Os Comitês Independentes nas companhias abertas
Comitês têm conquistado relevância nas organizações
Assuntos
Em 2008, a Comissão de Valores Mobiliários (CVM) divulgou o Parecer de Orientação n.° 35, com o objetivo de propor cautelas e procedimentos a serem adotados pelos administradores de companhias abertas ao avaliarem operações de fusão, incorporação e incorporação de ações envolvendo a sociedade controladora e suas controladas ou sociedades sob controle comum.
A recomendação do Parecer 35 da CVM é que, nesses casos de fusão, incorporação e incorporação de ações envolvendo a sociedade controladora e suas controladas ou sociedades sob controle comum, seja criado um Comitê Independente para negociar a pretendida operação societária ou, alternativamente, que a operação seja condicionada à aprovação da maioria dos acionistas não-controladores.
O Comitê Independente seria, portanto, um órgão societário da companhia criado especialmente para avaliar se, na pretendida operação societária, a relação de troca e demais condições propostas estão justas, sem benefícios especiais ou desproporcionais ao acionista controlador.
Na prática, na bem-sucedida experiência brasileira envolvendo companhias abertas desde a publicação do Parecer de Orientação 35, os Comitês Independentes vêm sendo criados não só em casos de fusão, incorporação e incorporação de ações, mas em outras situações em que a administração da companhia aberta entenda que uma determinada operação, circunstância ou contratação pode se deparar com interesses conflitantes por parte da própria administração, do acionista controlador ou do acionista (ou grupo de acionistas) de referência da companhia.
Os Comitês Independentes têm sido constituídos, assim, como forma de isolar os administradores, acionista controlador ou acionistas de referência de uma decisão societária que pode conter algum benefício particular ou conflito com a companhia. Nestes casos, formar um Comitê Independente tem sido uma boa prática de governança corporativa.
Liberdade na criação e funcionamento dos comitês
Como a figura do Comitê Independente não está prevista na Lei das S.A. e sua utilização vem sendo inspirada no Parecer de Orientação n.° 35 da CVM – o qual, por sua vez, não é um documento de adoção obrigatória, mas sim uma série de recomendações da CVM –, há bastante liberdade na criação e funcionamento dos Comitês Independentes pelas companhias abertas no Brasil. O que se vê na experiência nacional é que a figura dos Comitês Independentes encontra-se em plena e rápida construção, com alguns modelos e variações sendo testados.
O panorama e as discussões trazidas neste artigo, portanto, não pretendem exaurir o tema ou propor um arcabouço firme que deve ser aplicado indistintamente para todos os Comitês Independentes, mas tão-somente delinear o atual momento em que este órgão vem sendo adotado pelas companhias abertas no Brasil. A certeza que se pode ter neste momento é que a criação de Comitês Independentes para lidar com questões sensíveis nas companhias abertas ainda tem muitas possibilidades a serem desenvolvidas e aplicadas.
Escopo de atuação dos Comitês Independentes
Como os Comitês Independentes não têm previsão na legislação e na regulamentação que regem as companhias abertas, é importante que o escopo da atuação do Comitê Independente seja bem delineado quando da sua constituição.
Por exemplo, caberá ao Comitê Independente apenas avaliar a transação e emitir uma recomendação para análise pelo Conselho de Administração, ou o Comitê Independente deverá efetivamente entrar em negociações com o Conselho de Administração, como um órgão paralelo? Ainda, o Comitê Independente deve avaliar a relação de troca proposta ou deve também negociar os demais documentos a serem assinados no contexto da operação societária proposta?
Uma vez definido o escopo de sua atuação, os membros do Comitê Independente devem se ater a ele, evitando extrapolar suas competências. Eventuais dúvidas do Comitê Independente sobre se uma determinada análise encontra-se em seu escopo de atuação podem ser remetidas para esclarecimento pelo Conselho de Administração.
É recomendável, neste sentido, que todos os trabalhos, reuniões, indagações e análises do Comitê Independente sejam formalizados, arquivados e, eventualmente, consolidados em relatórios, atas e outros materiais que podem ser oportunamente apresentados ao Conselho de Administração ou outros interessados em apurar os trabalhos desenvolvidos pelo Comitê Independente, caso seja necessário.
