Extinção das OSs e o impacto na administração pública do Rio de Janeiro
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Recentemente, foi publicada no Estado do Rio de Janeiro a Lei nº 8.986/2020, que modifica o atual regime das Organizações Sociais (OSs), além de determinar a extinção de tais organizações a partir de 31 de julho de 2024. As alterações propostas podem corromper a lógica da criação das OS e a extinção do modelo não necessariamente representa um ganho de eficiência para o Poder Público.
As OSs surgiram em um contexto da reforma do aparato estatal brasileiro, inicialmente implementada pelo Governo Federal e formalizada na Lei nº 9.637/1998, visando à formação de parceria para execução de atividades de relevância pública com entidades privadas.
A partir da Lei federal, alguns Estados e Municípios regularam a qualificação como OS em áreas de sua competência federativa, para a prestação de serviços públicos com ganho de eficiência e economicidade do setor privado frente às amarras burocráticas da Administração Pública. Foi nesse contexto que foi publicada a Lei nº 6.043/2011 no Estado do Rio de Janeiro, permitindo a qualificação de entidades como OSs para o desempenho de atividades relacionadas à saúde.
Em suma, a OS, na qualidade de prestadora de serviços à sociedade e gestora de recursos públicos, deve aplicar todas as receitas a ela repassadas nas finalidades específicas disciplinadas no contrato de gestão. Além disso, há a fiscalização da devida aplicação dos recursos e dos resultados obtidos pelo órgão público concedente (como a Secretaria de Saúde) e pelo Tribunal de Contas.
A recém-publicada Lei nº 8.986/2020 altera e inclui diversos dispositivos na Lei nº 6.043/2011, entre eles: indicação de que o procedimento para qualificação de OS e toda a execução do contrato de gestão serão conduzidos de forma pública, observados os princípios do artigo 37 da Constituição Federal; e previsão de imputação de sanções às OSs e a seus colaboradores nos termos da Lei Federal nº 8.429/1992 (Lei de Improbidade Administrativa).
Por mais que algumas medidas configurem boas práticas administrativas, alguns temas – como a total publicização de procedimentos via Estado e tratamento dos colaboradores das organizações como se fossem agentes públicos – podem invadir a esfera privada das OSs. Na prática, as alterações propostas podem acarretar a equiparação da atuação das OSs ao modelo aplicável à Administração Pública, subvertendo a lógica de descentralização e autonomia do contrato de gestão.
A incidência de princípios publicistas, trazidos pela nova Lei, deve ser compatibilizada com as características mais flexíveis do setor privado, que constituem justamente o fundamento da celebração da parceria com as OSs. Aliás, o próprio Supremo Tribunal Federal (STF) já decidiu que as OSs não integram a Administração Pública Indireta, possuindo natureza jurídica de direito privado, cujos colaboradores não são servidores públicos.
É fato que o modelo de OS adotado no Rio de Janeiro pode ser aperfeiçoado, mas a extinção da qualificação não representa necessariamente um ganho na gestão de saúde pública do Estado. A Administração Pública terá que realizar a gestão direta dos hospitais públicos – o que pode ser mais oneroso e inviável na prática (levando-se em consideração know-how, contratação de empregados, equipamentos e insumos, etc.) –, ou celebrar outra parceria privada.