Tributação do setor elétrico: Despesa de amortização do ágio gerado na privatização
Entenda o contexto, entendimento do Fisco e as perspectivas no Judiciário para dedução das despesas de amortização de ágio
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Uma das principais controvérsias da tributação do setor de energia nos últimos anos foi a reiterada glosa, por parte da Secretaria da Receita Federal do Brasil (RFB), da dedução das despesas de amortização do ágio gerado quando da privatização das estatais de distribuição de energia elétrica.
Diante dos valores envolvimentos, que muitas vezes superam o bilhão de reais, é importante entender o contexto em que este tema surgiu, como vendo sendo tratado e as perspectivas para o futuro.
Contexto do direito à dedução das despesas de amortização do ágio no setor elétrico
A partir da década de 1990, o setor elétrico do Brasil passou por uma série de reformas visando maior eficiência e autonomia.
Para atrair investidores para participar dos leilões de privatização, o Governo concedeu a possibilidade de amortização do ágio sobre o preço mínimo de venda das estatais, para abatimento do Imposto de Renda da Pessoa Jurídica (IRPJ) e da Contribuição Social sobre o Lucro (CSLL) durante o prazo de concessão.
Em dezembro de 1997, foi editada a Lei nº 9.532, cujos artigos 7º e 8º regulamentaram a amortização do ágio (originariamente autorizada pelo artigo 386 do RIR/99), elemento que foi fundamental para o Programa Nacional de Desestatização (PND).
Nessa linha, todas as empresas do setor elétrico que foram privatizadas levaram em consideração, quando da sua participação nos leilões e formulação de preço, o benefício fiscal consubstanciado na possibilidade de amortização do ágio pago na compra da estatal da base de cálculo do IRPJ e da CSLL.
Exatamente nesses termos são as Resoluções e Termos Aditivos aos Contratos de Concessão prolatados pela Agência Nacional de Energia Elétrica (ANEEL) à época das privatizações, que determinam expressamente que as concessionárias deveriam proceder à amortização do ágio.
O entendimento do Fisco
Apesar da expressa autorização legal e a determinação da ANEEL, a RFB vem, especialmente na última década, lavrando autos de infração para cobrança de IRPJ e CSLL com base no fundamento de que as despesas de amortização de ágio não seriam dedutíveis, tendo em vista que as operações societárias praticadas teriam sido realizadas com excesso de forma jurídica e abuso de direito.
A exigência de tributos em virtude da suposta dedução indevida das despesas de amortização de ágio não é exclusividade das operações de privatização do setor elétrico; muitas Companhias de diversos setores sofreram autuações sob o mesmo fundamento.
O ágio decorrente de processo de privatização sempre foi o mais bem aceito pelo Fisco. E isso tem uma razão clara, já que a operação de aquisição de participação societária decorre de um processo licitatório e envolve um leilão público de privatização, no qual o preço de aquisição é notório e o ágio pago amplamente noticiado.
Por se tratar da privatização de setores essenciais para a sociedade, a concessão envolve a análise e chancela do órgão regulador, o que dá ainda mais publicidade e amparo à operação.
Além disso, os participantes das licitações seguiam regras pré-definidas, inclusive com relação às estruturas societárias possíveis, já que o PND exigia que os vencedores da licitação concentrassem os investimentos em uma sociedade de propósito específico que atuaria como holding.
Todo esse contexto era refletido na jurisprudência do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais – CARF (câmaras baixas), que até o ano de 2015 era quase integralmente favorável aos contribuintes.
Após a Operação Zelotes a Câmara Superior de Recursos Fiscais iniciou a análise dos primeiros casos, quando passou a reformar todos os acórdãos até então prolatados para manter as cobranças.
É remotíssima a hipótese de que nenhum dos contribuintes tenha adotado o procedimento correto, especialmente por se tratar do chamado “ágio privatização”, que, como mencionado, é supostamente o mais bem aceito, mas esse entendimento tem mais relação com a política de arrecadação do que com o mérito debatido.
Judicialização e perspectivas para o futuro
Com o encerramento do trâmite administrativo, o tema foi submetido ao Judiciário, que o recebeu de maneira extremamente favorável aos contribuintes, tal como o CARF nos primeiros casos julgados.
Atentos apenas ao cumprimento dos requisitos impostos pela Lei, os Juízes têm reconhecido que a Receita Federal impõe condições não previstas, que além de não encontrarem amparo legal, vão sendo moldadas caso a caso para tornarem o exercício do direito à dedução das despesas de amortização de ágio quase impossível.
As decisões têm prestigiado a legalidade em detrimento dos requisitos subjetivos impostos pelo Fisco, o que dá esperança aos contribuintes de que o assunto irá finalmente receber o tratamento jurídico correto.
Sabemos que em situações distintas da privatização há contribuintes que não necessariamente atenderam os requisitos legais para usufruir do direito à dedução das despesas de amortização de ágio, mas, para o tipo específico de operação societária replicada na desestatização do setor elétrico, é certo que todos os requisitos foram cumpridos, especialmente se considerarmos que a amortização do ágio recebeu a chancela do órgão regulador.
Ainda que o Judiciário venha sinalizando a insubsistência das cobranças feitas pelo Fisco, enquanto o tema não for definitivamente decidido pelos Tribunais Superiores haverá margem para novas autuações, que demandam defesas, garantias, e pelo grande valor envolvido inflam a contingência das Companhias.
Para mais informações sobre tributação do setor elétrico nos dias atuais, acompanhe a série especial do Mattos Filho.