Câmara aprova Projeto de Reforma da Lei de Recuperação Judicial e Falência
Projeto traz mudanças relevantes à lei atual, mas ainda precisa ser aprovado no Senado
Assuntos
A Câmara dos Deputados aprovou, na última quarta-feira, 26 de agosto, o texto da Subemenda Substitutiva Global ao Projeto de Lei 6.229/2005, que altera disposições relevantes da Lei de Recuperação Judicial e Falência, Lei 11.101/2005, e da Lei 10.522/2002, que regulamenta o CADIN (Cadastro Informativo de Créditos não Quitados do Setor Público Federal).
Assim como o texto original da Lei 11.101/2005, o projeto mantém como princípio norteador a preservação da empresa, visando a aprimorar os mecanismos de recuperação judicial e recuperação extrajudicial. O projeto buscou, também, positivar alguns temas que já são comuns em processos de insolvência, mas que, até o momento, vinham sendo enfrentados somente pela jurisprudência, diante da lacuna legal.
No que tange à falência, aplicável às hipóteses em que o soerguimento da empresa não for possível, o projeto procurou acelerar a liquidação de ativos, a fim de permitir a rápida reinserção do empresário falido no mercado (o chamado fresh start).
Dentre as diversas modificações trazidas pelo novo regramento, destacam-se:
Financiamento Pós-Concursal (debtor-in-possession financing)
Apesar do silêncio da Lei 11.101/2005 no que tange a um tratamento mais sistemático, no Brasil há casos importantes que envolveram a concessão de financiamentos DIP, como OGX, OAS e Oi. Sob a nova disciplina, a empresa poderá obter empréstimos garantidos por bens e direitos seus ou de terceiros, com o objetivo de financiar ou preservar suas atividades e ativos. Tais empréstimos poderão ser deferidos pelo juízo, uma vez ouvido o Comitê de Credores, e poderão contar com garantias reais ou fiduciárias sobre ativos não circulantes do devedor. A lei pretende, portanto, dar maior fôlego ao devedor e, assim, facilitar sua revitalização por meio de capital novo. No entanto, sujeita o empréstimo à anuência judicial. Espera-se que a inclusão de uma nova seção na lei sobre o assunto incentive o uso do mecanismo no Brasil.
Mediação
A mediação é um mecanismo de solução de controvérsias em crescimento no Brasil, regido por legislação própria (Lei 13.140/2015), e que vem sendo gradualmente utilizada em processos de recuperação judicial. Com o intuito de estimular o uso da mediação, o projeto dedicou uma seção ao tema, estabelecendo que tal procedimento poderá ser utilizado durante a recuperação judicial, extrajudicial ou falência, incluindo conflitos envolvendo a Administração Pública, acionistas e créditos extraconcursais. O texto veda a mediação sobrea classificação de créditos concursais, mantendo a competência do juízo recuperacional sobre a matéria.
Plano de recuperação judicial alternativo
Com o objetivo de ampliar os direitos dos credores, o novo regramento legal concedeu-lhes maior poder de participação no processo recuperacional. Respeitadas determinadas etapas, os credores poderão apresentar proposta alternativa ao plano apresentado, seja para suprir a demora do devedor (terminado o stay period), ou, ainda, para substituir o plano rejeitado em assembleia de credores. Nessa última hipótese, o administrador judicial colocará em votação, durante a assembleia geral de credores que rejeitar o plano, a possibilidade de apresentação da proposta alternativa em 30 dias. Aprovada tal deliberação, os credores representando mais de 25% dos créditos sujeitos à recuperação judicial ou 35% dos créditos presentes à assembleia geral de credores poderão apresentar a proposta alternativa, que será votada de acordo com os quóruns já estabelecidos pela Lei 11.101/2005.
