

Direito e tecnologia: tendências, desafios e oportunidades em 2025
Temas como inteligência artificial, proteção de dados, propriedade intelectual e mercado de apostas estão no centro das discussões
O avanço tecnológico segue impulsionando mudanças significativas, exigindo adaptações constantes no campo jurídico e regulatório. Em 2025, temas como inteligência artificial (IA), proteção de dados e propriedade intelectual (PI) devem ganhar ainda mais relevância, com a aprovação de novos atos normativos e o aprofundamento de discussões em tribunais e órgãos reguladores. Este artigo oferece uma visão geral das principais tendências e desafios previstos para 2025, abordando como essas transformações podem impactar diferentes setores e contribuir para moldar o cenário jurídico e tecnológico no Brasil.
Tecnologia
Após anos de discussões, o final de 2024 trouxe importantes novidades sobre o uso de IA e o regime de responsabilização aplicável às plataformas no Brasil. Espera-se que o debate se intensifique ainda mais em 2025.
O Senado Federal aprovou, em 10 de dezembro de 2024, o Projeto de Lei nº 2.338/2023 que estabelece um marco regulatório nacional para o desenvolvimento, uso e governança de sistemas de IA no Brasil (o “Marco Legal da IA”).
O Marco Legal da IA define um conjunto de regras e direitos que visam proteger pessoas ou grupos afetados por sistemas de inteligência artificial, tais como, direito à informação, direito de revisão humana e classificação do sistema de IA com base em seu grau de risco. De acordo com a redação aprovada, o regime de responsabilização civil por danos ocasionados por essa tecnologia seguirá o do Código de Defesa do Consumidor ou do Código Civil, conforme aplicável. A versão aprovada do texto pelo Senado Federal seguirá para análise da Câmara dos Deputados e, em caso de aprovação, dependerá de posterior sanção presidencial para sua entrada em vigor.
O tema também está na pauta de outras autoridades, incluindo a Autoridade Nacional de Proteção de Dados (ANPD), que abriu tomada de subsídios para coletar contribuições da sociedade sobre o tratamento de dados em sistemas e modelos de IA. O prazo para participação da sociedade termina em 24 de janeiro de 2025.
Já sob a perspectiva da responsabilidade das plataformas, o Supremo Tribunal Federal (STF) iniciou o julgamento sobre a constitucionalidade do art. 19 do Marco Civil da Internet (Lei nº 12.965/2014 – MCI). De acordo com a atual redação desse artigo, os provedores de aplicação apenas poderão ser responsabilizados pelo conteúdo publicado por seus usuários se deixarem de removê-lo após ordem judicial (com exceções específicas relacionadas a conteúdo envolvendo nudez, por exemplo). Nesse contexto, o STF iniciou o julgamento, em 27 de novembro de 2024, dos temas 533 e 987 para decidir sobre a constitucionalidade do dispositivo, o que poderá eventualmente ampliar a obrigação de remoção de certos conteúdos mediante mera notificação.
Qualquer mudança no atual regime de responsabilização impactará as práticas e governança atuais das empresas no Brasil, criando grandes desafios para os próximos anos. Até o momento, apenas três ministros (Luiz Fux, Luis Roberto Barroso e Dias Toffoli) votaram. É esperado que o julgamento seja retomado em 2025 após o recesso.
Proteção de Dados
A aplicação da Lei Geral de Proteção de Dados (Lei 13.709/2018 – LGPD) em assuntos de tecnologia tem sido tema de destaque no Brasil e segue como tendência em 2025.
O ano de 2024 marcou avanços regulatórios significativos para a proteção de dados no país. Durante este período, a ANPD estabeleceu regulamentações para diferentes aspectos da LGPD, como o Regulamento de Comunicação de Incidente de Segurança, o Regulamento sobre Transferências Internacionais de Dados, o Regulamento sobre o Encarregado de Proteção de Dados, o Guia Orientativo sobre Legítimo Interesse, além de intensificar sua atuação nas atividades de fiscalização.
