

Prevenção e resolução de conflitos em empresas e holdings familiares
Saiba como minimizar e evitar conflitos e prejuízos em processos societários e sucessórios
Assuntos
Empresas familiares são a referência da família. Da mesma forma, usualmente a família é a referência da empresa. Um cenário muito comum é aquele em que o pai abre seu próprio negócio e um ou alguns de seus familiares o auxiliam na consolidação da empresa. Com o passar dos anos, toda a família gira em torno da empresa, e vice-versa, impondo um cenário que torna fundamental o bom planejamento e execução de processos societários e sucessórios, com o devido acompanhamento profissional.
As empresas familiares possuem uma característica única e peculiar: a existência de uma base sólida – a família ‑, e são baseadas em um laço afetivo anterior à constituição da empresa, característica essa que pode auxiliar em sua consolidação no mercado ao menos nas primeiras gerações. Não se trata simplesmente de um conjunto de empresários que, por afinidade de trabalho e interesses decidem constituir uma sociedade, ou de amigos que planejam atuar juntos e se reúnem para iniciar o exercício de alguma atividade econômica. Segundo Gladston Mamede, “a principal virtude de uma empresa pode ser justamente a sua condição de organização familiar. Erram aqueles que consideram isso um defeito.”
As relações de parentesco e de sociedade transitam em uma linha tênue, confundindo-se com frequência. Em razão disso, não raro observam-se conflitos em empresas familiares e grupos econômicos que surgem por razões estranhas à atividade econômica realizada, os quais não ocorreriam caso a empresa ou grupo tivesse dirigentes e executivos com relações estritamente profissionais entre si.
Empresas familiares e o desafio da sucessão
No Brasil, as empresas familiares representam uma vasta parcela das sociedades brasileiras. Entretanto, segundo a “Pesquisa Global de Empresas Familiares no Brasil” realizada pela PwC, apenas 12% das empresas familiares brasileiras sobrevivem ao processo sucessório, e dessas, somente 3% superam a quarta geração.
Isso ocorre porque as empresas familiares regularmente sofrem com o processo sucessório ante a falta de programação e planejamento de como se dará a sucessão na empresa. Segundo a já mencionada pesquisa realizada pela PwC, apenas 57% das empresas familiares em todo o mundo possuem um planejamento sucessório. Destas, apenas 12% conseguem alcançar a terceira geração em plena atividade.
Este fenômeno não ocorre apenas em empresas brasileiras. Em 2014, a empresa inglesa Market Basket perdeu aproximadamente US$ 583 milhões em vendas quando dois de seus sucessores tentaram assumir repentinamente o controle da companhia sem o devido planejamento sucessório.
Um dos grandes fatores para a ocorrência de enormes prejuízos durante a transição sucessória é a perda da essência da empresa no processo de sucessão. Isso porque, normalmente, as empresas são geridas por um ou dois membros da família, que não raro são também os pilares do núcleo familiar.
Para minimizar e evitar prejuízos financeiros e até mesmo o desaparecimento da empresa, é imprescindível que o processo sucessório seja devidamente planejado e executado, com o devido acompanhamento profissional.
Planejamento sucessório
O processo sucessório de uma empresa familiar pode ser dividido em sucessão familiar e sucessão profissional. A sucessão familiar deve ser realizada apenas se houver um ou mais herdeiros efetivamente competentes para assumirem o comando da empresa na ausência do gestor, evitando assim que ocorra um “caos administrativo” na companhia. Já a sucessão profissional ocorre quando a administração familiar é transferida para gestores especializados que não integram o núcleo familiar, impedindo que a ausência do antigo gestor impacte os resultados da empresa.
A sucessão profissional foi a solução encontrada pela Fiat, por exemplo, que, após trocar cinco diretores executivos no curto período de dois anos, concluiu que seria necessário um profissional externo, sem vínculo familiar, assumir o controle da companhia para que pudesse se manter hígida.
A constituição de um planejamento sucessório adequado tem o condão de transformar completamente o futuro da empresa que poderá ter, de fato, real perspectiva de crescimento e evolução a longo prazo, e reduzirá suas chances de não sobreviver à mudança de gerações.
