Publicado decreto resultado do Programa “Gás para Empregar”
O Novo Decreto altera disposições do Decreto nº 10.712/2021, que regulamenta a Nova Lei do Gás
Assuntos
Foi publicado no Diário Oficial da União, em 27 de agosto de 2024, o Decreto nº 12.153/2024 (Novo Decreto), que altera o Decreto nº 10.712/2021 e regulamenta a Lei nº 14.134/2021 (Nova Lei do Gás), relativa ao transporte, escoamento, estocagem e comercialização de gás natural.
Confira como o Novo Decreto propõe o aumento da atuação governamental no acesso a infraestruturas essenciais pelo reforço das competências da Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP); a criação do Plano Nacional Integrado das Infraestruturas de Gás Natural e Biometano, que será elaborado pela Empresa de Pesquisa Energética (EPE), e proposições para abertura do mercado com um regime de transição para novos modelos de transporte.
Reforço das competências da Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP)
Medidas visando acesso a infraestruturas essenciais
O Novo Decreto cria o Capítulo I-A no Decreto nº 10.712/2021, denominado “Do Abastecimento Nacional de Gás Natural, inclusive seus Derivados, Biometano e Energéticos Equivalentes”. Na Seção I desse capítulo, reforçam-se as competências da ANP para regular questões com impacto no preço, como:
- Expedição de outorga de infraestruturas de gás natural (art. 5º-B, IV), estabelecimento de remuneração justa e adequada para os titulares das infraestruturas referente ao acesso de terceiros e condizente com os riscos da atividade (art. 5º-B, V);
- Promover ações para assegurar a transparência na formação de preços e identificar os custos do gás natural, de seus derivados e do biometano, praticados pelos agentes do mercado (art. 5º-B, VII);
- Estabelecer que a ANP deverá seguir o Plano Nacional Integrado das Infraestruturas de Gás Natural (Plano Nacional Integrado) (art. 5º-B, III).
A remuneração justa e adequada para as infraestruturas é definida como aquela que alcança a remuneração mínima pretendida pelo investidor para remuneração do capital investido na infraestrutura, com a sua devida correção inflacionária e amortização ao longo do tempo, que refletirá o menor impacto ao preço observado pelo consumidor, com vistas à apropriação justa dos benefícios auferidos pelos agentes econômicos do setor, pela sociedade, pelos consumidores e pelos usuários de bens e serviços da indústria de gás natural (art. 5º-B §3º).
O Novo Decreto estabelece que a ANP, verificando haver necessidade e viabilidade técnica e econômica, determinará, ao titular da infraestrutura de escoamento, tratamento e processamento de gás natural, sua ampliação para atender ao acesso de terceiros interessados, devendo o investimento ser reconhecido no ato de autorização, com a correspondente remuneração de capital (art. 16, §4º). Caso o agente não atenda a determinação da Agência, poderá ter revogado o ato de outorga da titularidade da instalação e a ANP poderá adotar as medidas legais e contratuais cabíveis (art. 16, §4º).
Medidas visando aumento de oferta de gás
Na seção II são reforçadas as competências da ANP para zelar pelo interesse dos consumidores quanto à oferta. Estabelece-se que a ANP deverá, além de monitorar a segurança de abastecimento de gás e seus derivados, adotar medidas para garantir a oferta de gás, como:
- Realizar novas licitações de oferta de área para exploração e produção de petróleo e gás natural;
- Determinar, mediante prévio processo administrativo com oitiva das empresas:
- A redução da reinjeção de gás natural ao mínimo necessário, inclusive com o estabelecimento do volume máximo de gás natural a ser reinjetado;
- O aumento da produção de gás natural para campos em produção, inclusive os campos maduros;
- Que novos projetos com volumes significativos de gás natural contemplem possibilidade de exportação de gás natural;
- Determinar a adequação da capacidade operacional das infraestruturas de produção, escoamento, tratamento, processamento e transporte de gás natural e seus derivados para atendimento à ampliação do volume estimado da produção de gás natural constante no Plano Nacional de Infraestrutura, de forma a atender aos interesses dos consumidores e ao abastecimento nacional;
- Promover a articulação entre produtores de petróleo, gás natural, biogás e biometano, com vistas à elaboração do planejamento setorial pela EPE, à promoção do acesso e do compartilhamento das infraestruturas e à eficiência setorial;
- Estabelecer limites à exportação de gás natural quando identificado que a oferta futura de gás natural não será suficiente para atender à demanda dos consumidores nacionais, conforme diretrizes do Conselho Nacional de Política Energética – CNPE.