Insolvência Transnacional
A Lei 11.101/2005 não continha disposições para lidar com os casos transnacionais de insolvência, que são cada vez mais comuns no Brasil. A fim de suprir a lacuna, o projeto traz extenso capítulo dedicado ao tema, essencialmente incorporando ao ordenamento pátrio as regras da Lei Modelo da UNCITRAL – adotadas em muitas jurisdições. A inovação pretende criar um sistema para o reconhecimento de processos estrangeiros no Brasil, o que trará maior segurança jurídica para a atividade econômica e para os investimentos estrangeiros; estimulará a cooperação e coordenação entre as jurisdições; e dará maior proteção ao interesse de todos os credores e demais partes envolvidas, incluindo o devedor.
Consolidação processual e substancial
Apesar da atual omissão legal, o litisconsórcio ativo é comumente aplicado nos procedimentos recuperacionais no Brasil. O projeto, em linha com o entendimento majoritário da jurisprudência, estabelece que as empresas que integram grupo sob controle societário comum têm legitimidade para pedir recuperação judicial em consolidação processual, devendo ser preservada a independência entre seus ativos e passivos. A consolidação processual evita a condução de múltiplos processos, de modo a privilegiar a eficiência, simplificar a administração processual e reduzir os custos envolvidos, sem, no entanto, afetar a separação das empresas.
Além da consolidação processual, o projeto busca trazer maior clareza a respeito dos requisitos a serem cumpridos para se permitir a consolidação substancial. Neste caso, a unificação não é meramente processual e os devedores são aglutinados como se fossem uma só pessoa jurídica para efeitos de apresentação de plano de recuperação judicial, elaboração de lista de credores e votação em assembleia geral de credores. Na nova regra, o juiz é quem poderá, excepcionalmente, autorizar a consolidação substancial, independentemente da realização de assembleia geral de credores, quando se constatar a interconexão e a confusão entre ativos ou passivos das devedoras. Ainda, é necessário que preencham, cumulativamente, no mínimo dois dos seguintes requisitos estabelecidos pela lei: a existência de garantia cruzada; relação de controle ou dependência; identidade total ou parcial do quadro societário; e a atuação conjunta no mercado entre as devedoras.
Stay period e essencialidade de bens
A Lei 11.101/2005 previa a suspensão de todas as ações e execuções movidas contra o devedor pelo prazo improrrogável de 180 dias, contados a partir do deferimento do processamento da recuperação judicial. A despeito da determinação legal acerca da improrrogabilidade do prazo, o que se via na prática, com o apoio de entendimento consolidado da jurisprudência, era a extensão do stay period até a realização da assembleia geral de credores. Diante disso, o projeto estabeleceu que as suspensões perdurarão por 180 dias, prorrogáveis pelo mesmo período, excepcionalmente, desde que a mora não possa ser imputável à devedora. Caso os 180 dias transcorram sem a aprovação do plano de recuperação judicial, o projeto concede aos credores a possibilidade de propor plano alternativo.
O projeto prevê, ainda, que a suspensão não se aplica aos créditos com garantia fiduciária, derivados de arrendamento mercantil, originados em contratos de adiantamento de câmbio e às execuções fiscais. Contudo, visando a proteger a devedora, o projeto permite que o juízo determine a suspensão de todos os atos de constrição que recaiam sobre bens essenciais para a manutenção da atividade da empresa durante o stay period. Apesar disso, o projeto não trouxe a definição do que seriam considerados “bens essenciais”, os quais, de acordo com entendimento recente do Superior Tribunal de Justiça (STJ), são aqueles utilizados no processo produtivo da empresa e se encontram em sua posse direta e cuja utilização não signifique o próprio esvaziamento da garantia.
Produtor rural
Com o fim de tentar dirimir as controvérsias atinentes à natureza do registro do produtor rural nas Juntas Comerciais, o projeto previu que a regularidade da atividade rural por pessoa jurídica poderá ser comprovada por meio da Escrituração Contábil Fiscal (ECF), ou de obrigação de registros contábeis que venha a substituir a ECF, que tenha sido entregue tempestivamente, desde que feita pelos dois anos exigidos pela norma. O projeto prevê que apenas os créditos que estiverem corretamente escriturados poderão se sujeitar à recuperação judicial. Não obstante ter previsto meio alternativo de comprovação do exercício da atividade rural, o Projeto não foi claro sobre a questão atinente à atividade principal do empresário.
