de duplas aprovações éticas além de critérios para obrigatoriedade de fornecimento de tratamento aos participantes após o término do estudo clínico.
Verticalização da saúde e novos modelos de remuneração
Sob a ótica de serviços, após seis anos da mudança legislativa que permitiu investimentos estrangeiros em atividades de assistência à saúde, o mercado de saúde continua oferecendo oportunidades para fusões e aquisições de todos os tamanhos nesse segmento.
Os diagnósticos e tratamentos de doenças como câncer, diabetes, depressão, cardiopatia e procedimentos eletivos que foram negligenciados durante a pandemia devem sobrecarregar os setores público e privado nos próximos meses, estimulando ainda mais os movimentos de verticalização e a adoção de novos modelos de remuneração em saúde – o que deve impactar inclusive a indústria de medicamentos e produtos para a saúde.
Esse cenário também deve favorecer as discussões sobre novos Acordos de Compartilhamento de Risco (ACR), em que o risco quanto ao uso do produto é compartilhado entre pagador (por exemplo, Ministério da Saúde ou operadoras de plano de saúde) e fornecedor (indústria), por meio da definição de um preço variável, conforme resultados apresentados a partir de desfechos financeiros ou clínicos ou, ainda, métricas de gerenciamento definidas entre as partes envolvidas.
Considerando a tendência de alta no preço de medicamentos, seja por alta demanda ou por seu caráter inovador como no caso de terapias avançadas, a estruturação de ACRs para aquisição desses produtos se mostra uma alternativa sustentável, tendo em vista a necessidade de continuidade de estudos e acompanhamento dos pacientes para avaliação do desempenho do produto no mundo real.
Em meio à insegurança jurídica trazida pela ausência de previsão expressa a respeito dessa estrutura em negociações com entes públicos, o Projeto de Lei nº 667/2021 merece atenção, pois pretende alterar a Lei nº 8.080/1990 para prever sobre acordos de compartilhamento de risco como ferramenta para incorporação de novas tecnologias no SUS.
Para mais informações sobre o tema, conheça a prática de Life Sciences e Saúde do Mattos Filho.