No cenário internacional, a ANPD fortaleceu relações institucionais e ampliou a cooperação técnica e regulatória. Entre as iniciativas de destaque estão os Memorandos de Entendimento firmados com o Comissariado Canadense e a Agência Espanhola de Proteção de Dados. Paralelamente, a ANPD avançou na formação da Rede Lusófona de Proteção de Dados, reunindo países como Portugal, Angola, Cabo Verde, São Tomé e Príncipe, em esforços conjuntos para promover a proteção de dados em nações de língua portuguesa.
Para 2025, espera-se uma atuação ainda mais intensa e coordenada da ANPD, com base em sua nova Agenda Regulatória. Dentre os temas prioritários da Agenda, destaca-se a regulamentação e a fiscalização de questões relacionadas à IA, especialmente quanto às bases legais aplicáveis e ao direito à revisão de decisões automatizadas que afetem os interesses dos titulares previstos na LGPD. O tratamento de dados de crianças e adolescentes também receberá atenção especial, considerando o princípio do melhor interesse do menor, o consentimento fornecido por pais e responsáveis, a coleta de dados em jogos e aplicações de internet, a verificação de idade e a definição de boas práticas.
Outro ponto relevante será a regulamentação de processos de anonimização e pseudonimização, com o objetivo de estabelecer os padrões técnicos citados na LGPD, além do Relatório de Impacto à Proteção de Dados Pessoais para os casos em que o tratamento representar alto risco à garantia dos princípios gerais de proteção de dados pessoais.
Por fim, a Agenda prevê a regulação de aspectos relacionados ao tratamento de dados sensíveis, especialmente dados biométricos no contexto de tecnologias que envolvem reconhecimento facial. As atividades de agregadores de dados pessoais, que frequentemente recorrem à raspagem de dados (data scraping), também serão objeto de orientação específica, incluindo medidas de transparência a serem adotadas e limites ao uso de dados públicos e tornados manifestamente públicos.
No âmbito judicial, as ações que discutem a aplicação da LGPD tendem a continuar aumentando em 2025, incluindo questões como a responsabilidade civil em casos de incidentes de segurança e licitude no tratamento de dados pessoais, o que pode contribuir para a consolidação de uma jurisprudência mais sólida no tema.
Propriedade Intelectual
À medida que a tecnologia continua a evoluir, as discussões relacionadas a temas de PI também se tornam mais complexas. Em continuidade ao movimento já iniciado nos últimos anos, em 2025, diversas jurisdições ao redor do globo tendem a revisitar leis relacionadas à PI para abordar as novas preocupações decorrentes dos avanços digitais. Um dos principais desafios está na busca por equilíbrio entre a gestão de direitos de autores e titulares de ativos de PI e o progresso tecnológico amplo e colaborativo.
No Brasil, com o avanço da tramitação do Marco Legal da IA, crescerão principalmente os debates envolvendo prerrogativas do titular de direitos de autor e conexos previstos na Lei de Direitos Autorais (Lei nº 9.610/1998) em relação ao uso de suas obras para fins de treinamento de sistemas de IA.
A versão aprovada do Marco Legal da IA dispõe que o agente de IA que utiliza conteúdos protegidos por direito de autor e conexos em processos de mineração, treinamento ou desenvolvimento de sistemas de inteligência artificial deve remunerar os respectivos titulares, mediante negociação. Ademais, nos termos da atual versão, os titulares detêm o direito de se opor (opt-out) ao uso de seus conteúdos em tais sistemas de IA. Por outro lado, o texto estabelece que, observadas determinadas condições e em certos casos, a mineração de textos e dados não constitui ofensa aos direitos de autor e conexos. Com a possível aprovação e posterior sanção do texto, a negociação entre autores e desenvolvedores de sistemas de IA será essencial para evitar freios à inovação.
Adicionalmente, discussões relacionadas aos direitos sobre o conteúdo e mesmo sobre invenções criadas com o auxílio de sistemas de IA desafiarão a legislação de PI atualmente vigente e as noções tradicionais de “autoria”, “propriedade” e “patenteabilidade”.
Com a expansão do conteúdo digital, também devem se intensificar ações no combate à pirataria e uso não autorizado de ativos digitais, o que exigirá a criação e o fortalecimento de estratégias de fiscalização para monitorar e detectar violações de PI online.
