Impactos do novo coronavírus no mercado de capitais
CVM edita normas orientando o mercado sobre impactos do COVID-19 para emissores, ofertas públicas e intermediários; entenda
Com o progresso da epidemia de COVID-19 (“Coronavírus“) no Brasil e os impactos nos diversos setores de atividade econômica no Brasil, cresce, também, o cenário de incertezas em relação ao mercado de capitais.
Reconhecendo este novo cenário, a Comissão de Valores Mobiliários (“CVM“) editou nos últimos dias três Ofícios-Circulares e uma Deliberação, com o intuito de orientar emissores em relação às demonstrações financeiras das companhias abertas e na condução das ofertas públicas de distribuição de valores mobiliários em andamento, bem como alertar os intermediários sobre planos de contingência a serem adotados diante de possível estresse operacional que venha a ser causado pelo Coronavírus.
Impactos do Coronavírus nas Demonstrações Financeiras
A Superintendência de Normas Contábeis e de Auditoria (“SNC“) e a Superintendência de Relações com Empresas (“SEP“) da CVM editaram, no dia 10 de março de 2020, o OFÍCIO-CIRCULAR/CVM/SNC/SEP/n.º 02/2020, orientando as companhias abertas e seus auditores independentes a considerarem os impactos do Coronavírus nas demonstrações financeiras das companhias abertas e a reportarem os principais riscos a que estas companhias estejam expostas.
A SNC aponta como sendo de especial atenção os eventos econômicos que tenham relação com a continuidade dos negócios e/ou às estimativas contábeis levadas à efeito, como, por exemplo, no que tange a recuperabilidade de ativos, mensuração do valor justo, provisões e contingências ativas e passivas, reconhecimento de receita e provisões para perda esperada.
As companhias abertas devem, deste modo, considerar a divulgação de eventuais impactos decorrentes do Coronavírus em suas demonstrações financeiras, tanto como eventos subsequentes às demonstrações financeiras levantadas em 31 de dezembro de 2019, como na elaboração das informações financeiras levantadas em data posterior. Além disso, as companhias deverão avaliar, conforme o caso, a necessidade e a conveniência de inclusão de projeções e/ou estimativas relacionadas aos impactos do Coronavírus na elaboração de seus Formulários de Referência, ou, ainda, de divulgação de Fato Relevante sobre o tema.
Modificação e Postergação de Ofertas Públicas registradas, em virtude do Coronavírus
No dia 13 de março de 2020, a Superintendência de Registro de Valores Mobiliários da CVM (“SRE“) editou o OFÍCIO-CIRCULAR/CVM/SRE/nº 02/2020, ao verificar a possibilidade de impacto nas ofertas públicas de valores mobiliários em andamento, tendo reconhecido a ocorrência de alteração substancial, posterior e imprevisível nas circunstâncias de fato existentes quando da apresentação do pedido de registro de distribuição.
Com vistas a garantir maior flexibilidade aos emissores que haviam registrado ofertas públicas de distribuição de valores mobiliários, a SRE considerará automaticamente aprovados pleitos de modificação das ofertas públicas registradas, relacionados exclusivamente à deterioração e volatilidade do cenário de investimentos, dispensando tais pleitos do prazo regulamentar de análise de 10 (dez) dias úteis, previsto no parágrafo 1.o do artigo 25 da Instrução CVM no 400, desde que tais pleitos sejam realizados nos próximos 30 (trinta) dias, sendo consequentemente prorrogados os prazos de tais ofertas por 90 (noventa) dias adicionais.
Os ofertantes que se valerem dessa faculdade deverão encaminhar documentação da oferta modificada à SRE, além de divulgar comunicado ao mercado sobre as modificações, dando a todos os investidores a ciência dos novos termos da oferta, sob a condição de garantir a possibilidade de desistência daqueles que já tenham aderido à oferta, em observância ao artigo 27 da Instrução CVM no 400.