Para possibilitar o atendimento as novas competências, o Novo Decreto estabelece que a ANP determinará a revisão dos atuais Planos de Desenvolvimento (PD) de campos de produção de petróleo e gás natural, de forma a considerar o acesso a gasodutos de escoamento da produção e a instalações de tratamento e processamento de gás natural, assegurado pelo art. 28 da Lei nº 14.134/2021 (art. 5º-C, §1º). No processo de revisão dos PDs e de aprovação dos novos planos, a ANP avaliará a utilização de unidade de produção de gás natural compartilhada entre vários campos e a transferência entre unidades de produção existentes com capacidade de processamento de gás natural ociosa (art. 5º-C, §2º), e, verificando que há possibilidade de aumento de produção de gás, a Agência determinará, aos atuais operadores dos respectivos campos, a revisão dos planos e projetos de desenvolvimento e produção e realização dos investimentos necessários (art. 5º-C, §3º), cujo não seguimento pelos operadores levará à adoção de medidas legais e contratuais cabíveis pela ANP (art. 5º-C, §4º).
Caso a ANP verifique que a oferta de gás natural, seus derivados, biometano e outros energéticos é, ou tende a ser, menor do que a demanda nacional dos consumidores, existente ou futura, deverá adotar as medidas mencionadas anteriormente (art. 21, §4º).
Com o Novo Decreto, a ANP poderá solicitar à Empresa de Pesquisa Energética (EPE), a elaboração de estudos específicos para suporte a decisões relativas à outorga das atividades da indústria do gás natural (art. 6º, §1º). Além disso, a ANP utilizará o Plano Nacional Integrado na definição dos blocos de exploração e de petróleo e gás natural para licitação, com preferência aos blocos em regiões em que haja possibilidade de acesso às infraestruturas de escoamento, tratamento e processamento de gás natural existentes ou cuja construção ou ampliação estejam previstas (art. 6º-D). O não atendimento dos agentes a eventuais solicitações de informação pela EPE poderá ser penalizado pela ANP (art. 6º, §3º). A EPE também poderá solicitar informações sobre o consumo termelétrico à Agência Nacional de Energia Elétrica – ANEEL (art. 6º-B, § 5º) e informações sobre produção e projeção de produção nas bacias brasileiras e uso de infraestruturas à ANP (art. 6º-B, § 4º).
A ANP realizará monitoramento constante das condições concorrenciais do mercado de gás natural, derivados, biometano e outros energéticos, observando a oferta e as condições de acesso às infraestruturas (art. 21, §3º). Além disso, a ANP avaliará a redução de custos decorrentes da regulamentação setorial e da amortização dos investimentos, refletindo no preço final do gás natural ao consumidor (art. 21, §5º).
Plano Nacional Integrado das Infraestruturas de Gás Natural e Biometano
A EPE é a responsável pela elaboração do Plano Nacional Integrado (art. 6º-A), que poderá ter diretrizes estabelecidas pelo Ministério de Minas e Energia (MME) (art. 6º-A, §2º), que também será seu aprovador (art. 6º-C). Esse plano deverá indicar as melhores alternativas, analisadas de forma sistemática, consideradas as instalações apresentadas nos estudos sobre a expansão das infraestruturas do setor de gás natural, inclusive seus derivados, biometano e energéticos equivalentes (art. 6º-B), devendo englobar as instalações e infraestruturas de tratamento, de processamento, de estocagem, de escoamento e de transporte, por qualquer modal logístico, a distribuição por GNC ou GNL, e as instalações e infraestruturas para escoamento, especificação e purificação de biometano (art. 6º-B, §1º). A EPE poderá realizar chamada pública com vistas a estimar a demanda efetiva por serviços nas infraestruturas de todos os elos da cadeia do gás natural e identificar o potencial de oferta e de demanda de gás natural e de seus derivados (art. 6º-E).
Com base no Plano Nacional Integrado, a ANP poderá ofertar aos investidores interessados a outorga da autorização para as atividades das infraestruturas e instalações, por meio de processo seletivo público para escolha do projeto mais vantajoso, considerados os aspectos técnicos e econômicos (art. 6º-F). A Agência também poderá outorgar a autorização para infraestruturas que não estejam previstas no Plano Nacional Integrado, desde que tenham compatibilidade com o planejamento setorial e não prejudiquem o uso eficiente e compartilhado das infraestruturas existentes, permitida a submissão à EPE para avaliação prévia (art. 6º-F, §2º).
