A tese do próximo século
Após a longa discussão sobre a inclusão do ICMS na base de cálculo do PIS/COFINS, uma outra controvérsia tributária paradigmática segue sem definição: o direito à apropriação de créditos
Assuntos
Após a edição da Emenda Constitucional nº 20, de 15 de dezembro de 1998, a União se viu autorizada a instituir a contribuição ao PIS e à COFINS (PIS/COFINS) sobre a receita do contribuinte. E optou por tributar essa grandeza; não o faturamento, o resultado positivo verificado ou o lucro. Desde então, PIS/COFINS são tributos que incidem sobre a totalidade das receitas aferidas. Dada a extensão da materialidade, não foram poucas as discussões sobre a forma cumulativa de como os tributos incidiam – já que, até então, inexistia qualquer previsão de abatimento de créditos.
Até que uma nova emenda, de nº 42, de 19 de dezembro de 2003, inseriu na Constituição a aplicação da não cumulatividade para o PIS/COFINS, a qual foi materializada pelas Leis nºs10.687/2002 e 10.833/2003. A promessa, à época, era muito simples: créditos seriam abatidos das respectivas bases de cálculo e, como garantia da neutralidade na arrecadação, as alíquotas de incidência seriam aumentadas.
Ora, sem qualquer surpresa, vimos a alíquota conjunta dos tributos saltar de 3,65% para 9,25%. Enquanto os créditos – Quais? Quanto? Quando? – se tornaram objeto de enorme controvérsia que perdura até hoje.
Assim como vimos ocorrer com a chamada “tese do século” – na qual ficamos discutindo a inclusão ou não do ICMS na base de cálculo do PIS/COFINS por décadas até chegarmos em cerca de R$ 250 bilhões de indébito, segundo os cálculos da própria União –, vemos uma outra discussão se agigantar com o passar do tempo, com enorme potencial de se tornar uma nova controvérsia tributária paradigmática.
A União sempre procurou restringir os créditos passíveis de aproveitamento para efeito de cálculo do PIS/COFINS. Primeiro, praticamente equiparando-os aos aplicáveis ao IPI, o que, felizmente, foi afastado pelo Superior Tribunal de Justiça. O STJ também nos deu critérios para identificar os créditos passíveis de aproveitamento – essencialidade ou relevância –, mas igualmente nos deixou grandes dúvidas, já que, literalmente, determinou que essas circunstâncias deveriam ser investigadas caso a caso (REsp nº 1.221.170).
Essa indefinição é a principal razão para que o Fisco, por seu turno, adote interpretação bastante restritiva quanto aos créditos a serem aproveitados pelo contribuinte, redundando em contencioso tanto administrativo quanto judicial.
O Supremo Tribunal Federal (STF), por sua vez, já tem o tema afetado como de repercussão geral há muitos anos (RE nº 841.979). Todavia, vive o eterno problema da pouca pauta para muita matéria que vimos repetir-se ao longo dos últimos anos. Não há qualquer previsão de quando o tribunal irá definir o alcance da não cumulatividade para PIS/COFINS.
No âmbito do Executivo e do Legislativo, várias reformas já foram prometidas. Desde a publicação do Projeto de Lei nº 3.887/2020, que criaria a CBS (Contribuição Social sobre Bens e Serviços), supostamente com critérios de aproveitamento de créditos mais transparentes, até as famosas PECs nº 45 e 110 – a reforma tributária, lembram-se dela? –, que aguardam análise no âmbito do Congresso Nacional e que parecem cada vez mais distantes da nossa realidade.
Diante de todas essas circunstâncias, enfrentamos mais uma daquelas situações na qual é inegável o “perde perde”: perdem as empresas, diante das dúvidas, incertezas e, a depender do procedimento adotado, contingências e/ou créditos acumulados; perde o fisco, que arca com o custo de fiscalizações, autuações e da imprevisibilidade na arrecadação; e perde o país, que assiste ao crescente e contínuo aumento do chamado “custo Brasil”.
Não é razoável aguardamos tanto tempo pela definição de uma discussão tributária tão relevante, para, ao final, se e quando o posicionamento do Judiciário for a favor do contribuinte, vir a União alegar que o passivo público é impagável ou que os impactos nos cofres públicos serão desastrosos. Por que não estancar a controvérsia, introduzir as alterações necessárias, tornar realidade a reforma tributária? Simplificar o sistema tributário ou, no mínimo, a legislação aplicável ao PIS/COFINS, que, para sua compreensão, demanda alto grau de conhecimento e erudição, de tão complexa que é?
Precisamos de transparência, simplicidade, regras claras e boa-fé. No caso dos PIS/COFINS, são tributos que atingem o contribuinte na veia, recebem críticas de todos os lados há anos e, no que tange à apropriação de créditos, têm potencial para se tornar a próxima “tese do século”. Pela velocidade dos acontecimentos, talvez a “tese do próximo século”.