O Supremo e o VAR
A frustração decorrente da espera pela definição sobre os efeitos da coisa julgada em matéria tributária e a incerteza em relação ao passado
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Embora eu já conhecesse a inovação introduzida nos jogos de futebol ao redor do mundo, denominada VAR (video assistant referees), só experimentei os efeitos da ferramenta no jogo do Brasil contra a Suíça, na última segunda-feira: depois de uma intensa comemoração por um gol brasileiro marcado, do alívio, da alegria, da consagração, fomos surpreendidos com a sua anulação. Tudo isso porque o VAR, a referida ferramenta, indicou o impedimento de um dos jogadores que participaram da jogada.
Confesso que a experiência não poderia ser mais frustrante. Aquele gol nos colocaria à frente do placar, depois de muito esforço, concentração e merecimento, já que a seleção brasileira se mostrava superior em campo.
Finda a partida, volto ao trabalho e me surpreendo novamente com o sentimento de frustração. Não pelo futebol, já que o jogo terminou com o placar de 1 x 0 para o Brasil, mas pela lembrança do novo capítulo do julgamento dos temas 881 e 885, gravados com repercussão geral pelo Supremo Tribunal Federal, que envolvem os efeitos da coisa julgada em matéria tributária e a prevalência (ou não) dos efeitos de decisão transitada em julgado que afastou a exigência da Contribuição Social sobre o Lucro.
É bem verdade que aqui, felizmente, ainda não tivemos nenhum gol anulado. E espero que não tenhamos. No entanto, é inevitável o sentimento de frustração diante da simples possibilidade de vermos os efeitos de coisas julgadas longevas serem afastados, a permitir que a exigência da CSLL recaia sobre fatos geradores ocorridos há mais de 15 anos.
Explico: iniciado o julgamento virtual dos temas, alguns dos Ministros votaram pela cessação dos efeitos da coisa julgada – algo que, por si só, é contestável –, mas indicaram, nos votos originalmente depositados, a aplicação da modulação de efeitos da decisão de forma que alcançasse somente os fatos ocorridos a partir de então, justamente para garantir o direito do contribuinte que confiou durante anos na decisão definitiva que possuía. É o que constou dos votos originais dos Ministros Edson Fachin, Luiz Roberto Barroso, Rosa Weber e Alexandre de Moraes.
Contudo, alguns desses Ministros, com exceção de Alexandre de Moraes, decidiram por substituir seus votos por textos que não mais trazem a aplicação da modulação. Longe de significar que tais Ministros tenham decidido por afastá-la, já que a modulação ainda será trazida à discussão, o posicionamento desses julgadores causou aos contribuintes uma enorme sensação de frustração, seja pela demora na finalização do julgamento – que, acatado pedido de destaque, será levado à sessão presencial, com data indefinida –, seja por privá-los da certeza de, ao menos, terem o direito fruído no passado assegurado.
Impossível não associar tudo isso ao sentimento do gol anulado, obviamente com consequências muito mais sérias.
A história da (in)constitucionalidade da CSLL, embora iniciada com a promulgação da Constituição em 1988, ainda não terminou. Alguns dos contribuintes que se insurgiram contra a exigência do tributo ganharam seus processos (muitos deles no início da década de noventa), mas ainda aguardam, em 2022, que o STF decida sobre os efeitos das decisões consideradas definitivas.
No caso específico, o STF assemelha-se ao VAR, no que se refere ao grau de frustação que pode ocasionar, por ser capaz de anular aquilo que sempre nos pareceu certo, justo e definitivo. A diferença é que, enquanto na partida de futebol a espera angustiante é de poucos minutos, na discussão tributária aguardamos por décadas uma definição. E, pasmem, o jogo está longe de terminar.
Continuo acreditando que é absolutamente improvável que o STF deixe de garantir o direito sobre o passado àqueles que possuem decisões transitadas em julgado que afastem a CSLL. Na remota hipótese de seguir por esse caminho, a Suprema Corte desmoralizará o instituto da modulação, que é inequivocadamente aplicável no caso específico. Sem falar da imensa e amarga sensação de instabilidade e da já mencionada frustração que provoca. Algo que o VAR, para muitos dos seus apreciadores, trouxe ao futebol e, inevitavelmente, suprimiu boa parte do encantamento e da magia que o esporte mais popular do mundo provoca em todos nós.