A ANP poderá indeferir a solicitação de outorga ou revogação caso:
- O interessado não atenda aos requisitos técnicos, econômicos e jurídicos;
- A infraestrutura não demonstre compatibilidade com o planejamento setorial;
- A infraestrutura se mostre potencialmente prejudicial ao uso eficiente das demais infraestruturas existentes;
- A infraestrutura não seja necessária ao abastecimento nacional e gere impacto ao preço do consumidor; ou
- Ocorra descumprimento da regulação editada pela ANP (art. 6º-F, §3º).
Caso o agente interessado requeira autorização para uma infraestrutura prevista no Plano Nacional Integrado antes do processo seletivo público, a ANP estabelecerá período de contestação para manifestação de outros interessados na sua implantação, e, se houver mais de um interessado, a ANP promoverá processo seletivo público para escolha do projeto mais vantajoso, considerados os aspectos técnicos e econômicos (art. 6º-F, §§4º e 5º).
Para a obtenção da outorga, o agente deverá apresentar à ANP (art. 6º-F, §6º):
- Plano de negócios do investimento da instalação, com o respectivo valor total;
- Potencial de ampliação da capacidade;
- Fluxo de caixa projetado para o investimento;
- Critérios econômicos adotados no fluxo de caixa projetado para o investimento;
- Critérios e períodos de amortização do investimento;
- Remuneração de capital investido, adequada ao risco do negócio;
- Adoção do Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo – IPCA, ou índice que venha a substituí-lo, para o reajuste do valor de investimento durante o período de amortização;
- Cronograma físico-financeiro do projeto; Custos operacionais e de manutenção das instalações.
Os referidos parâmetros serão publicizados pela ANP, incluída a fórmula de cálculo da tarifa e da remuneração justa e adequada (art. 6º-F, §7º), cabendo à ANP também o estabelecimento de metas regulatórias de eficiência operacional para cada ciclo de revisão tarifária (art. 6º-F, §8º), assegurado que todo o investimento necessário para o exercício da atividade – desde que autorizado – será incorporado à base regulatória de ativos (art. 6º-F, §11). O operador da infraestrutura também será responsável por apresentar anualmente à ANP o relatório de receitas recuperadas, com a especificação:
- Da receita gerada no ano;
- Dos custos de operação e manutenção realizados;
- De outros custos associados realizados;
- Do índice de correção inflacionária do período;
- Da depreciação do ativo e da amortização do investimento.
Parâmetros para acesso às infraestruturas essenciais
O Novo Decreto impõe pressupostos para o processo de negociação das infraestruturas de gás natural, estabelecendo que a negociação de acesso e a informação para sua negociação deverá ser gratuita, de boa-fé e sem imposição de contrapartidas para os interessados (art. 11-B c/c. art. 22-A, §1º). Os termos e condições deverão ser padronizados sempre que possível, e, ainda que nenhuma das partes possa dar causa a atrasos na negociação, a busca por uma conclusão rápida não poderá ser usada estrategicamente para obter vantagens em detrimento da outra parte (art. 11-B, II, III e VI).
Estabelece-se ainda como pressuposto do acesso a terceiros que:
- As negociações sejam concluídas, respeitados os limites estabelecidos em regulação, de modo a alcançar um resultado justo e razoável;
- A remuneração pela prestação do serviço considerará a depreciação do ativo e a amortização do investimento na infraestrutura;
- Os operadores de infraestrutura negociarão tarifas em base de custos, com a possibilidade de ser considerado, ainda, o fornecimento de serviços desagregados, quando solicitado e possível;
- A operação das infraestruturas não criará barreiras para o acesso de terceiros ao mercado de gás natural e seus derivados e não prejudicará a concorrência entre os agentes ao longo dos diversos elos da cadeia;
- As sanções contratuais aplicadas pelo operador das infraestruturas e instalações recairão às partes que efetivamente deram causa, e de modo proporcional aos eventuais efeitos negativos à operação das infraestruturas;
- Caso a tarifa de acesso seja paga com parte da produção, inclusive para os derivados de gás natural, os preços adotados serão condizentes com os de mercado e as demais condições comerciais serão justas para ambas as partes.
