

Marcas fictícias ganham visibilidade e chamam atenção para importância de sua proteção
Devido às especificidades das marcas fictícias, é necessário se atentar às formas corretas de garantir e proteger sua propriedade intelectual tanto física quanto virtualmente
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Com a industrialização e ampliação das relações de comércio e serviços, inclusive no meio digital, cresceu a conscientização sobre a importância do registro de marcas. As marcas assumem grande espaço no cotidiano de todos, principalmente pelo acesso exacerbado a conteúdos, informações e publicidades consumidas diariamente e, em contato com em tais conteúdos, se encontra o entretenimento.
Por meio de smartsphones, computadores, televisões, livros e outros veículos de informação, a população tem acesso a diversos tipos de entretenimento e as marcas conquistaram papeis relevantes nesse cenário, inclusive, financiando e patrocinando jogos, filmes e séries com o intuito de ampliar sua notoriedade perante o público. No entanto, um fenômeno que ocorre do outro lado das telas ganha destaque, no qual há a criação de marcas fictícias desenvolvidas exclusivamente para as obras em que são inseridas.
Marcas “reais” e marcas fictícias
Uma marca serve ao propósito de identificar, individualizar e distinguir produtos e serviços. Protegidas pela Lei de Propriedade Industrial – LPI (Lei Federal nº 9.279/96), seu registro deve ser solicitado perante o Instituto Nacional da Propriedade Industrial (INPI), sendo assegurado ao titular que o adquirir o uso exclusivo, em todo o território nacional, pelo prazo de dez anos, passível de sucessivas renovações.
Por sua vez, as marcas fictícias nascem, em muitos casos, das latentes discussões e complicações enfrentadas pelo uso de marcas reais em obras audiovisuais, interativas e literárias, estimulando a criação de marcas irreais como uma forma de evitar a violação de direitos de terceiros, além de solucionar cenários nos quais a obtenção de licenças de uso não é factível e facilitar o processo de clearance – obtenção de autorização de terceiros e identificação de riscos relacionados à veiculação de determinada obra para a distribuição dos conteúdos.
Se as marcas fictícias surgem com um propósito de simplificar questões existentes, certamente hoje se apresentam como um nicho de mercado a ser explorado. Isso porque, em razão da fama que muitas obras alcançam, suas marcas se tornam potenciais ativos, cativando o interesse de consumo do público e indicando uma possibilidade “desficticionalização”, isto é, a exploração da marca fictícia no mundo real.
Alguns exemplos de marcas fictícias que romperam a barreira do mundo virtual podem ser extraídos:
- De animações, como a marca da cerveja “Duff”, consumida por Homer Simpson, e vendida atualmente em diversas locais, incluindo nos Parques da Universal Studios, em Orlando;
- De séries, como o Central Perk, café em Nova York da série Friends, e nome atual de outros cafés localizados em Nova York;
- De filmes, como o restaurante Bubba Gump Shrimp, de Forest Gump ou os chocolates Wonka, de A Fantástica Fábrica de Chocolates.
A proteção das marcas fictícias
Assim como as marcas “reais”, as fictícias fazem parte da divulgação de grandes obras, podendo ser percebidas em anúncios, trailers, entre outros. No entanto, a forma de assegurar sua proteção ainda é objeto de extensas discussões. Isto porque em cada caso é necessário definir até que ponto aquele produto ou serviço fictício deve ser protegido pela LPI, pela Lei de Direitos Autorais – LDA (Lei Federal nº 9610/98) ou passível de dupla proteção.
Como já abordado, uma marca necessariamente depende de um registro para que exista efetiva proteção. Dentre as limitações apresentadas pelo art. 124 da LPI observa-se a previsão do inciso XVII de que não são registráveis obras literárias, artísticas ou científicas (…) salvo com consentimento do autor ou titular. Por sua vez, a proteção pelo direito autoral nasce com a obra, não dependendo de registro.
Com o mesmo intuito, o art. 8º da LDA apresenta as limitações para tal proteção, contendo em seu inciso VII a previsão de que o aproveitamento industrial ou comercial das ideias contidas nas obras não estaria protegido por essa norma.
Nesse sentido, podemos concluir que, uma marca fictícia pode transitar pelas duas vias legais a depender de sua criação, originalidade, notoriedade e aplicabilidade no mundo real, isto é, sua “desficticionalização”.
No que tange a ceara autoral, apesar de a LDA elencar as obras intelectuais passíveis de proteção, tal lista não é exaustiva. Portanto, a criação de personagens, produto ou serviço originais inseridos na obra principal também podem ser abarcados por esse tipo de proteção. Já no âmbito da proteção industrial, destaca-se que em razão do caráter atributivo do direito, o Estado pode conceder a exclusividade de um sinal ao titular que o requerer primeiro.
Registro de marcas fictícias
Para que uma marca fictícia seja registrada perante o INPI, é necessário que sua utilização transpasse, ou pretenda transpassar, o mundo virtual – seja pela exploração do autor ou pelo licenciamento de seu direito para exploração por terceiros, fato que nem sempre acontece, abrindo a possibilidade para tentativas de registros sem autorização.
No âmbito internacional, o caso da cerveja “Duff” ganha visibilidade por seu registro no México e é explorada por um empresário e não pela 20th Century Fox Filmes, além do caso da obra de Banksy, “The Flower Thrower”, que teve seu registro de marca figurativa (Processo nº 012575155) anulado pelo Escritório de Propriedade Intelectual da União Europeia (EUIPO) a pedido da Full Color Black, uma empresa de cartões comemorativos que alegou má-fé do registro, uma vez que o titular não pretendia usá-la para identificar produtos ou serviços no mercado. A decisão de anular o registro da marca também considerou o fato de que o artista permanece em anonimato, fato que o impede de se beneficiar do direito a sua propriedade intelectual.
No Brasil, também é possível averiguar casos em que a proteção de marcas fictícias foi discutida mas, ainda assim, muitos questionamentos permanecem:
- A efetividade de autores apresentarem oposição a um pedido de registro após o prazo de proteção autoral da obra;
- A possibilidade de uma obra em domínio público ser passível da exclusividade proporcionada por um registro de marca em nome de um titular;
- O enquadramento do registro de marcas compostas por títulos ou nomes de personagem inseridos em obras notoriamente conhecidas como aproveitamento parasitário.
Com efeito, eventuais insucessos, más condutas, qualidade inferior dentre outros aspetos negativos associados ao uso de uma marca fictícia no mundo real poderá, ao fim, prejudicar a exploração regular da obra em que a marca foi criada.
De forma pragmática, conveniente ao criador de marcas fictícias refletir sobre seu potencial de desficticionalização para se atentar, desde o início, ao uso não autorizado da marca no mundo real e tomar as medidas necessárias para obter a proteção fora do mundo ficcional, ciente dos requisitos que possam existir em cada jurisdição que pretenda atuar ou ter sua marca protegida.
Visto que o mercado de entretenimento permanece em expansão, tão importante quanto investir em criações é compreender a relevância de proteger os ativos da melhor forma, ainda que eles pertençam ao mundo fictício.
* Com colaboração de Nathalia Fraifeld.
Para mais informações sobre estratégia de marcas, acompanhe a série especial Desafios jurídicos no posicionamento de marcas.