Dia Nacional da Filantropia: perspectivas em discussão sobre o setor
Após decisões do Supremo Tribunal Federal sobre o tema, a filantropia no Brasil é objeto de nova regulação
Assuntos
Em 20 de outubro comemora-se o Dia Nacional da Filantropia, uma data importante para se discutir o que pode mudar com as propostas de regulação do setor. As entidades filantrópicas desempenham papel fundamental na garantia do acesso a direitos e serviços de qualidade nas áreas da saúde, educação e assistência social.
Nesse sentido, não é exagero afirmar que tais entidades são verdadeiras parceiras do Estado na concepção e execução de políticas públicas, sejam aquelas que têm atuação mais próxima ao poder público (mediante instrumentos jurídicos próprios), ou aquelas que atuam sem parceria formalizada com o poder público, mas igualmente contribuem para a concretização de direitos sociais básicos (como aquelas que oferecem bolsas de estudos em editais privados, ações gratuitas a quem delas necessitar, dentre outras).
Em virtude de sua relevante atuação, tais entidades podem ser portadoras da Certificação de Entidades Beneficentes de Assistência Social (Cebas) – que constitui um reconhecimento público de suas ações e confere às entidades o direito à fruição da imunidade às contribuições para a seguridade. A certificação, que é atualmente disciplinada pela Lei nº 12.101/2009, tem sido objeto de questionamentos e discussões judiciais, especialmente em razão de recentes decisões do Supremo Tribunal Federal sobre a inconstitucionalidade de alguns dispositivos da lei.
Além das já tradicionais e relevantes entidades filantrópicas, outras formas de atuação filantrópica têm surgido e ocupado papel cada vez mais importante, a exemplo da figura dos fundos patrimoniais
Nesse cenário, entende-se que o momento é oportuno para que as entidades se mobilizem em prol de uma regulamentação adequada à sua realidade e relevância social.
Abaixo, seguem mais detalhes sobre as novas propostas legislativas que tratam das entidades filantrópicas, incluindo informações atualizadas sobre a reforma tributária nos temas que podem impactá-las, bem como sobre os recentes fundos patrimoniais.
Projetos de Lei da Filantropia
Como já é de amplo conhecimento do setor, o Cebas tem sido objeto de discussões, tendo o Supremo Tribunal Federal decidido pela inconstitucionalidade de alguns de seus dispositivos que tratavam de contrapartidas a serem cumpridas pelas entidades filantrópicas, em razão de serem atualmente veiculadas por lei ordinária (a Lei nº 12.101/2009), enquanto a Constituição Federal exige que a imunidade seja regulamentada por lei complementar.
Enquanto o tema continua sendo objeto de disputas, duas iniciativas no Poder Legislativo buscam endereçar a questão: o Projeto de Lei Complementar 134/2019, na Câmara, e o Projeto de Lei Complementar 274/2020, no Senado. Entre os dois, destaca-se o PLP 134/2019, que já passou pelas Comissões de Educação (CE) e Seguridade Social e Família (CSSF) da Câmara dos Deputados e agora segue para apreciação direta em plenário, já com relator designado.
De modo geral, o PLP 134/2019 reproduz boa parte dos dispositivos já previstos na Lei nº 12.101/2009, não trazendo alterações substanciais no que se refere às contrapartidas a serem cumpridas pelas entidades filantrópicas para que possam fruir da imunidade. Nesse sentido, a atual versão do projeto de lei mantém um dos principais pontos de críticas da atual legislação aplicável, por não contemplar com a certificação diversas instituições de caráter filantrópico que têm atuação extremamente relevante em suas comunidades ou mesmo no cenário nacional.
Ainda assim, o PLP incorpora algumas inovações para a certificação tanto em termos materiais (formas de demonstração da atuação beneficente) quanto em termos procedimentais (em relação à tramitação dos processos nos ministérios e seus efeitos), que podem representar avanços para o setor.
De todo modo, destaca-se a importância de as entidades conhecerem os termos do PLP e atuarem ativamente em pontos de aprimoramento, por meio de advocacy – contribuindo não só com o projeto de lei em si, mas com os efeitos que seus dispositivos vão gerar para o setor filantrópico e consequentemente para a sociedade no geral.