A ANP terá competência para agir de ofício para verificar controvérsias entre as partes, a qualquer momento da negociação do acesso, ou indícios de eventuais condutas anticoncorrenciais, ressalvadas as competências do Conselho Administrativo de Defesa Econômica (art. 16, §2º).
Os dados e as informações referentes às características técnicas, operacionais e econômicas deverão ser disponibilizados pelos operadores em portal eletrônico único (art. 22-B, § 1º), de modo a facilitar o acesso de toda a sociedade, e o custo por sua implementação e manutenção poderá ser recuperado na tarifa (art. 22-B, § 2º).
Abertura do mercado e regime de transição
A ANP poderá firmar termo de ajustamento de conduta com os agentes do setor, na hipótese de identificar indícios de comportamentos ou medidas que dificultem, tendam a dificultar ou impeçam a abertura do mercado ou a sua liquidez, ou que possam prejudicar a oferta ao consumidor (art. 22-E). Além disso, caso a ANP identifique dissonância com as normas legais ou regulamentares e com as boas práticas internacionais da indústria de petróleo e gás natural, deverá requerer a adequação de todo instrumento, como contratos de suprimento, contratos de acesso às infraestruturas, inclusive o código de conduta e prática de acesso à infraestrutura elaborado pelos proprietários das infraestruturas (art. 22-E, §1º).
A Agência poderá estabelecer restrições, limites ou condições para utilização das infraestruturas pelos seus proprietários e pelas empresas interessadas no acesso, com vistas a promover a efetiva concorrência entre os agentes, especialmente no que se refere a obtenção e transferência de titularidade, acesso às infraestruturas, autorizações, concentração societária e realização de negócios entre partes vinculadas (art. 22-E, §3º).
Soluções individuais e o regime de transição
O art. 26, §1º do Decreto nº 10.712/2021 foi editado para prever que, ao adotar soluções individuais, a ANP considerará:
- O material produzido pela equipe técnica responsável;
- A regulação vigente da ANP, com as devidas adequações à Lei nº 14.134/2021, e à sua regulamentação;
- As boas práticas nacionais e internacionais de regulação econômica de infraestruturas;
- Que a deliberação da ANP poderá prever a obrigatoriedade de o agente regulado adequar-se à regulação específica na ocorrência de sua edição pela Agência.
Estabelece-se que os gastos eficientes necessários para a transição para o modelo de sistema de transporte estabelecido na Lei nº 14.134/2021 deverão ser suportados pelos transportadores e incluídos nos custos e despesas vinculados à prestação do serviço de transporte de todos os respectivos carregadores (art. 26, §2º).
Os operadores das infraestruturas de transporte existentes submeterão à aprovação da ANP, no prazo de cento e oitenta dias, contado da data de publicação do Novo Decreto, proposta de base regulatória de ativos, calculada com metodologia amplamente reconhecida, que considere a depreciação do ativo, a amortização do investimento e a remuneração de capital (art. 26, §3º), e a ANP poderá adotar valor transitório para base regulatória de ativos até a efetivação do disposto no § 3º (art. 26, §4º).
Durante o período em que não forem concluídas as ações regulatórias referentes às tarifas de transporte, a ANP adotará preferencialmente a modalidade postal para as tarifas de transporte, com vistas à mitigação de condições que possam favorecer discrepâncias acentuadas de preços entre as regiões do País (art. 26, §5º). A tarifa postal é definida no Novo Decreto como a tarifa uniforme cobrada de todos os carregadores do sistema de transporte de gás natural, independentemente da distância, de sua localização na malha de gasodutos e do seu operador, a qual pode ser diferenciada entre entrada e saída (art. 26, §6º).
Pelo período de transição, até que sejam concluídas as ações regulatórias referentes à taxa de remuneração dos ativos de infraestrutura, a taxa de remuneração poderá ser calculada com base em metodologia amplamente reconhecida, previamente aprovada pela ANP e condizente com as condições macroeconômicas do mercado de atuação e com os riscos da atividade, com revisão quinquenal para atualização dos parâmetros financeiros do cálculo do custo de capital de terceiros (art. 26, §9º). Durante esse período, até que sejam concluídas as ações regulatórias para atingimento da liquidez do mercado, os transportadores poderão desenvolver plataforma de negociação, balanceamento e comercialização de gás natural (art. 26, §10º) e o custo de seu desenvolvimento poderá ser incorporado na tarifa do sistema de transporte, a critério da ANP (art. 26, 11).
Para mais informações, conheça a prática de Infraestrutura e Energia do Mattos Filho.