Vinculação societária ao Conselho de Administração
Em linha com a recomendação do Parecer de Orientação 35 da CVM, a prática largamente adotada pelas companhias abertas no Brasil tem sido constituir o Comitê Independente vinculado ao Conselho de Administração. O Comitê Independente, portanto, geralmente reporta, negocia e dialoga com o Conselho de Administração e, em geral, o resultado de seu trabalho é um relatório ou recomendação formal ao Conselho de Administração, contendo as conclusões e opiniões do Comitê Independente dentro dos limites de seu escopo de atuação.
Por contraponto, o Comitê Independente não reporta aos acionistas minoritários, aos credores, empregados ou outros stakeholders da companhia aberta, nem caberia ao Comitê Independente agir buscando endereçar as preocupações ou interesses de todos estes grupos.
Seria, de fato, uma tarefa hercúlea exigir que o Comitê Independente considere todos os interesses de todos os demais stakeholders da companhia, quando mesmo dentro de cada um destes grupo pode haver interesses conflitantes! Um parte dos acionistas minoritários pode preferir uma alta rápida da valorização das ações, para poder vender rapidamente e gerar retorno adequado aos seus investimentos, enquanto uma outra parte pode preferir assegurar fluxo constante de dividendos e perenidade, ao custo de uma menor valorização no curto prazo. Não deve ser responsabilidade do Comitê Independente assegurar que todos estes interesses sejam atendidos.
Por isto, ao estabelecer um Comitê Independente, a administração da companhia deve assegurar a sua independência para que este avalie a questão que lhe for trazida sob a única perspectiva da própria companhia, embora logicamente considerando subsidiariamente os impactos de sua recomendação aos demais stakeholders, mas sem estar a eles vinculados.
Composição do Comitê Independente
Como o próprio nome sugere, é imprescindível que a maioria dos membros do Comitê Independente não sejam partes relacionadas nem tenham vinculação societária ou dependência econômica ou profissional perante a companhia, sua administração e seus acionistas controladores ou de referência.
Por outro lado, não se pode ignorar que, para o bom andamento dos trabalhos do Comitê Independente, deve se buscar criar uma relação respeitosa entre o Conselho de Administração e o Comitê Independente, inclusive porque não raro cabe ao Comitê Independente efetivamente negociar, propondo ao Conselho de Administração ajustes à relação de troca ou a outras condições comerciais em relação à situação proposta para sua análise.
O Comitê Independente pode, inclusive, ser composto apenas por membros do Conselho de Administração, desde que a maioria dos membros do Comitê Independente, neste caso, sejam os membros independentes do Conselho de Administração.
Ainda que os membros do Comitê Independente sejam todos membros do Conselho de Administração, é recomendável que tenham uma remuneração adicional, compatível com a tarefa que assumirem e a sensibilidade do assunto que devem avaliar. O pagamento de remuneração em níveis de mercado é mais uma medida que busca assegurar a independência do comitê..
Forma de trabalho
O Comitê Independente deve ter autonomia para conduzir os seus trabalhos dentro do escopo estabelecido pelo Conselho de Administração, sujeito a um cronograma e procedimentos discutidos e acordados junto ao Conselho de Administração. É importante que o Comitê Independente tenha liberdade para, inclusive, requerer a revisão do cronograma, procedimentos, orçamento e outras definições apresentadas ou discutidas com o Conselho de Administração.
Para o bom andamento dos trabalhos, pode ser relevante que o Comitê Independente se reúna periodicamente com o Conselho de Administração para atualizá-lo sobre as análises já realizadas e pontos de preocupação ou aprofundamento ainda pendentes, bem como expor termos da operação proposta que o Comitê Independente considere que devam ser alterados.
É altamente recomendável, neste sentido – como, nota-se, tem sido a prática nacional – que o Comitê Independente possa contratar seus próprios assessores, sejam estes assessores jurídicos, financeiros, contábeis ou quaisquer outros que se façam necessários para avaliar seus trabalhos, também dentro do orçamento acordado com o Conselho de Administração.
O Comitê Independente deve ter liberdade para estabelecer as análises, estudos, requerer informações e realizar as diligências que considerar adequadas para chegar à sua conclusão. Tais análises e diligências serão realizadas diretamente pelos membros do Comitê Independente ou seus assessores contratados para atender o Comitê Independente.
