Uma reforma para chamar de nossa
Decisão sobre o afastamento do ICMS nas operações interestaduais entre empresas do mesmo titular é o mais recente exemplo da premente necessidade da reforma tributária no Brasil
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Não é novidade nenhuma que o tema reforma tributária é um dos mais urgentes a serem enfrentados pelo atual governo, considerando que o sistema tributário brasileiro é um dos principais obstáculos ao crescimento econômico e à própria estabilidade social. E cada vez mais vemos, diante dos acontecimentos do dia a dia ou das decisões sobre matéria tributária, essa necessidade se tornando premente.
O exemplo mais recente diz respeito à decisão do Supremo Tribunal Federal de afastar o ICMS nas operações interestaduais envolvendo empresas do mesmo titular, decisão esta que teve seus efeitos modulados, seja para que ocorram (os efeitos) somente a partir de 2024 ou para que, até lá, os contribuintes tenham o direito de manter e transferir os créditos de ICMS para outros Estados (ADC nº 49, finalização do julgamento ocorrida em 19 de abril de 2023).
Além disso, o STF igualmente incumbiu os Estados de, no âmbito do Conselho Nacional de Política Fazendária (Confaz), regulamentar até o próximo ano a utilização de tais créditos, sob pena de ser reconhecido o direito dos contribuintes de transferi-los.
Para as empresas que contemplam em suas atividades a transferência de mercadorias entre filiais em Estados distintos – prática que é muito comum no varejo, por exemplo – a decisão é crucial. É que, até então, eram obrigadas a tributar essas operações, existindo em muitos dos casos legislação local prevendo a incidência. Como consequência, igualmente estavam autorizadas a transferir os créditos originários dessas operações tributadas.
À primeira vista, parecia ser uma grande vitória dos contribuintes. Afinal, o STF reconheceu a não incidência do ICMS nessas transferências. Contudo, o efeito da decisão está longe de ser objeto de comemoração entre os contribuintes. Isso porque, considerando o arcabouço tributário existente – para usarmos uma palavra da moda – e todas as peculiaridades do sistema, as empresas tiveram que se organizar, de modo que, apesar da tributação nas operações interestaduais, seu ônus estaria mitigado com a transferência de créditos entre estabelecimentos, alguns deles com significativos saldos credores.
Contudo, o que, até então, pareceu ser uma medida de proteção, tornou-se mais um desafio, eis que sem a tributação e a consequente transferência de créditos, ainda que somente a partir de 2024, inevitavelmente as empresas terão alguma conta a pagar.
Levantamentos apontam que, somente para as dez maiores empresas varejistas, se a não transferência de créditos fosse autorizada, a perda poderia chegar a cerca de R$ 5,6 bilhões em créditos tributários de ICMS ao ano. Cifra altamente relevante, ainda mais se considerarmos os demais desafios do setor.
Essa curiosa situação é mais um pequeno exemplo da necessidade de uma reforma ampla: mesmo quando o Judiciário decide pela não incidência de imposto, ainda assim, o contribuinte brasileiro se vê onerado e, mais uma vez, obrigado a organizar e reorganizar seus negócios de modo que o racional jurídico, tributário e operacional esteja presente.
Em outras palavras, quando até a não tributação se torna um problema – e esse é um exemplo inegável disso –, vê-se que há algo muito errado em nossa estrutura tributária. Nesse sentido, uma reforma que nos traga simplificação do sistema, clareza e transparência nas regras e alguma justiça fiscal é, ainda que tenhamos um longo e desafiador caminho pela frente, a reforma tributária que queremos chamar de nossa!