

Advocacia pro bono e direitos humanos em pauta: uma retrospectiva de 2024 e perspectivas para 2025
Especialistas do Mattos Filho detalham os progressos e obstáculos enfrentados em temas de direitos humanos, tanto no Brasil quanto no cenário internacional
Assuntos
O Mattos Filho completou 25 anos de atuação pro bono, em 2024, prática que busca contribuir com a democratização do acesso à justiça e com a defesa dos direitos humanos. Ao longo dessa jornada, foram mais de 800 clientes atendidos e 190 mil horas gratuitas dedicadas a casos de interesse público e social.
Em celebração a esse marco, o escritório lançou a 3ª edição do livro “Direitos Humanos em Evidência” e firmou uma parceria inédita com a Clínica de Litígio Estratégico da Fundação Getúlio Vargas. O Mattos Filho também foi, novamente, reconhecido como Pro Bono: Leading Ligths pela publicação Latin Lawyer, pela sua contribuição ao fortalecimento da advocacia pro bono na América Latina. O marco alcançado pelo escritório coincidiu com a escalada de desafios sociais, em esfera global e nacional, que exigem a permanente mobilização de profissionais do Direito e da sociedade civil como um todo.
Em 2024, de acordo com a Organização das Nações Unidas, vieram ao Brasil cerca de 800 mil pessoas deslocadas forçadamente, seja por razões econômicas ou por perseguições e graves violações de direitos humanos. Em relação aos direitos das mulheres, nos primeiros seis meses do ano, apenas o estado de São Paulo registrou 124 feminicídios, um aumento de 8,8% em relação ao mesmo período de 2023. Quanto aos direitos étnico-raciais, o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) aponta que o Brasil registrou 5.552 processos sobre racismo em 2024, o maior número já registrado e uma alta de 64% em relação a 2023. Já no que tange aos direitos LGBTQAPN+, o Grupo Gay da Bahia (GGB) reportou que, em 2024, houve 327 assassinatos de pessoas LGBTQIAPN+ no Brasil, representando um aumento de 15% em relação ao ano anterior.
O ano passado não foi apenas marcado por desafios e números alarmantes na agenda de direitos humanos. Nessa retrospectiva, são destacados importantes avanços e conquistas em âmbito nacional que impactaram positivamente essa agenda.
Migração e refúgio
Ao longo de 2024, o Ministério da Justiça e Segurança Pública criou um grupo de trabalho para discutir a criação de uma Política Nacional para Migração, Refúgio e Apátrida, visando a oferta de serviços, programas e ações para indivíduos e famílias migrantes, refugiadas e apátridas.
Nesta frente, a Cáritas publicou uma cartilha repleta de informações fundamentais para auxiliar migrantes e refugiados na solicitação de benefícios sociais no Brasil. Traduzido para o inglês, espanhol e francês, e em breve para árabe, o guia fornece informações acessíveis para que migrantes e refugiados obtenham assistência social sem a intermediação de terceiros. A sua distribuição tem o potencial de transformar as vidas de milhares de pessoas em vulnerabilidade – especialmente venezuelanos que buscam refúgio no país.
Também vale destacar o caso de um cidadão haitiano que, após ter passado pelo Brasil, solicitou asilo aos EUA. Para que o pedido de asilo fosse concedido, a juíza do departamento de imigração de Nova York requereu que fosse comprovada a ausência de vínculos do solicitante com o Brasil, sob pena de determinar seu retorno ao país. Foi impetrado um habeas data e elaborado um memorando a fim de demonstrar a ausência de vínculos do solicitante com o Brasil e viabilizar a concessão de asilo pelos EUA. Em audiência realizada em dezembro de 2024, a juíza analisou o memorando e reconheceu o preenchimento dos requisitos para concessão do asilo ao solicitante, o que configura em um excelente passo para o atendimento de migrantes que precisarão lidar com o novo modelo de política migratória dos EUA.
Direitos das Mulheres
Em outubro, foi sancionada a Lei 14.994, que alterou dispositivos penais relativos ao feminicídio e à violência doméstica e tornou autônomo o crime de feminicídio. Dentre as mudanças, destacam-se o aumento da pena máxima para o crime de feminicídio a 40 anos de reclusão, o estabelecimento de circunstâncias agravantes para este tipo de crime e o aumento das penas para os casos de lesão corporal contra a mulher, para os crimes contra a honra (injúria, calúnia e difamação), para o crime de ameaça e para o de descumprimento de medidas protetivas.
Embora a nova lei represente um avanço jurídico importante na ampliação dos direitos das mulheres, é necessário, também, o desenvolvimento de políticas públicas preventivas e reparadoras, cuja finalidade seja a de transformar as estruturas sociais de opressão e violência de gênero.
O ano de 2024 também teve como marco uma conquista importante no âmbito da Lei Maria da Penha: a tese que consigna a autonomia das medidas protetivas de urgência em relação a procedimentos criminais – objeto de uma grande vitória no Superior Tribunal de Justiça, que julgou o Tema Repetitivo 1249 para reconhecer a natureza inibitória de tais medidas e a impossibilidade de fixação de prazo predeterminado para a sua vigência.
