PL 4.401/2021: criptoativos e impactos para as “heranças digitais”
Avanço das discussões sobre regulamentação de criptos pode abrir novas alternativas jurídicas em termos de organização e planejamento patrimonial e sucessório
O plenário do Senado Federal aprovou, em 26 de abril de 2022, o Projeto de Lei nº 4.401/2021, que dispõe sobre a atuação de prestadoras de serviços de trocas, transferências e administração de criptoativos e oferece diretrizes para tais operações.
O texto ainda voltará à análise da Câmara dos Deputados, mas constitui importante marco no processo de regulamentação do mercado nacional de criptomoedas, que, como informado pela própria Agência Senado, ganhou força no cenário econômico brasileiro e atingiu o marco histórico de R$ 215 bilhões em negócios de compra e venda em 2021.
O movimento pela regulamentação de criptoativos vem em boa hora, porque o cenário atual de ausência de um órgão central controlador e a inexistência de indexadores oficiais fornecendo o valor de conversão dessa moeda para a moeda oficial, torna esse novo ambiente de negócios, apesar de sua notória relevância econômica, inseguro juridicamente, inclusive em relação aos efeitos sucessórios decorrentes do falecimento de quem detém criptoativos – o que é usualmente chamado de “herança digital”.
Além do PL aprovado, existem dois outros projetos (PL n° 3.050/2020 e PL n° 5.820/2019) sob análise do Congresso Nacional e que também pretendem trazer maior segurança jurídica para as discussões envolvendo herança digital.
O PL nº 3.050/2020 visa a complementar o art. 1.788 do Código Civil (CC), que dispõe sobre a transmissão dos bens do falecido aos seus herdeiros legítimos quando não existe um testamento. Caso a proposta seja aprovada, passaria a haver disposição legal expressa no sentido de que a sucessão obrigatória também alcança os arquivos digitais de titularidade do autor da herança.
Por sua vez, o PL nº 5.820/2019 versa sobre manifestações de última vontade e os bens que podem ser transferidos por instruções dadas por estes instrumentos. Além de pretender a inclusão dos ativos incorpóreos, o projeto também traz importante definição sobre a herança digital: “(…) entendendo-se essa como vídeos, fotos, livros, senhas de redes sociais, e outros elementos armazenados exclusivamente na rede mundial de computadores, em nuvem”.
Referidas iniciativas são relevantes e pioneiras, considerando os grandes entraves de ordem prática que a falta de regulamentação acarreta nesses cenários.
Acesso à carteira digital
Afinal, como assegurar aos herdeiros o acesso às informações da carteira digital diante da inviolabilidade da tecnologia dos criptoativos, que é constituída com base em um sistema criptografado, de modo que seu acesso ocorre por meio de uma única senha, disponibilizada exclusivamente ao seu titular? Como identificar a extensão do acervo digital a ser transmitido aos herdeiros se não há um órgão central que possa ser acionado para disponibilizar essas informações? Como fiscalizar a transferência de criptoativos e avaliar se houve violação à parcela do patrimônio que, por lei, cabe aos herdeiros do titular dos ativos considerando que sequer há intermediação de instituições financeiras nessas transações? Como assegurar aos herdeiros a transferência da propriedade dos criptoativos?
Essas são apenas algumas dúvidas que são levantadas em decorrência do atual cenário de vácuo legislativo, de modo que o grande desafio agora passa a ser a busca por alternativas capazes de harmonizar os irrefreáveis avanços tecnológicos com os institutos já previstos pelo direito sucessório brasileiro, de forma a garantir a sempre necessária segurança jurídica.
Nesse contexto desafiador de compatibilização de um mercado breve e contemporâneo com uma estrutura jurídica antiga, uma possibilidade, por exemplo, é a utilização do testamento cerrado como mecanismo para assegurar que os herdeiros tenham as informações necessárias sobre o patrimônio digital, sem que haja comprometimento do sigilo assegurado ao titular dos criptoativos, ainda que haja a necessidade de sua constante atualização, sob pena de inutilizar a carteira do titular, uma vez que a cada transação de criptoativos é gerada uma nova chave de acesso.
Ainda, valendo-se da experiência internacional, como Reino Unido e Estados Unidos, outras alternativas seriam:
- A utilização de cofres físicos, armazenando a senha escrita em um papel;
- O uso do sistema de ausência da conta de e-mail, de modo que o próprio sistema dispararia a senha aos herdeiros ao identificar um período sem acesso pelo titular;
- A utilização de smart contracts na forma de um testamento digital.
Todas essas possibilidades têm fragilidades e vantagens a serem avaliadas diante do caso concreto – sendo necessário ponderar a conveniência de se engessar a utilização de tais ativos por meio de um testamento cerrado; de confiar a um único herdeiro o recebimento da senha do cofre físico onde a senha da plataforma está armazenada; de fiscalizar a eventual malversação desse recebedor resultando em casos ou mesmo mecanismos de violação à herança dos demais herdeiros.
Uma conclusão é certa: a proposta de regulamentação dos criptoativos foi um importante insumo no fomento ao debate sobre as novas formas de investimento e, apesar das incertezas e questionamentos que naturalmente se entendem ao universo jurídico, a nova realidade de negociações pode também abrir novas e importantes alternativas jurídicas em termos de organização e planejamento patrimonial e sucessório.
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