A sensibilidade dos trabalhos do Comitê Independente é justamente acertar o ponto ótimo entre quais análises devem ser feitas de forma independente pelo Comitê Independente e seus assessores, e quais análises já realizadas pela Administração podem ser acatadas pelo Comitê Independente e não precisam ser repetidas, bem como o nível de profundidade adequado para as análises.
Não se deve ignorar, neste ponto, que enquanto o Comitê Independente trabalha a companhia e seus stakeholders aguardam e a cotação das ações oscila, por vezes com certa ansiedade, na expectativa de uma definição sobre a operação proposta, de forma que o Comitê Independente também deve buscar realizar seus trabalhos de forma eficiente e focando nos pontos relevantes necessários para a sua adequada atuação.
O Comitê Independente não precisa, portanto, repetir todas as diligências e análises já realizadas pela Companhia, caso entenda que são suficientes. O importante é que o Comitê Independente tenha autonomia para definir, aconselhado por seus assessores independentes, quais diligências, informações e análises precisam ser reavaliadas, repetidas ou mesmo refeitas.
Divulgação e publicidade
Os materiais preparados pelo Comitê Independente não precisam ser divulgados. Não há esta obrigatoriedade.
Este debate pode ser interessante pois, à primeira vista, pode parecer que seria de interesse de todos os acionistas que os materiais preparados pelo ou para o Comitê Independente fossem divulgados. Todavia, há que se considerar que as divulgações de uma companhia aberta são feitas para todos, acionistas ou não, inclusive seus concorrentes ou terceiros que, em posse de uma informação sensível ou estratégica da companhia aberta, podem utilizá-las em prejuízo à própria companhia aberta.
Este é um dilema inerente à condição das companhias abertas, mas que se torna mais importante quando analisado no contexto da atuação do Comitê Independente, que é criado justamente para trazer transparência a uma situação de grande sensibilidade, mas por outro lado acaba tendo acesso a diversas informações estratégicas e confidencial ao performar o seu trabalho.
A recomendação, dessa forma, é que a decisão sobre o que deve ser divulgado ou não seja discricionária do Comitê Independente e do Conselho de Administração, considerando a necessidade e os benefícios (ou riscos) para a companhia aberta.
Responsabilidade dos membros do Comitê Independente
Embora ainda não haja precedentes ou julgados relevantes analisando a responsabilidade dos membros de Comitês Independentes, entende-se que os membros do Comitê Independente estão sujeitos, tal qual os demais membros da Administração de uma sociedade anônima, aos mesmos deveres estabelecidos na Lei das S.A. e na regulamentação da CVM, especialmente os deveres de diligência, lealdade, sigilo, vedação à atuação em conflito de interesses e à negociação de valores mobiliários em posse de informação privilegiada.
Uma vez observados tais deveres, não devem os membros do Comitê Independente ser responsabilizados pelo teor de suas decisões. Não têm, portanto, obrigação de fim, mas sim de meio.
É a chamada business judgement rule. Ou seja, desde que os membros do Comitê Independente sejam diligentes no cumprimento de seus deveres, atuem em boa-fé e buscando o melhor interesse da Companhia, não podem ser responsabilizados caso suas recomendações não tragam, na prática, os resultados inicialmente esperados.
Por outro lado, considerando que Comitês Independentes são geralmente criados para lidar com questões sensíveis, que geralmente envolvem potenciais conflitos de interesses ou benefícios particulares na companhia aberta, cabe aos membros de Comitês Independentes cautela ao assumir a função e ao conduzir as análises para os quais foram eleitos. Daí a recomendação – ora reiterada – que o Comitê Independente registre e formalize os cuidados adotados e estudos realizados que amparam suas conclusões.
Recomenda-se, por fim, aos membros eleitos para compor Comitês Independentes que verifiquem se seus atos estão cobertos pela apólice de seguro de responsabilidade profissional (chamadas D&O) da companhia aberta, ou se será necessário prever algum tipo de proteção suplementar, a depender da sensibilidade do escopo de sua atuação.
Para saber mais, conheça a prática de Direito Societário/M&A do Mattos Filho.