5G e a regulação de espectro de radiofrequências
O sucesso no Brasil depende da oferta adequada de espectro na licitação e da possiblidade de sua comercialização no mercado secundário
A implementação de um ecossistema pautado na tecnologia de comunicação móvel de 5ª geração (5G) deve passar, necessariamente, pela compreensão das condições de utilização do espectro de radiofrequência ligado à tecnologia. Os desafios que se colocam estão ligados à identificação das estratégias de negócio e à alocação de espectro adequado, sobretudo em um cenário de evolução tecnológica intensa sob o 5G.
Visão geral da regulação de espectro no Brasil
O espectro de radiofrequência, que possibilita o estabelecimento de comunicação sem fios, é caracterizado pela Lei Geral de Telecomunicações – LGT (Lei nº 9.472/1997) como um bem público limitado e cuja administração compete à Agência Nacional de Telecomunicações (ANATEL).
Por se tratar de recurso escasso, a ANATEL define quando a utilização do espectro depende da obtenção de autorização de uso (o que é a regra) ou casos e condições em que tais autorizações são dispensadas (o que é exceção).
As características gerais estabelecidas pela LGT para a administração de espectro de radiofrequência são:
- A atribuição das radiofrequências para cada serviço de telecomunicações é realizada considerando sua compatibilidade com as características técnicas do serviço, e seu uso deve adequado e eficiente, buscando evitar em especial interferências prejudiciais;
- Nos casos em que há limitação técnica para uso de determinada frequência e quantidade de interessados superior à sua capacidade técnica, a autorização de uso dependerá de prévia licitação conduzida pela ANATEL;
- Para o 5G, a autorização de uso de radiofrequência é de 20 anos, admitindo-se prorrogação por iguais períodos;
- A prorrogação da autorização de uso de radiofrequência é sempre onerosa, sendo possível que o pagamento de todo ou parte do preço público devido poderá ser convertido em compromissos de investimento.
As regras acima são complementadas, principalmente, por duas normas aprovadas pela ANATEL: a Resolução nº 716/2019, que aprovou o Plano de Atribuição e Destinação de Faixas de Radiofrequências no Brasil – PDFF, e a Resolução nº 671/2016, que aprovou o Regulamento Geral de Uso de Espectro. A primeira dispõe sobre quais faixas de radiofrequência poderão ser exploradas para cada serviço de telecomunicações, enquanto a segunda dispõe sobre as regras gerais referentes à outorga, uso e renovação de autorizações de uso de espectro.
Regulação de espectro e viabilização do 5G
As prestadoras de telecomunicações interessadas na exploração do 5G devem estar atentas à disponibilidade de espectro adequado à tecnologia, que no Brasil está atrelada à outorga para a prestação do Serviço Móvel Pessoal (SMP). Enquanto o PDFF contém a atribuição das diferentes faixas de espectro alocadas ao SMP, a ANATEL vem trabalhando para disponibilizar uma quantidade relevante de espectro nas faixas de 700 MHz, 2,3 GHz, 3,5 GHz e 26 GHz, como consta da minuta de edital de licitação em processo de aprovação na Agência.
Merece destaque o fato de que o Edital do 5G prevê que, para determinadas faixas de espectro, o preço público devido pelas licitantes vencedoras deverá ser pago por meio de compromissos de investimento que variam para cada lote.
O Edital do 5G também prevê divisões dos blocos em blocos regionais (limitados a determinadas regiões do Brasil) e nacionais, sendo que há limites específicos aplicáveis a cada caso. A limitação da concentração de espectro foi alterada recentemente por meio da Resolução nº 703/2018 (Regulamento de Limites de Espectro), que determina percentuais máximos das faixas de radiofrequência que podem ser detidos por empresas do mesmo grupo econômico (spectrum cap).
A disponibilidade de faixas apropriadas para a exploração do 5G é um tema central na organização econômica relacionada à instituição do ecossistema de telecomunicações que se espera dessa tecnologia. Isso porque, mesmo com a divisão de lotes estabelecida pelo Edital do 5G instituída pela ANATEL, cujo objetivo é pulverizar a distribuição de espectro e fomentar concorrência, pode-se esperar que muitos agentes não terão condições de obter toda a radiofrequência que desejem em leilão.
No entanto, existem alternativas disponíveis aos agentes, que poderão se pautar em diferentes modelos de negócio associados tanto à comercialização de espectro no mercado secundário quanto ao seu compartilhamento.
Mercado secundário de espectro
Sobre a comercialização de espectro, com a aprovação da Lei nº 13.879/2019 modificou-se a LGT para viabilizar o mercado secundário de radiofrequência, fazendo com que a autorização de uso de radiofrequência possa ser transferida sem necessidade de que a autorização de serviço a ela vinculada também o seja. Como resultado, as prestadoras passam a poder comercializar espectro diretamente com as partes interessadas, ampliando a oferta desse recurso e fomentando sua exploração eficiente.
A comercialização de espectro também poderá ser benéfica para prestadoras que possuam espectro excedente e desejem tomar decisões mais alinhadas à sua estratégia de negócios. Como o Regulamento de Limites de Espectro impõe limites à quantidade detida por grupo empresarial, a venda de espectro poderá se mostrar interessante tanto para liberar quantidades que podem ser adquiridas por determinada empresa quanto para gerar caixa necessário, por exemplo, para fazer frente a investimentos estratégicos no cenário de consolidação do 5G.
Uso de espectro em caráter secundário
Uma alternativa para utilização de espectro decorre da possibilidade de uso em caráter secundário. Nessa hipótese, a parte interessada celebra contrato de compartilhamento com a operadora detentora radiofrequência em uso primário. O uso de radiofrequência em caráter secundário dá direito à proteção contra interferências prejudiciais, exceto em relação ao uso primário.
Como autorizações em caráter secundário estão associadas a contratos de compartilhamento e exploração industrial de redes, o uso não exclusivo acaba por também viabilizar que agentes interessados tenham acesso a recursos de espectro estratégicos.
O tema de celebração de acordos de compartilhamento de espectro e recursos de rede não é novo, mas ganha contornos relevantes no cenário de mercado projetado pelo 5G. Modelos contratuais como os RAN Sharing, já adotados no mercado, também sofrerão transformações relevantes à medida que seja introduzido no mercado brasileiro o modelo de redes OPEN RAN e operadoras de redes neutras.
Por fim, empresas que não operem o SMP voltado à oferta de 5G ao público também devem estar atentas às possibilidades de emprego de espectro. Espera-se que o 5G fomente a constituição de redes privadas de telecomunicações em diferentes setores, como é o caso de plantas industriais, aplicações em agronegócio e centros de distribuição e estoque varejistas.
Entender as frequências disponíveis para uso, a eventual dispensa para obtenção de autorização de uso ou, caso aplicável, a possibilidade de celebração de acordos de compartilhamento e obtenção de autorizações de uso secundário são todas possibilidades a serem exploradas. A perspectiva do setor caminha para tornar cada vez mais relevante o conhecimento sobre as condições de acesso a espectro outorgado pela ANATEL, bem como as diferentes modalidades de contratação no mercado.
Para mais informações sobre a tecnologia 5G, acompanhe a série especial ‘A nova era do 5G ‘