A reforma tributária
Outro tema relevante para as entidades diz respeito à reforma tributária. Atualmente, há quatro propostas em trâmite no Congresso Nacional. São elas a PEC 45/2019, de autoria da Câmara dos Deputados; a PEC 110/2019, de autoria do Senado; o PL 3887/2020; e o PL 2337/2021, ambos de iniciativa do Poder Executivo. Enquanto as duas primeiras têm como foco a instauração de um imposto de base nacional, o Imposto sobre Bens e Serviços (IBS), a principal proposta do PL 3.887/2020 é a criação da Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS).
O PL 2337/2021, por sua vez, altera a legislação do Imposto sobre a Renda e Proventos de Qualquer Natureza das Pessoas Físicas (IRPF) e das Pessoas Jurídicas (IRPJ), bem como da Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL).
Dentre elas, a proposta que se mostra mais avançada é o PL 2337/2021, já aprovado na Câmara dos Deputados e que se encontra agora na Comissão de Assuntos Econômicos do Senado. Entre as principais mudanças previstas estão a tributação na alíquota de 20% de lucros e dividendos distribuídos para pessoas físicas, antes isentos, redução da alíquota base do IRPJ de 15% para 8%; e a redução da alíquota da CSLL em 1%.
No tocante às organizações da sociedade civil de um modo geral (incluindo as entidades filantrópicas todas), ainda que não trate diretamente do tema, o PL 2337/2021, ao prever a redução na alíquota do IRPJ, impacta diretamente a sustentabilidade financeira de tais organizações, visto que, em regra, os incentivos fiscais oferecidos às empresas doadoras incidem justamente sobre o IRPJ. Assim, com a redução do total arrecadado em relação ao IRPJ, diminui-se também o total disponível para a captação de recursos via incentivos fiscais.
Afim de mitigar o impacto causado pela redução nos valores disponíveis às organizações, o projeto de lei propõe o aumento dos limites para dedução do IRPJ por empresas tributadas pelo lucro real que doarem a organizações da sociedade civil que atuem em determinadas áreas, como criança e adolescente, idosos, audiovisual, esporte, entre outros.
A despeito do aumento proposto, o cenário é de incerteza, visto que o texto do projeto ainda está sujeito a alterações no Senado que podem impactar as entidades.
Os Fundos Patrimoniais
Um veículo inovador para a filantropia que tem conquistado espaço no terceiro setor são os fundos patrimoniais, também conhecidos internacionalmente como endowments. Previstos na Lei nº 13.800/2019, esses instrumentos são pessoas jurídicas constituídas como associações ou fundações dedicadas exclusivamente para a captação e gestão de recursos a serem destinados a causas ou instituições (públicas ou privadas sem fins lucrativos) de interesse público, tais como: educação, saúde, direitos humanos, cultura, entre outros.
Os fundos patrimoniais se mostram uma poderosa ferramenta de investimento social, capaz de potencializar o impacto de doações voltadas para causas sociais, tendo atraído o interesse de organizações que buscam sustentabilidade financeira, instituições públicas que visam atrair recursos privados para sua manutenção e apoio, filantropos, investidores, entre outros atores.
A Lei nº 13.800/2019 traz segurança jurídica ao modelo e aos doadores, mas ainda é objeto de discussões quanto a questões de ordem tributária. Nesse cenário, é relevante destacar que a Receita Federal do Brasil (RFB) recentemente se manifestou sobre o tema, em resposta à consulta formulada sobre aspectos tributários aplicáveis às organizações gestoras de fundo patrimonial.
Ainda assim, há aspectos que geram dúvidas e podem ser objeto de disputa, tais como a aplicação de incentivos fiscais à Cultura, no caso de doações realizadas às Organizações Gestoras de Fundos Patrimoniais que apoiam causas no setor (pendente de regulamentação), e em pesquisa e desenvolvimento (P&D) para organizações gestoras de fundos patrimoniais que apoiam inovação (como previsto no Marco Legal das Startups – também pendente de regulamentação).
Diante desse contexto, o Dia Nacional da Filantropia é uma oportunidade para que não apenas as entidades, mas a sociedade como um todo tome conhecimento do papel fundamental da filantropia para o desenvolvimento de uma sociedade mais justa e igualitária e, com isso, chame-se a devida atenção às discussões em torno das propostas de mudança legislativa pertinentes às organizações da sociedade civil e o impacto sobre a sua sustentabilidade.
Para mais informações a respeito do atual cenário legislativo e outros temas pertinentes, conheça a prática de Organizações da sociedade civil, Negócios sociais e Direitos Humanos do Mattos Filho.