Segunda Seção do STJ decide pelo dever de indenizar do fornecedor de alimento
Julgamento pacifica divergências sobre indenização por dano moral pela presença de corpo estranho em alimento
O acórdão de julgamento do REsp 1.899.304/SP, publicado em outubro de 2021, assentou o entendimento no sentido de não ser necessária a ingestão do alimento contaminado para que se configure o dano moral ao consumidor. Basta, pois, que o alimento adquirido esteja contaminado para que seja devida a indenização, uma vez que o fornecimento do produto alimentício causa “risco concreto de lesão à sua saúde e à sua incolumidade física e psíquica, em violação do seu direito fundamental à alimentação adequada”.
O recurso especial foi interposto contra acórdão proferido pelo Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP), que havia afastado a condenação em danos morais imputada ao fornecedor em primeira instância, sob o fundamento de que, não obstante tivesse sido constatada a existência de corpo estranho no alimento (fungos, insetos e ácaros), o consumidor não chegou a ingeri-lo após sua compra.
Como o tema era controvertido nas turmas de Direito privado do Superior Tribunal de Justiça (STJ), o recurso foi afetado para julgamento pela Segunda Seção, que passou a ser encarregada de uniformizar a matéria.
A divergência residia em ser ou não necessária a ingestão do alimento contaminado para a caracterização de dano ao consumidor, com a consequente responsabilização do fornecedor nos termos do artigo 12, caput e §1°, inciso II, do CDC. Anteriormente, para a Terceira Turma, bastava a existência de corpo estranho no alimento para que fosse devida a indenização por danos morais ao passo que, para a Quarta Turma, era imprescindível que o consumidor efetivamente ingerisse o alimento contaminado.
Análises dos ministros
O REsp 1.899.304/SP foi julgado em 21 de agosto de 2021, tendo prevalecido o voto da ministra relatora Nancy Andrighi. Mediante análise da doutrina e precedentes sobre a natureza jurídica do dano moral, a ministra entendeu pelo reconhecimento do direito à indenização por dano moral in re ipsa (presumido) quando há corpo estranho em alimento, independentemente da sua ingestão. Acrescentou a ministra, ainda, a dificuldade de o consumidor comprovar, no caso concreto, que efetivamente ingeriu o corpo estranho que se encontrava no alimento adquirido.
Foram vencidos os ministros Luis Felipe Salomão, que abriu a divergência, Raul Araújo e Antonio Carlos Ferreira, segundo os quais o reconhecimento do dano moral deveria ser feito de forma mais criteriosa, não podendo ser reconhecido o dano moral in re ipsa no caso de existência de corpo estranho em alimento, eis que “o mero perigo, absolutamente especulativo, no caso concreto, afastando-se a necessidade da ocorrência do dano, significaria o rompimento com as bases teóricas do instituto da responsabilidade civil, cujo dano é elemento integrante”.
Entendimento utilizado como referência em outros casos
A pacificação dessa matéria pela Segunda Seção do STJ é resultado de um processo de convergência de entendimentos visto que, desde agosto deste ano (data de julgamento do REsp 1.899.304/SP), tanto a Terceira quanto a Quarta Turmas do STJ têm citado e aplicado o referido precedente em casos similares, responsabilizando o fornecedor pera mera comercialização de produto contaminado.
O tema envolvendo indenização por alimento contaminado, aliás, tem sido de recorrente análise pelo STJ nos últimos meses, não só na seara individual como, também na coletiva, conforme ocorreu no recente julgamento do REsp 1.838.184/RS pela Quarta Turma do STJ (julgado em 5 de outubro de 2021 e com acórdão pendente de publicação). Neste precedente, o STJ votou pela não configuração de danos morais coletivos em razão da disponibilização de lotes de bebida contaminados com bactéria capaz de causar intoxicação alimentar. Para o ministro relator Luis Felipe Salomão, no caso analisado era plenamente possível a individualização dos efeitos do dano, prevalecendo o entendimento de que a indenização é devida somente na esfera individual aos consumidores que ingeriram ou apenas adquiriam o produto contaminada, em observância ao julgamento do REsp 1.899.304/SP pela Segunda Seção.
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*Com a colaboração de Maria Carolina Vitorino Lopes.