CNE reconhece a oferta de curso superior com atraso na análise da SERES
Decisão proferida no recurso administrativo estabelece importante precedente para IES
Em decisão paradigmática proferida em 7 de julho de 2021, a Câmara de Educação Superior do Conselho Nacional de Educação (CES/CNE) inovou ao aplicar a Portaria SERES nº 279/2020, elaborada à luz da Lei nº 13.874/2019 (Lei da Liberdade Econômica), para pedido de autorização de curso superior protocolado antes da publicação da norma e de sua regulamentação no âmbito da Secretaria de Regulação e Supervisão da Educação Superior (SERES).
No caso, a CES/CNE entendeu que, quando já houver decorrido o prazo para a aprovação tácita do curso, a SERES não pode aplicar medidas cautelares à Instituição de Ensino Superior (IES), que iniciou a oferta antes da publicação do ato autorizativo correspondente. Assim, a decisão é um importante precedente na garantia de que as IES não precisam aguardar indefinidamente a apreciação de processos ou a edição de atos pela SERES para iniciar sua operação.
Cursos autorizados tacitamente podem funcionar antes da edição do ato autorizativo
No caso discutido (processo SEI nº 23000.026280/2020-33), a IES havia protocolado junto à SERES pedido de autorização para oferecer curso superior de Direito (bacharelado), na modalidade à distância (EAD), em maio de 2009. Contudo, o processo só foi encaminhado para emissão do parecer final pela SERES sete anos depois do requerimento, em maio de 2016.
Embora a avaliação externa in loco tenha constatado a excelente qualidade da proposta e condições adequadas de oferta do curso, até 2020, a SERES ainda não havia decidido ou publicado o ato autorizativo correspondente. Dessa forma, a IES decidiu iniciar o funcionamento do curso, independentemente da decisão final do órgão.
Ao tomar ciência da atividade do curso, a SERES, dessa vez, agiu rápido e aplicou medidas cautelares à IES, determinando a suspensão do ingresso de novos alunos e o sobrestamento de processos regulatórios. Houve, então, a interposição de recurso contra a decisão da SERES que determinou a aplicação de medidas cautelares, no qual o precedente foi fixado.
De acordo com o entendimento do Relator, Conselheiro Marco Antonio Marques, com a edição da Lei de Liberdade Econômica e do Decreto nº 10.178/2019, deve haver a presunção de boa-fé do particular em face do Estado, de modo a não ser prejudicado pela excessiva demora na edição de atos de liberação de atividades econômicas privadas, como é o caso do ensino superior. Em linha com o que determina a norma, todas autoridades responsáveis por atos públicos de liberação da atividade devem fixar prazo para a conclusão da análise dos requerimentos e, uma vez esgotado o prazo sem o exame correspondente, ocorre a aprovação tácita do ato.
Prazo para aprovação da SERES
Depois da edição da Lei de Liberdade Econômica, o MEC editou a Portaria nº 783/2020, estabelecendo prazos para a aprovação tácita de atos públicos de liberação, tais como o credenciamento, quando estes forem de competência do Ministro de Estado da Educação. Na mesma linha, a SERES editou a Portaria nº 279/2020, por meio da qual estabeleceu, dentre outros, que pedidos de autorização de curso nas modalidades presencial ou à distância devem ser examinados em até 540 dias, sob pena de aprovação tácita.
Tendo em vista a ausência de previsão normativa de uma regra de transição, o entendimento adotado pela CES/CNE foi de que todos os processos em tramitação, mesmo antes da entrada em vigor das referidas normas, estariam abrangidos pela Portaria SERES.
Conforme concluiu o Conselheiro, a excessiva demora da SERES na análise do pleito teria implicado a aprovação tácita do curso da IES, não haveria irregularidade na oferta do curso apta a justificar a adoção das restrições cautelares. Não bastasse afastar as sanções, o órgão ainda determinou que a SERES atualizasse o sistema com a edição do ato autorizativo correspondente, de modo a manter regular a situação da IES.
Decisão é um precedente favorável ao setor de educação, mas é preciso cautela
A decisão foi aprovada por unanimidade e é de extrema relevância às IES, sobretudo por permitir o início da operação do curso independentemente da edição do ato autorizativo correspondente, o que tende a representar ganhos efetivos na captação de estudantes e elevação de receitas.
Da mesma maneira, o posicionamento firmado pela CES/CNE também indica a tendência do órgão de aplicar a Lei de Liberdade Econômica ao setor de ensino, reforçando a natureza de atividade privada regulamentada que deriva do art. 209 da Constituição Federal. Esse elemento é de fundamental relevância para assegurar o exercício de uma série de liberdades por parte das IES, dentre as quais a de desenvolver iniciativas pedagógicas inovadoras que, agora, terão um horizonte para serem colocadas em prática, independentemente da chancela da SERES.
Os efeitos da decisão podem ser ainda mais representativos, uma vez que pedidos de autorização de cursos 100% a distância, na forma do art. 8º, § 1º, da Portaria Normativa 11/2017, devem ser automaticamente deferidos em até 540 dias, na forma da Portaria nº 279/2020.
Por mais que o precedente seja animador e revele uma tendência de posicionamentos futuros do CNE/CES, vale lembrar que ainda prevalece o entendimento de que as decisões do órgão precisam ser homologadas pelo Ministro da Educação para que tenham efetividade. É importante, portanto, que as IES estejam atentas para a efetiva homologação do parecer do CNE/CES antes de adotar qualquer medida, de modo que é necessário avaliar com cuidado cada ação e suas consequências.
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