Governança corporativa
Outra ferramenta aliada à manutenção das empresas familiares que pode garantir uma transição pacífica para os sucessores e é fundamental para a longevidade da sociedade é a governança familiar, a qual, segundo o Instituto Brasileiro de Governança Corporativa, pode ser definida como um sistema pelo qual a família desenvolve suas relações e atividades empresariais, mediante o estabelecimento de regras e acordos baseados em seus valores e propósitos. A governança familiar pode ser um importante instrumento para reduzir ou eliminar conflitos de interesse entre os familiares e garantir a longevidade dos negócios.
A estruturação de processos e a implementação de uma cultura de trabalho estável e específica pode dar aos sucessores na gestão diretrizes concretas de como deverão atuar para manter a empresa em plena atividade e sem desviar dos objetivos traçados pelos antecessores, auxiliando os familiares a superarem potenciais conflitos entre si e seguirem a missão, visão e valores da empresa.
O estabelecimento da governança corporativa familiar na empresa pode, ainda, minimizar situações de desconforto e evitar conflitos no momento da sucessão, especialmente quanto aos relacionamentos entre familiares e executivos, auxiliando na integração entre os executivos externos e os sucessores que participarão ativamente na condução dos negócios.
Holding familiar
Além do planejamento sucessório e da implantação da governança corporativa, a holding familiar também pode se apresentar como um mecanismo de prevenção de conflitos societários para fins de proteção patrimonial e planejamento sucessório, uma vez que a sucessão dentro de uma holding familiar blinda as empresas controladas de sofrerem os impactos desse processo, ainda que haja algum conflito interno entre os familiares.
Com efeito, a estrutura societária da holding pode proteger a administração da empresa e organizar o processo sucessório. É possível evitar que conflitos familiares se manifestem e impactem o grupo econômico se houver uma administração devidamente organizada e centralizada, tendo em vista que a sociedade (ou sociedades) estará blindada de conflitos pessoais pela organização societária e estrutura de governança.
A grande vantagem da constituição de uma holding familiar reside na possibilidade de manutenção das atividades das empresas do grupo familiar durante e após o processo sucessório. Isso porque os familiares que integram o quadro societário da holding devem atuar de forma unificada nas empresas que estão sob sua gestão. Assim, ainda que eventuais conflitos surjam entre eles, ao atuar ativamente em alguma de suas sociedades subordinadas, terão que atuar como uma unidade, reduzindo o risco de implicações negativas sobre as unidades produtivas.
A holding pode ser vista, portanto, como uma forma de organização societária apta a blindar as empresas sob comando da família de eventuais conflitos ou ocorrências imprevisíveis que possam colocar em risco a continuidade das atividades da empresa.
Planejamento é a chave para o sucesso
Empresas e holdings familiares sofrem constantes conflitos em decorrência da sucessão de seus gestores, especialmente quando o processo sucessório se dá de forma abrupta, sem o planejamento e a preparação devidos.
No âmbito societário, a holding familiar pode ser um mecanismo de prevenção de conflitos societários para fins de proteção patrimonial e planejamento sucessório, uma vez que a sucessão tem o condão de blindar as empresas controladas de sofrerem os impactos desse processo, ainda que haja conflito interno entre os familiares.
Já no aspecto sucessório, um bom planejamento é essencial para que as empresas familiares possam atravessar a transição suave e tranquila do atual gestor para seu(s) sucessor(es). A escolha do sucessor, preparação e acompanhamento da transição são fatores de suma importância para uma sucessão tranquila. Seja ele profissional ou familiar, trata-se de um processo delicado que demanda extrema atenção e cuidado para que a empresa possa manter-se empenhada e seguir o caminho trilhado pelos antecessores.
Ademais, a estruturação de um processo definido de governança corporativa familiar pode facilitar a transição na gestão da empresa, na medida em que os processos forem estruturados e a missão e cultura da companhia estiverem bem definidas, evitando, assim, que eventuais conflitos entre os familiares possam afetar suas atividades e seu crescimento.
Por fim, para as empresas e holdings familiares perdurem através das gerações e se mantenham em crescimento no decorrer do tempo, é necessário um bom planejamento sucessório e uma estruturação societária adequada para que familiares, funcionários e executivos possam se adaptar à sucessão, sem que eventuais conflitos comprometam a saúde e a longevidade dos negócios.