

Retrospectiva criminal – 2024
Panorama das novas leis, decisões judiciais e propostas legislativas que impactaram o ano e as perspectivas para 2025
Assuntos
O ano de 2024 trouxe importantes mudanças no direito penal brasileiro, marcadas pela aprovação de novas leis, decisões judiciais significativas e debates sobre temas que devem moldar o futuro do ordenamento jurídico. Nesta retrospectiva, os especialistas do Mattos Filho destacam as principais inovações legislativas, como a criminalização do bullying, o pacote antifeminicídio e o novo estatuto de segurança privada, além de decisões paradigmáticas do STF e STJ que impactaram o combate à violência de gênero, a execução penal e a cooperação internacional. A análise também inclui casos de grande repercussão e as perspectivas para 2025, como a regulamentação de apostas esportivas e projetos legislativos destinados a modernizar o combate a crimes ambientais e financeiros.
Novidades Legislativas
Criminalização do bullying e cyberbullying – Lei nº 14.811
- Criminaliza o bullying e o cyberbullying, assim como a omissão em comunicar o desaparecimento de criança ou adolescente às autoridades;
- Impõe a instituições públicas ou privadas que desenvolvam atividades com crianças e adolescentes e que recebam recursos públicos o dever de exigir e manter certidões de antecedentes criminais de todos os seus colaboradores.
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Vedação de saídas temporárias no sistema prisional – Lei nº 14.843
- Limita a concessão de saída temporária apenas para frequência a curso supletivo profissionalizante ou instrução do 2º grau ou superior, revogando as demais hipóteses;
- Restabelece a obrigatoriedade do exame criminológico ao apenado, para fins de progressão de regime de pena;
- Fixa novas hipóteses de monitoramento eletrônico dos apenados.
Novo Estatuto de Segurança Privada – Lei nº 14.967
Introduz o artigo 183-A no Código Penal, estabelecendo uma causa de aumento de pena, de um terço até o dobro, para crimes patrimoniais cometidos contra instituições financeiras e prestadores de serviço de segurança privada.
Pacote Antifeminicídio – Lei nº 14.994
Implementa importantes mudanças no combate ao feminicídio, como: o aumento das penas relacionadas a crimes envolvendo violência doméstica e de gênero; o fim da necessidade de representação para o crime de ameaça cometido no âmbito de violência doméstica ou de gênero contra a mulher; tramitação prioritária dos processos por violência contra a mulher.
Em foco no Jurídico
STF define limites da retroatividade do Acordo de Não Persecução Penal (ANPP)
Em setembro, o Plenário do STF decidiu que a aplicabilidade dos acordos de não persecução penal também deverá abranger processos iniciados antes de sua criação pela Lei nº 13.964/2019, nos casos em que ainda não houver condenação definitiva e mesmo que, até o momento, inexista confissão por parte do investigado.
Execução imediata de condenação pelo Tribunal do Júri
No mesmo mês, o Plenário do STF decidiu que a soberania das decisões do Tribunal do Júri, prevista na Constituição Federal, autoriza a execução imediata da pena imposta, independente do montante da pena aplicado.
Decisões-paradigma em temas de violência de gênero
- Em novembro, o STJ decidiu que as medidas protetivas previstas na Lei Maria da Penha devem ser aplicadas enquanto houver risco à mulher, sem a fixação de prazo certo de validade, possuindo natureza de tutela inibitória, e não se vinculando à existência de instrumentos como inquérito policial ou ação penal.
- Em maio, o STF declarou a inconstitucionalidade da prática de desqualificação da mulher vítima de violência durante a instrução e julgamento de crimes contra a dignidade sexual e outros crimes de violência contra a mulher. Essa decisão proíbe qualquer menção à vida sexual pregressa ou ao modo de vida da vítima em audiências e decisões judiciais, protegendo a dignidade das vítimas.
Descriminalização do porte de maconha para consumo pessoal
O Plenário do STF decidiu, em junho, pela descriminalização do porte de maconha para consumo pessoal, estabelecendo o parâmetro de 40g da substância como critério para diferenciar o usuário do traficante, salvo se outros elementos indicarem o tráfico.