Venda de ativos
O projeto modernizou significativamente as disposições sobre venda de ativos de empresas em crise econômico-financeira. Conforme a nova redação do artigo 142, a alienação de bens e ativos poderá ocorrer nas modalidades: leilão eletrônico, presencial ou híbrido; processo competitivo organizado, promovido por agente especializado; e qualquer outra modalidade, desde que aprovada pelo juízo recuperacional. Apesar de a Lei 11.101/2005 prever que o arrematante de ativos, em processo competitivo, não sucederá o devedor, discutia-se a natureza das obrigações. O Projeto trouxe segurança jurídica estabelecendo expressamente que o arrematante não sucederá as obrigações de qualquer natureza, incluindo, exemplificativamente, as de natureza ambiental, regulatória, administrativa, penal, anticorrupção, tributária e trabalhista. Nesse sentido, o projeto positivou o entendimento de que é a competição que protege o adquirente da sucessão.
O Projeto também alterará as regras aplicáveis à alienação de bens ou direitos do ativo não-circulante do devedor não prevista no plano de recuperação judicial. Além de prever a necessidade de autorização judicial de venda, após tal autorização, os credores que representem 15% dos valores sujeitos à recuperação judicial poderão ainda se opor à transação, submetendo-a para deliberação dos credores em assembleia geral. Para tanto, os credores deverão prestar caução em montante correspondente ao valor total da alienação e se encarregar das despesas de convocação do conclave.
Por fim, o projeto trouxe a possibilidade de venda direta e integral da devedora, desde que assegure aos credores extraconcursais condições, no mínimo, semelhantes a que teriam em um cenário de falência. Nesse caso, a venda será considerada, para todos os fins, de unidade produtiva isolada e, portanto, sem sucessão.
Operações compromissadas e de derivativos
O Projeto incluiu disposição que estabelece o respeito às hipóteses de vencimento antecipado e de compensação em operações compromissadas e de derivativos, em cenário de pedido de recuperação judicial, deferimento de seu processamento ou homologação de plano de recuperação judicial.
Recuperação extrajudicial
O projeto diminuiu o quórum para que o devedor pudesse pedir a homologação de plano de recuperação extrajudicial. No novo texto, o quórum foi reduzido para mais da metade de cada uma das espécies de créditos abrangida por referido plano. Além disso, o devedor poderá apresentar o pedido de homologação com anuência de apenas 1/3 dos credores, comprometendo-se a atingir o quórum de maioria simples em 90 dias a contar do protocolo. Por fim, o textoenfrentou questão controversa na jurisprudência e estendeu à recuperação extrajudicial o período de suspensão (stay period) das ações e execuções movidas contra o devedor. Contudo, tal suspensão será limitada aos créditos abrangidos pelo processo.
Aspectos tributários
O projeto trouxe algumas alterações relevantes no campo tributário, com a inclusão, por exemplo, de dispositivos para tratar dos impactos decorrentes da renegociação de dívidas por empresas em recuperação judicial, prevendo a não incidência de PIS/Cofins sobre as receitas reconhecidas nesse contexto, a possibilidade de compensação ilimitada de prejuízos acumulados e a dedutibilidade das despesas financeiras reconhecidas prospectivamente. Entre outras inovações, se aprovadas, as alterações propostas autorizarão também que os Imposto de Renda e a Contribuição Social sobre o Lucro Líquido incidentes sobre o ganho de capital auferido na alienação de bens do devedor no processo recuperação judicial sejam objeto de parcelamento ordinário previsto na Lei 10.522/2002.
A prática de Reestruturação e Insolvência do Mattos Filho seguirá acompanhando o tema e fica à disposição para quaisquer esclarecimentos.