Vale observar que, nos termos do Ofício-Circular mencionado, este tratamento é reconhecido pela SRE apenas para as ofertas públicas já registradas. Neste sentido, para as ofertas públicas de distribuição com pedido de registro em análise, eventual modificação dos seus termos deverá ser avaliada caso a caso, a depender do estágio do processo de análise perante a SRE, e de ter ocorrido, ou não, o início do recebimento de reservas de investimento, estando disponíveis, entre outras medidas, o pleito de modificação de oferta, previsto no artigo 25, a prorrogação de prazo para cumprimento de exigências, prevista no artigo 9.o, parágrafo 1.o, e a interrupção do prazo de análise, prevista no artigo 10, todos da Instrução CVM no 400.
Extensão do Período de Interrupção de Prazo de Análise de Ofertas Públicas em fase de registro
Adicionalmente, no dia 16 de março de 2020, a CVM editou a Deliberação no 846, pela qual alterou os prazos máximos de interrupção do período de análise da SRE e SEP acerca, respectivamente, dos (i) pedidos de registro de ofertas públicas de distribuição e (ii) pedidos de registro de emissor que tenham sido apresentados conjuntamente aos pedidos de registro de oferta pública. Em ambos os casos, o prazo regulamentar – antes de até 60 (sessenta) dias – passa a ser de até 180 (cento e oitenta) dias. A faculdade de apresentar um pedido de interrupção do prazo de análise é usada por emissores que desejam aguardar melhores condições de mercado para realizar sua oferta pública de distribuição de valores mobiliários, atualizando as informações financeiras constantes do prospecto, e reiniciando o processo de registro junto a CVM com estes documentos atualizados.
Após o período de interrupção, o pedido de registro é considerado reapresentado, aplicando-se todas as etapas processuais e seus respectivos prazos, independentemente da fase em que se encontrava anteriormente. Exceto pela alteração dos prazos máximos de interrupção, permanecem aplicáveis as demais disposições do artigo 10 da Instrução CVM no 400 e artigo 6o da Instrução CVM no 480, conforme o caso.
Planos de Contingência em Casos de Estresse Operacional causado pelo Coronavírus
No dia 12 de março de 2020, a Superintendência de Relações com o Mercado e Intermediários (“SMI“), também editou ofício circular, OFÍCIO-CIRCULAR/CVM/SMI/nº 02/2020, tratando da adoção de plano de contingência pelos intermediários que contemple alternativas para continuidade da prestação de serviços diante das possíveis situações de estresse no mercado causadas pelo Coronavírus, incluindo, sem limitação, aumento de operações em volume superior à capacidade dos sistemas dos intermediários, e trabalho remoto pelos profissionais dos intermediários por razões de segurança sanitária.
Em linha com o disposto na Instrução CVM no 612, a SMI indica que referido plano de contingência deverá abordar ações de comunicação interna e externas necessários, comunicando aos clientes os impactos em níveis de serviços oferecidos e canais de contatos a serem utilizados para colocação de ordens.
Especificamente em relação às ordens por telefone, a SMI indica que devem ser observados requisitos da Instrução CVM no 505 mesmo diante de situações de contingência – que inclui a gravação e arquivamento com registros apropriados. Na hipótese de adoção do teletrabalho (home office) dos operadores da mesa como medida do plano de contingência, o intermediário poderá manter atendimento de ordens por telefone, desde que o atendimento remoto possibilite gravação e atenda os demais requisitos mencionados acima
Caso não seja possível manter atendimento telefônico remoto que atenda aos requisitos acima, o intermediário deverá comunicar previamente seus clientes que o atendimento por telefone está temporariamente desabilitado, enquanto durar referido plano de contingência, passando a adotar somente ordens por meio de correio eletrônico e outros sistemas de mensagens eletrônicas.
Os profissionais do Mattos Filho, Veiga Filho, Marrey Jr. e Quiroga Advogados continuam monitorando a evolução das orientações da CVM acerca dos impactos da epidemia de COVID-19 no ambiente de mercado de capitais, e permanecem à disposição para prestar quaisquer esclarecimentos adicionais sobre o assunto.