Possibilidade de transferência de execução de pena para o Brasil – Caso Robinho
Em março, o STJ admitiu a transferência da execução da pena aplicada pela Justiça italiana ao ex-jogador de futebol Robinho, lá condenado a 9 anos de prisão por estupro, pela Justiça brasileira, nos moldes da Lei nº 13.445/2017 (Lei de Migração), fixando ainda o início do cumprimento da pena em regime fechado e determinando o início da execução. Em novembro, o STF indeferiu dois habeas corpus ajuizados pela defesa e manteve o cumprimento da pena.
Casos de destaque
Julgamento de ação penal sobre rompimento da barragem em Mariana
Em novembro, a Vara Federal da Subseção Judiciária de Ponte Nova/MG absolveu os executivos, gerentes e as empresas envolvidas no rompimento da barragem do Fundão em 2015, em Mariana, resumidamente, sob os fundamentos de ausência de provas e ausência de nexo causal entre as condutas de cada qual e o resultado lesivo.
Indiciamento de ex-presidente
O ex-presidente Jair Bolsonaro e dezenas de outros investigados foram indiciados pelos crimes de abolição violenta do estado democrático de direito, golpe de estado e organização criminosa em investigação do STF que apura a prática de atos antidemocráticos e alegada tentativa de golpe após as eleições de 2022. O caso segue aos cuidados da Procuradoria-Geral da República, que deve decidir acerca de eventual oferecimento de denúncia à Justiça no início de 2025.
Condenação de responsáveis pelo assassinato da ex-vereadora Marielle Franco
O 4º Tribunal do Júri do Rio de Janeiro condenou os assassinos de Marielle Franco e do motorista Anderson Gomes. Ambos firmaram acordo de colaboração premiada, motivo pelo qual cumprirão tempo de pena menor do que o fixado na sentença.
Anulação de atos da Lava Jato
A 2ª Turma do STF, por maioria, manteve o reconhecimento da nulidade de todos os atos praticados pelo juízo da 13ª Vara Federal de Curitiba contra o empresário Marcelo Odebrecht no âmbito da Operação Lava Jato, sob o fundamento de conluio entre magistrado e membros do Ministério Público, identificado a partir da Operação Spoofing. A decisão não abarca, contudo, seu acordo de colaboração premiada, que permanece válido.
Outras reversões de decisões condenatórias emanadas dos casos Lava Jato ocorreram nos tribunais ao longo do ano, a maioria por incompetência da Justiça de Curitiba para processar fatos ocorridos em outros locais, sendo que parte deles seriam de competência da Justiça Eleitoral.
Investigações por suposta venda de decisões em tribunal superior
A Polícia Federal prendeu preventivamente um lobista e cumpriu mandados de busca contra assessores de ministros do STJ, em uma operação que investiga corrupção e tráfico de influência. Também são investigados desembargadores e assessores do Tribunal de Justiça de Mato Grosso do Sul por supostas vendas de sentenças.
Operação Disclosure
A Polícia Federal e o Ministério Público Federal deflagraram, em junho, a fase ostensiva de uma operação que investiga a participação dos ex-diretores da empresa Americanas em supostas fraudes contábeis que, conforme Fato Relevante divulgado pela própria empresa, chegariam ao montante de R$ 25,3 bilhões.
Perspectiva para 2025
Regularização das Bets
- A regularização das apostas esportivas pelas Leis nº 13.756/2018 e 14.790/2023, seguidas das portarias editadas pelo Ministério da Fazenda neste ano, inaugura um novo mercado regulado cercado de incertezas;
- Esse mercado, todavia, apresenta riscos criminais associados à proximidade de suas atividades à contravenção de exploração de jogos de azar, bem como a alegações de lavagem de dinheiro em alguns casos. Tais eventos foram ilustrados pela instauração da ‘CPI das Bets’ no Senado Federal e pela deflagração da ‘Operação Integration’, que teve como alvos, entre outras empresas, casas de apostas esportivas.