Ainda, considerando a intensificação de discussões sobre a relevância da transição energética e a pauta ESG, também espera-se que empresas aproveitem cada vez mais os incentivos regulatórios e legais voltados para pesquisas e proteção da inovação nesse mercado no Brasil em 2025. Isso inclui, por exemplo, o “Patentes Verdes” criado pelo INPI, que tem como objetivo acelerar o exame dos pedidos de patentes relacionadas a tecnologias voltadas para o meio ambiente. A transição energética representa para o Brasil uma oportunidade ímpar de se deslocar de uma posição predominante de “importador de tecnologias” para uma posição de maior destaque na criação e exportação de inovação.
Por fim, o Instituto Nacional da Propriedade Industrial (INPI), que vem adotando nos últimos anos medidas prezando pela autonomia dos agentes privados, anunciou novas mudanças que trarão incentivos para o desenvolvimento econômico e proteção de ativos tangíveis. Em especial, divulgou recente novo entendimento sobre o registro, como marca, dos chamados sinais ou expressões de propaganda (slogans).
Entretenimento
O setor de Entretenimento está em constante transformação, impulsionado por inovações tecnológicas, alterações nos hábitos dos consumidores e mudanças regulatórias – a exemplo do uso de IA e da regulamentação de apostas no Brasil.
Em decorrência da publicação da Lei nº 14.790/2023, que dispõe sobre a exploração de apostas de quota fixa (incluindo apostas em jogos online), a nova Secretaria de Prêmios e Apostas, do Ministério da Fazenda (SPA) publicou uma série de portarias para regulamentar a indústria. As postarias estabelecem, dentre outros, as regras para que as empresas possam legalizar a exploração de atividades relacionadas a apostas no Brasil. Também foram estabelecidas regras para realização de ações de comunicação e marketing.
A partir de 1 de janeiro de 2025, apenas empresas autorizadas pela SPA podem explorar apostas no Brasil. Assim, espera-se um escrutínio maior na indústria que por muitos anos funcionou sem regulamentação específica. As empresas que não obtiveram a licença para explorar apostas em 2024 deverão passar pelo processo de apresentação da documentação necessária à SPA e respectivo pagamento da outorga. Ainda, as discussões sobre tributação, fiscalização e políticas para proteção de jogadores devem ganhar força, considerando a rápida expansão do mercado e o atual destaque concedido ao tema no Brasil.
Em linha com o disposto acima, o setor publicitário enfrentará, em 2025, alguns desafios associados ao contexto esportivo e de apostas. A publicidade de apostas e esportes tradicionais será especialmente monitorada, considerando o aumento da regulamentação do mercado brasileiro. A transparência nas campanhas e cuidados com o público jovem será um ponto crítico.
Em paralelo, 2025 também será de grande relevância para a discussão sobre a regulamentação de cassinos e demais jogos de azar no país. No início de dezembro de 2024, o Senado Federal postergou, para a atual legislatura, a discussão do Projeto de Lei n° 2.234/2022 que autoriza o funcionamento de cassinos e bingos no Brasil, legaliza o jogo do bicho e permite apostas em corridas de cavalos, entre outros jogos de azar. Dentre outros pontos, a proposta legislativa autoriza a instalação de cassinos em polos turísticos ou complexos integrados de lazer, como resorts e hotéis de alto padrão.
Com relação à indústria da música, 2024 foi marcado por discussões sobre remuneração de artistas no ambiente digital e expansão da experiência de consumo dos usuários. O uso de tecnologias como IA para gerar playlists personalizadas e até músicas originais abriu debates sobre PI e ética. Em 2025, a possível aprovação do Marco Legal da IA poderá impactar diretamente o uso dessa tecnologia no âmbito da indústria do entretenimento.
O uso de IA na indústria do entretenimento seguirá como um tema central em 2025, consolidando-se como uma ferramenta indispensável para criação, personalização e distribuição de conteúdo. No entanto, as oportunidades trazidas pela IA continuam acompanhadas de debates regulatórios, que prometem moldar as práticas no setor nos próximos anos.
Para mais informações sobre temas relacionados à tecnologia e às tendências abordadas neste artigo, conheça a prática de Tecnologia do Mattos Filho.