Os furtos de energia elétrica e a manutenção dos créditos de PIS/COFINS
Aquisição de energia elétrica é insumo para atividade de distribuição e deve permitir a manutenção integral dos créditos
Assuntos
A extensão do conceito de insumo no serviço de distribuição de energia elétrica e o tratamento que deve ser dado aos créditos de PIS e de COFINS vêm sendo objeto de muita controvérsia entre o Receita Federal do Brasil (RFB) e os contribuintes ao longo dos anos.
Considerando os conceitos sobre os tipos de perda de energia, além das barreiras impostas pela RFB para a dedução das despesas incorridas com as chamadas perdas não técnicas (energia perdida em virtude de furtos e erros de medição), também é relevante a questão da manutenção dos créditos de PIS e COFINS, cujo estorno vem sendo imposto pelo Fisco em total desconsideração das peculiaridades regulatórias do setor de energia.
Apesar da pluralidade de situações fiscais e contábeis das distribuidoras e da existência de diversos argumentos que justifiquem a manutenção integral dos créditos de PIS e de COFINS sobre a energia furtada, a natureza de insumo vale uma análise mais profundada.
Origem da imposição do estorno
Após a Lei nº 10.865/2004, foi inserido o parágrafo 13 ao artigo 3º da Lei nº 10.833/2003, que estabeleceu a obrigatoriedade de estorno dos créditos de PIS e COFINS relativos aos bens adquiridos para revenda ou utilizados como insumos na prestação de serviços e na produção ou fabricação de bens ou produtos destinados à venda, que tenham sido furtados ou roubados, inutilizados ou deteriorados.
A interpretação literal deste dispositivo vem sendo utilizada pela RFB para embasar autos de infração lavrados contra as distribuidoras de energia elétrica em virtude da ausência de estorno dos créditos de PIS e COFINS correspondentes às perdas de energia decorrentes de furtos e erros de medição – perdas não técnicas.
No entanto, apesar da obrigatoriedade de o estorno estar prevista em lei geral, a sua imposição deve ser analisada em conjunto com as peculiaridades da atividade de fornecimento de energia elétrica, e à luz do conceito de não-cumulatividade.
A caracterização da energia elétrica como insumo
A atividade de distribuição envolve a aquisição de energia elétrica (um bem), sobre o qual são empregadas alterações de carga (voltagem), para entrega ao consumidor mediante atividade de prestação de serviço de distribuição.
A partir disso, é possível concluir que a energia adquirida pode ser enquadrada tanto no conceito de bem para revenda como insumo, dada a natureza mista da atividade da companhia (prestadora de serviço público que revende mercadoria – energia).
Após diversas manifestações da RFB (Solução de Consulta SRRF nº 116/2005, Solução de Consulta Cosit nº 27/2008, entre outras), foi definido na Solução de Consulta de Divergência COSIT nº 15/2017 que a aquisição de energia elétrica representa um insumo para atividade de distribuição, em que pese seja revendida ao consumidor
Partindo desta premissa já reconhecida pela RFB, não há dúvidas de que a energia adquirida é inegavelmente um insumo essencial à prestação do serviço de distribuição de energia. No entanto, a discussão não é centrada na energia que será efetivamente entregue aos consumidores, mas nas perdas não técnicas incorridas no processo de distribuição.
A obrigatoriedade do estorno em questão tem origem no raciocínio de que os bem furtados não gerarão receitas, e, consequentemente, não serão submetidos à tributação. Logo, a manutenção do crédito representaria a quebra da neutralidade tributária a favor dos contribuintes.
No entanto, a atividade de distribuição de energia elétrica possui peculiaridades regulatórias que têm implicações diretas no tratamento tributário que deve ser conferido às perdas não técnicas: a obrigação legal de adquirir energia elétrica (insumo) em montante estimado e superior ao que efetivamente se espera ser necessário, a fim de que, após as perdas técnicas e perdas não técnicas incorridas, subsista energia suficiente para atender a toda a demanda.
Além disso, a própria tarifa de energia contém critérios a serem seguidos, que tem como objetivo principal preservar o consumidor.
Conforme conceito da própria ANEEL, o valor da tarifa “deve ser suficiente para preservar o princípio da modicidade tarifária e assegurar a saúde econômica e financeira das concessionárias, para que possam obter recursos suficientes para cobrir seus custos de operação e manutenção, bem como remunerar de forma justa o capital prudentemente investido com vista a manter a continuidade do serviço prestado com a qualidade desejada.”
Para que seja possível atender a essa diretriz, as distribuidoras de energia elétrica devem empenhar todos os esforços para adquirir, antecipadamente, toda a energia necessária para suprir sua demanda, de modo que os custos desta aquisição sejam os menores possíveis.
Caso assim não o façam, ficarão à mercê de contratos de urgência no mercado de curto prazo, cujo custo é muito maior, e acabará sendo repassado na tarifa em virtude dos mecanismos de compensação já mencionados.
Por outro lado, considerando-se que as perdas são inerentes ao sistema, adquirir toda a energia necessária para atender a demanda significa comprar em base estimada e a maior, a fim de contemplar a inafastável perda. Logo, não há outra alternativa senão adquirir energia a maior, para que seja parcialmente perdida.
Neste contexto, é possível afirmar que a despesa incorrida na aquisição da energia posteriormente perdida é obrigatória por imposição legal, razão pela qual, além de ser essencial, amolda-se ao conceito de relevância estabelecido pelo Superior Tribunal de Justiça.
A propósito, a relevância, nos termos do conceito estabelecido no leading case da matéria pelo STJ (REsp 1.221.170), “é identificada no item cuja finalidade, embora não indispensável à elaboração do próprio produto ou à prestação do serviço, integre o processo de produção seja pelas singularidades da cadeia produtiva (v.g., o papel da água na fabricação de fogos de artifício difere daquele desempenhado na agroindústria), seja por imposição legal (v.g., equipamento de produção individual – EPI) […]”.
Dadas as peculiaridades do setor elétrico, não pode ser exigido das distribuidoras de energia elétrica o estorno dos créditos do PIS e da COFINS, uma vez que as despesas incorridas na aquisição de energia, independentemente de se referirem a insumos “perdidos” no curso da atividade de distribuição de energia, são essenciais e decorrentes de imposição legal.
Para mais informações sobre tributação do setor elétrico nos dias atuais, acompanhe a série especial do Mattos Filho.