- Há expectativas de novas ações de enforcement, em âmbitos administrativo e criminal, para esse mercado nos próximos anos, inclusive em face do aperfeiçoamento de seu marco regulatório.
Repercussões do 8 de janeiro
O STF continua a julgar processos envolvendo acusados pelos atos antidemocráticos de 8 de janeiro de 2023. Em fins de outubro, o presidente da Câmara dos Deputados criou uma comissão especial para debater a anistia de condenados, tema que ainda deve gerar debates no próximo ano.
Projetos de Lei: mercado financeiro, mercado de capitais, companhias abertas e direito penal
- Casos diversos de investigações sobre pirâmides financeiras e sobre alegados esquemas fraudulentos em companhias abertas e/ou em instituições financeiras aqueceram discussões sobre os reflexos penais de atos ilícitos nesses setores;
- O PL nº 2.581/2023 estabelece normas para a figura do informante, aquele que noticia voluntariamente atos ilícitos no mercado de valores mobiliários ou em sociedades anônimas de capital aberto às autoridades competentes (whistleblowing), o que inclui a possível fixação de recompensas pela comunicação e estabelece meios de proteção contra retaliações;
- Especialmente após a repercussão do caso Americanas, há debates em favor da criação de novos crimes na legislação, como os de fraude contábil, indução a erro no mercado de capitais, destruição de documentos, administração infiel, entre outros, assim como majorações de penas para crimes patrimoniais e financeiros já existentes, nos PLs nº 091/2023, 2.581/2023 e 4.931/2023.
Projeto de Lei: corrupção privada
- Em março, a Comissão de Segurança Pública do Senado Federal aprovou parecer favorável a projeto de lei que criminaliza a corrupção entre agentes privados (no Brasil, historicamente, criminaliza-se apenas a corrupção de agentes públicos);
- O PLS nº 4.436/2020 visa a alterar o Código Penal para estabelecer a pena de 2 a 5 anos de reclusão e multa para quem exigir, solicitar ou receber vantagem indevida, como empregado ou representante de empresa ou instituição privada, para favorecer a si ou a terceiros, direta ou indiretamente, ou aceitar promessa de tal vantagem, a fim de realizar ou omitir ato inerente às suas atribuições.
Projeto de Lei: aumento de pena para crimes ambientais
O governo federal encaminhou projeto de lei que visa a alterar a Lei 9.605/1998 (Lei dos Crimes Ambientais), para elevar as sanções penais e administrativas previstas para condutas e atividades lesivas ao meio ambiente. O projeto foi apensado ao PL nº 10.457/2018, que já tramitava na Câmara dos Deputados e deve agora seguir à Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania.
Cooperação penal internacional e combate ao crime cibernético na pauta do MPF
MPF continua a cooperar com autoridades estrangeiras para fins de persecução penal no Brasil e no exterior. Em 2024, o órgão defendeu maior cooperação jurídica no Mercosul para combater grupos criminosos transnacionais, e atuou em investigações conjuntas com países como Itália e EUA.
Em dezembro, o Vice-PGR afirmou que combate ao crime cibernético deve ser prioridade para o Brasil tanto localmente quanto em suas relações com autoridades estrangeiras.
Procuradoria-Geral da República
O ano de 2024 marcou o primeiro ano de mandato do atual Procurador-Geral da República, Paulo Gonet Branco, a quem se atribui atuação sóbria e o mérito de ter distensionado relações entre a PGR e o STF.
A ele caberá o desafio de analisar inquéritos politicamente sensíveis já a partir do início do próximo ano, incluindo investigações contra parlamentares federais sobre fraudes no orçamento e a possibilidade de oferecer denúncia contra o ex-presidente e seus aliados, e ainda evoluir com a agenda institucional do MPF em diferentes matérias como o enfrentamento à corrupção, à lavagem de dinheiro, à cibercriminalidade e a crimes ambientais, bem como a proteção a direitos humanos.
O mandato do atual PGR encerra-se ao final de 2025, com possibilidade de recondução.
Para mais informações sobre os temas, conheça a prática de Direito penal empresarial do Mattos Filho.