O resultado alcançado traz um novo paradigma judicial no Brasil: todos os pedidos de medidas protetivas urgentes aguardando revisão judicial devem estar alinhados com as determinações da decisão. Isso impacta não apenas o sistema legal, mas a vida de todas as mulheres em situação de violência no Brasil.
Direitos Étnico-Raciais
No campo dos direitos étnico-raciais, o Brasil deu um passo importante para a mudança do entendimento acerca da necessidade de dolo específico para a prática de injúria racial. Em um caso de discriminação em que o réu alegava não ter a intenção de injuriar, a 9ª Vara Criminal da Barra Funda (São Paulo) entendeu não ser necessário dolo específico para a configuração do crime e o condenou a um ano e seis meses de reclusão e ao pagamento de indenização à vítima.
Essa é uma importante decisão no reconhecimento das formas de discriminação racial. A dispensabilidade do dolo específico na tipificação da injúria racial amplia o reconhecimento das formas em que o racismo vem sendo praticado, incluindo atos justificados como brincadeira ou descontração.
Nessa pauta, teve destaque também a publicação, em novembro de 2024, do Protocolo de Julgamento com Perspectiva Racial pelo Conselho Nacional de Justiça. O documento visa orientar os operadores do Direito para os impactos causados pelo racismo estrutural, institucional e formas de discriminação que permeiam os processos com temas raciais.
Direitos LGBTQIAPN+
Ao longo de 2024, vale destacar o caso em que o Ministério Público de São Paulo propôs um Acordo de Não Persecução Penal (ANPP), no qual a vítima teve a oportunidade de colaborar com os termos e, com isso, delimitar o que poderia, em certa medida, reparar a discriminação sofrida. Também houve um precedente importante em uma Ação Civil Pública: o TJDFT condenou uma líder religiosa, de grande visibilidade nacional, ao pagamento de indenização por proferir e divulgar em canal televisivo falas homofóbicas que ofendiam a população de gays, associando a sua orientação sexual à doença AIDS.
Ainda, em julho de 2024, o julgamento da Ação Indireta de Inconstitucionalidade nº 5668, no qual, em interpretação ao Plano Nacional de Educação, o Supremo Tribunal Federal determinou que as escolas públicas e privadas têm o dever de combater o bullying e a discriminação em razão de gênero e orientação sexual. Com essa determinação, amplia-se o reconhecimento e a proteção pelos direitos da população LGBTQIAPN+, especialmente na primeira infância, e a relação existente entre o direito à educação e o sentido da igualdade no Estado Democrático de Direito. Dessa forma, a decisão garante a dignidade das pessoas no ambiente escolar, assegurando um processo educacional pautado na pluralidade, na proteção da igualdade e no respeito à diferença.
Perspectivas para 2025
O início do novo ano traz perspectivas preocupantes no âmbito dos direitos humanos, sobretudo pelos movimentos observados no cenário internacional. As mudanças na política de imigração dos Estados Unidos devem provocar reflexos na área de assistência humanitária a migrantes e refugiados no mundo todo. Os órgãos internacionais e as entidades locais certamente terão um enorme desafio ao lidar com um novo fluxo migratório decorrente da deportação em massa proposta pelo governo americano.
Outra preocupação latente diz respeito ao desmonte das políticas de diversidade e inclusão, que nos últimos anos apresentaram avanços significativos no combate às desigualdades e na oferta de oportunidades a grupos historicamente marginalizados. Essa nova tendência pode significar um retrocesso em relação aos objetivos até então estabelecidos como fundamentais à universalização de direitos. A ofensiva contra ações afirmativas de combate às discriminações étnicas, raciais, religiosas e de gênero representa um risco iminente aos direitos humanos.
A defesa dos direitos sexuais e reprodutivos das mulheres também deve ser pauta relevante no ano que se inicia. O retrocesso observado em legislações outrora consideradas avançadas sobre o tema ressoa como sinal de alerta. Ainda sobre os direitos das mulheres, a proposta de retirada do feminicídio do Código Penal pelo governo argentino também gera receio, especialmente diante do número crescente de casos no mundo.
No plano nacional, as decisões recentes do STJ sobre as medidas protetivas da Lei Maria da Penha terão um impacto significativo nos casos de violência doméstica em 2025, em especial pela determinação de autonomia em relação a outros procedimentos judiciais e por sua aplicação enquanto houver risco à mulher, sem fixação de prazo de validade.
Em tempos ainda mais desafiadores, a busca pela efetivação dos direitos humanos e a urgente democratização do acesso à justiça merecem cada vez mais atenção.
Para mais informações sobre o tema, conheça a prática Mattos Filho 100% Pro Bono.
*Com a colaboração de João Ribeiro Neto e Bruno Sales Ribeiro Matos.