Companhias abertas: demonstrações financeiras em tempos de Covid-19
Eventuais impactos do novo coronavírus nos resultados das companhias e possíveis consequências sobre suas demonstrações financeiras
Assuntos
As demonstrações financeiras correspondem a um dos mais relevantes documentos de apresentação periódica por companhias abertas. Sua elaboração deve seguir as regras definidas pela Lei nº 6.404/76 e as normas editadas pela CVM, e seu conteúdo deve “exprimir com clareza a situação do patrimônio da companhia e as mutações ocorridas no exercício”.
Com a reforma introduzida pela Lei nº 11.638/07 e a convergência das normas brasileiras às normas internacionais de contabilidade, torna-se necessária uma avaliação mais aprofundada sobre as finalidades últimas e os efeitos econômicos das diversas transações feitas pela companhia, para sua correta contabilização, de forma que as demonstrações financeiras sejam capazes de transmitir informações mais precisas sobre o desempenho passado, bem como fornecer elementos para o mercado acerca de expectativas futuras de desempenho.
Sendo as demonstrações financeiras elemento fundamental para uma tomada de decisão consciente de investimento em uma companhia, o conjunto de informações nelas apresentado deve traduzir fielmente a sua situação econômico-financeira.
Atenta aos profundos impactos da atual pandemia da Covid-19 nos mercados de capitais mundiais e no Brasil, a CVM editou o Ofício Circular nº 02/2020, no qual levantou preocupações quanto aos seus efeitos sobre as demonstrações financeiras e ressaltou que eventuais impactos devem ser, na medida do possível, refletidos nas demonstrações financeiras das companhias sujeitas à regulamentação da CVM.
A Autarquia determinou que os principais riscos e incertezas advindos da análise dos impactos da Covid-19 nos negócios devem ser reportados, observadas as normas contábeis aplicáveis, dando-se especial atenção aos eventos econômicos que tenham relação com a continuidade dos negócios e/ou às estimativas contábeis levadas à efeito. Além disso, a CVM determinou que:
- Para as companhias com exercício social findo em 31 de dezembro de 2019, eventuais impactos devem ser registrados como eventos subsequentes em linha com o CPC 24 – Eventos Subsequentes;
- Para as companhias cujo exercício social se encerra após 31 de dezembro de 2019 ou cuja preparação do 1º ITR de 2019 já esteja em andamento, eventuais riscos e incertezas podem impactar de forma direta a preparação das demonstrações financeiras do período.
A CVM tem se mostrado sensível ao momento único enfrentado pelo mercado de capitais e vem pautando nos últimos meses sua atividade regulatória no sentido de flexibilizar requisitos formais ao mesmo tempo em que busca promover a melhor divulgação pública de informações em benefício das companhias abertas e dos investidores.
Dito isso, se torna latente o paralelo que pode ser feito entre as recomendações trazidas pelo referido ofício, que aborda medidas a serem adotadas por companhias já registradas, e as demonstrações financeiras preparadas no contexto dos pedidos de registro de emissor que se encontram atualmente em análise (ainda que temporariamente interrompidos) pela CVM.
A submissão de um pedido de registro de emissor de valores mobiliários junto à CVM deve ser instruída por uma série de documentos exigidos por meio da Instrução 480/09, dentre eles as demonstrações financeiras históricas do emissor e as chamadas “demonstrações financeiras especialmente elaboradas para fins de registro”, nos termos dos artigos 25 e 26 da mesma instrução. Tais demonstrações financeiras devem se referir ao último exercício social ou a data posterior, caso tenha ocorrido alteração relevante na estrutura patrimonial do emissor após a data de encerramento do último exercício social.
O conceito de “alteração relevante na estrutura patrimonial” não possui uma métrica objetiva divulgada pela CVM. De acordo com o Ofício circular nº 02/2020, deve-se entender por alteração relevante na estrutura patrimonial do emissor “qualquer alteração significativa, em termos absolutos ou percentuais, de sua estrutura patrimonial como, por exemplo, seu capital social, patrimônio líquido, índice de estrutura patrimonial (passivo circulante acrescido do passivo não circulante, dividido pelo ativo total) ou índice de endividamento (passivo circulante acrescido do passivo não circulante, dividido pelo patrimônio líquido)”.
Conforme determinado pela própria CVM, eventuais impactos da Covid-19 devem ser refletidos nas demonstrações financeiras das companhias abertas. Nada mais natural, portanto, que os impactos da pandemia sejam também refletidos nas demonstrações financeiras elaboradas por companhias que estejam pleiteando o registro de emissor junto à CVM (ou que pretendam obtê-lo em breve).
Não obstante não exista, até o momento, qualquer orientação formal da CVM a esse respeito, caberá a cada companhia que apresentar a partir de agora um pedido de registro de emissor de valores mobiliários avaliar junto aos seus auditores independentes os impactos ou “alterações relevantes” que sua estrutura patrimonial possa ter sofrido ou que se espera venha a sofrer como consequência da pandemia.
Deve-se, assim, ponderar, com base no potencial impacto que a pandemia tenha trazido para os negócios das companhias e os reflexos em seus resultados, a necessidade de se apresentar, no âmbito do processo de registro, novas demonstrações financeiras auditadas, referentes a período posterior a 31 de dezembro de 2019, de forma que os efeitos da pandemia sejam refletidos no conjunto de informações que serão analisadas pela CVM como condição da concessão do registro de emissor.
Para mais informações, conheça a prática de Mercado de Capitais do Mattos Filho.