Contribuições destinadas a terceiros: incertezas acerca das regras processuais
Tema levanta a discussão sobre contra quem o contribuinte deverá mover ações em casos de pagamentos indevidos
Assuntos
O Superior Tribunal de Justiça (STJ) incluiu os Processos nos 1.898.532/CE e 1.905.870/PR (Tema Repetitivo 1.079) na pauta de julgamento da Sessão Ordinária da Primeira Seção do dia 25 de outubro de 2023, onde será finalmente definido se o limite de 20 salários mínimos é aplicável à apuração da base de cálculo de contribuições destinadas a terceiros.
Uma vez que referidas contribuições são destinadas a terceiros, questiona-se há tempos: contra quem moverá o contribuinte a ação questionando a sua exigibilidade e buscando a recuperação dos valores pagos indevidamente? Somente a União, apenas as entidades beneficiadas ou ambas?
O STJ enfrentou parcialmente a questão no âmbito do julgamento da Primeira Seção nos Embargos de Divergência em Recurso Especial nº 1.619.954, sob relatoria do Ministro Gurgel de Faria.
Mediante a leitura dos votos proferidos naquele julgamento, é possível extrair premissas que auxiliam a compreender o tema em análise.
Isso porque o Ministro Relator Gurgel de Faria fez menção à jurisprudência do STJ de que detém legitimidade passiva a pessoa jurídica que exerce as atribuições de arrecadação, fiscalização e repasse, excluindo-se até mesmo o ente federado detentor da competência tributária.
Para tanto, o Ministro Relator buscou respaldo em posicionamento firmado pela Corte Superior ao tratar da legitimidade ad causam dos Estados da Federação, aos quais pertencem o produto da arrecadação do imposto de renda incidente na fonte sobre os rendimentos pagos por eles, para figurar no polo passivo das ações propostas por servidores públicos estaduais que visam ao reconhecimento do direito à isenção ou à repetição do indébito.
Para adotar a conclusão quanto à ilegitimidade das entidades, o principal fundamento foi de que a posterior destinação a terceiro de tributo arrecadado pela União transforma essa parcela em espécie de subvenção.
Todavia, o Ministro Relator foi silente à hipótese em que a arrecadação das contribuições não é feita pela União e sim diretamente pelas entidades parafiscais.
Neste cenário, poderia se aplicar o racional de que a legitimidade passiva seria, na realidade, das entidades parafiscais, pois estas são responsáveis pela arrecadação e fiscalização do tributo e, por isso, deveriam figurar exclusivamente no polo passivo com a exclusão do ente federado detentor da competência tributária (União).
Já para a Ministra Assusete Magalhães “havendo arrecadação direta, os serviços sociais autônomos possuem legitimidade e interesse processual para figurarem no polo passivo de ações em que se questionam as contribuições de terceiros”.
Nesse sentido, apesar de reconhecer a legitimidade passiva da União no caso concreto, a Ministra ressaltou que a legitimidade exclusiva dela é excetuada nos casos de arrecadação direta por meio de celebração de convênio: “Com efeito, após o advento da Lei 11.457/2007, a União passou a ter legitimidade exclusiva para responder às ações que visam a declaração de inexigibilidade de contribuições de terceiros, assim como a restituição e/ou compensação de valores recolhidos, a esse título, supostamente de modo indevido ou a maior, exceto nos casos de arrecadação direta, realizada mediante convênio.”
Ou seja, apesar de não constar expressamente no voto da Ministra Assusete Magalhães, seria possível inferir a interpretação de que as entidades seriam partes legítimas passivas ad causam na hipótese de convênio de arrecadação direta.
Essa conclusão está em consonância com interpretação dada pela Segunda Turma do STJ no Recurso Especial nº 1.925.735 ao julgamento dos Embargos de Divergência: “2. Do precedente, pode-se concluir que: 2.1.) a jurisprudência do STJ reconhece a legitimidade ativa ad causam das entidades destinatárias para propor ações de cobrança de contribuições de terceiro, nas hipóteses em que a legislação específica admite a arrecadação direta de tais contribuições e, por consequência, 2.2.) em havendo arrecadação direta, as entidades terceiras possuem legitimidade e interesse processual para figurarem no polo passivo de ações em que se questionam as respectivas contribuições […].”
Também há precedentes do Tribunal Regional Federal (TRF) da 3ª Região admitindo a participação do Serviço Social da Indústria (SESI) e Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial (SENAI) na relação processual especificamente em razão da existência de convênio de arrecadação direta celebrado entre o contribuinte e as entidades parafiscais, mas não houve exclusão do Delegado da Receita Federal do Brasil (RFB) do polo passivo do mandado de segurança originário.
A discussão, contudo, aparenta que ganhará ainda novos contornos após julgamento dos Embargos de Divergência em Recurso Especial nº 1.571.933, em que o Ministro Gurgel de Faria abriu voto divergente vencedor para declarar a ilegitimidade ativa do SENAI para cobrança de contribuições de terceiro em face dos contribuintes que promovem a arrecadação direta.
O acórdão do STJ ainda não foi disponibilizado para leitura dos votos, mas os Ministros discutiram a própria legalidade da delegação da capacidade tributária ativa ao SENAI após a edição da Lei nº 11.457/2007, que transferiu a competência pela arrecadação e cobrança das contribuições de terceiros à RFB.
Essa controvérsia tem impacto relevante na estratégia processual a ser adotada, pelo fato de essas entidades serem pessoas jurídicas de direito privado sujeitas à jurisdição da Justiça Estadual, como é o exemplo do SESI, nos termos da Súmula 516 do STF.
Apesar disto, concernente à contribuição adicional destinada ao SENAI, cuja arrecadação sempre fora feita diretamente à entidade, a Primeira Seção do STJ já entendia pela competência da Justiça Federal para processamento de mandado de segurança contra ato de entidade particular com função delegada pelo Poder Público Federal (CC 35.972/SP; CC 122.713/SP), com fundamento no artigo 109, VIII, da Constituição Federal.
Por fim, outra questão controvertida é a responsabilidade pela devolução dos valores pagos indevidamente, se a União ou se as entidades parafiscais.
Por meio do artigo 6º da Instrução Normativa nº 2055/2021, a RFB excetuou expressamente a restituição de contribuições destinadas a terceiros na hipótese de arrecadação direta realizada mediante convênio. Confira-se: “Art. 6º Compete à RFB efetuar a restituição dos valores recolhidos para outras entidades ou fundos, exceto no caso de arrecadação direta”.
Dessa forma, conclui-se que a tentativa de recuperação dos valores, perante a União, dos valores pagos diretamente às entidades parafiscais sofrerá resistência por parte da RFB.
Expostas tais considerações, os contribuintes deverão avaliar cuidadosamente os riscos da medida judicial a ser escolhida para ingressar na esfera judicial até que o Poder Judiciário se manifeste definitivamente sobre as regras processuais quanto à discussão da exigibilidade e do indébito correlato das contribuições destinadas a terceiros quando há arrecadação direta pelas entidades, enfrentando os possíveis desdobramentos desta controvérsia.
Para mais informações sobre o julgamento desses temas, conheça a prática de Tributário do Mattos Filho.