Marcas de luxo: novas tecnologias, oportunidades e cautelas
As particularidades e as novas tendências desse mercado podem trazer desafios à proteção de direitos envolvidos
Assuntos
Marca é um sinal distintivo cujas funções principais são identificar a origem e distinguir produtos ou serviços de outros idênticos ou semelhantes. Pela legislação brasileira, são passíveis de registro como marca todos os sinais distintivos visualmente perceptíveis.
Atualmente, as marcas podem ser registradas no Brasil de forma:
- Nominativa (sinal constituído por uma ou mais palavras);
- Figurativa (desenho, símbolos, figuras, imagem e qualquer outra forma fantasiosa de algarismo ou letra);
- Mista (combinação de elementos nominativos e figurativos);
- Tridimensional (forma tridimensional distintiva de produto ou embalagem).
As marcas de luxo, por sua vez, se diferem das demais pois, além de comunicar uma expectativa de origem e qualidade, também transmitem exclusividade, sensação de escassez e prestígio.
Assim, um item de luxo carrega consigo um valor imaterial intrínseco, cuja existência depende da manutenção de um elevado grau de distintividade da marca, de modo que sua eventual diluição no mercado (perda do poder distintivo e atrativo pela prática de qualquer ato de ofensa à integridade material ou reputação da marca, nos termos do artigo 130, III, da – Lei da Propriedade Industrial ou LPI) é extremamente prejudicial.
Estratégia para marcas de luxo
Nesse sentido, é de grande relevância a definição de uma estratégia adequada para resguardar as marcas e itens de luxo, que explore a contento as hipóteses apresentadas pela legislação. A depender do caso concreto, é possível, por exemplo, pleitear mais de um tipo de registro para diferentes características e usos de um mesmo sinal distintivo ou buscar seu reconhecimento como marca de alto renome, medidas que ampliam as possibilidades de proteção.
A exacerbar ainda mais a necessidade de se proteger as marcas e itens de luxo, ressalta-se que, segundo a Associação Brasileira das Empresas de Luxo (Abrael), esse mercado faturou US$ 5,226 bilhões em 2020, com projeção de aumento em 3% até 2025.
Pirataria e mercado ilegal
Por serem itens de desejo por excelência, as marcas de luxo, que não têm preços acessíveis, estão sujeitas à exploração não autorizada – conduta configurada pela LPI como infração civil e penal.
Apesar de oculto, o mercado de produtos piratas , em prejuízo não só aos consumidores (que, dentre outras questões, podem enfrentar problemas de qualidade), mas sobretudo aos titulares de marcas. Pontua-se, ainda, a expansão do comércio eletrônico ocorrida durante a pandemia, o que facilita o escoamento desses produtos ilegais.
Embora o risco de dano se estenda a todas as marcas pirateadas, as marcas de luxo ficam especialmente vulneráveis à desvalorização e à perda do seu poder atrativo, já que a circulação de produtos piratas pode afetar tanto a sua reputação quanto a característica de exclusividade, fator essencial para a manutenção do próprio valor da marca.
Diante desse cenário, torna-se indispensável desenvolver e implementar procedimentos para a proteção da marca contra a pirataria, que podem abranger o monitoramento de mercado (inclusive o digital, em marketplaces), ações para o controle de fronteira, atuação conjunta com agências alfandegárias e outras medidas judiciais e administrativas.
Marcas de luxo, NFTs e metaverso
Por estar em franca expansão, o mercado de luxo busca se manter sempre atual e relevante, o que inclui acompanhar as novas tecnologias. Nesse aspecto, algumas marcas começaram a se utilizar de non-fungible tokens (NFTs) e a planejar seu posicionamento no metaverso.
Apesar de terem diversas aplicações, os NFTs se popularizaram como viabilizadores da comercialização de itens digitais colecionáveis (e, por conseguinte, como opção de investimento), pois consistem em certificados que atestam a autenticidade de um arquivo digital.
O grande potencial lucrativo desse mercado, conjugado à segurança proporcionada pelo certificado, levou empresas renomadas a investirem nesse meio, a exemplo, no mercado de luxo, da criação de designs virtuais, filtros de aplicativos de fotos e skins, que alteram a aparência dos avatares em jogos da internet. Verifica-se que as coleções de NFTs dessas marcas podem ser criadas exclusivamente para o meio digital ou se manifestar também no meio físico.
Nesse contexto de tokenização e avanços tecnológicos relacionados ao ambiente digital, surge ainda o metaverso, espaço virtual que proporciona interação entre os usuários e, inclusive, permite a comercialização de NFTs que, assim como estes, trouxe novas oportunidades de posicionamento às marcas de luxo e, em paralelo, renovou as discussões relacionadas a infrações marcárias.
Fashion Week do Metaverso
Uma dessas oportunidades foi um evento pioneiro para as marcas de luxo: o Fashion Week do Metaverso, um evento de moda para designs em NFT em um ambiente completamente digital. Destaca-se que algumas marcas inovaram na experiência do consumidor ao ofertar à venda itens em NFTs (com a possibilidade de aquisição mista de peças que existiam nos formatos digital e físico), expor vitrines virtuais de suas coleções físicas e permitir que os usuários experimentassem wearables de NFTs (roupas ou acessórios digitais).
De modo a resguardar essa nova forma de exploração, os titulares de marcas de luxo devem identificar possíveis riscos e, eventualmente, intensificar os cuidados com o uso não autorizado. Embora itens de moda, conforme tratado acima, já sejam objeto de pirataria e violações, a disponibilização em um ambiente exclusivamente digital pode potencializá-las, já que, nesse caso, a cópia é facilitada.
Em atenção a esse ponto, algumas medidas já têm sido adotadas. A título ilustrativo, se observa um crescimento no número de depósitos de pedidos de registros de marca perante o United States Patent and Trademark Office (USPTO) para produtos e serviços a serem utilizados em ambientes digitais exclusivamente. A criação de estratégias de proteção específicas para as novas tecnologias será o desafio dos próximos anos.
Upcycling
Com a crescente valorização de práticas ambientais, sociais e de governança (popularizadas pela sigla ESG), tanto pelas empresas quanto pelos consumidores, ganham relevância medidas de produção e consumo sustentáveis. É o caso do upcycling, voltado ao reaproveitamento de materiais, como peças de roupa descartadas, para a produção de novos produtos.
Algumas marcas de luxo criaram iniciativas nesse sentido, a exemplo da reformulação de peças vintage para venda em uma coleção de um número limitado de peças exclusivas. Além disso, com a expansão do upcycling, a prática passou a ser adotada por outros players no mercado e pelos próprios consumidores.
Embora existam benefícios de sustentabilidade, a prática pode gerar questionamentos sob a perspectiva de propriedade intelectual, sobretudo se os materiais reutilizados exibem marcas e designs alheios – o que ocorre quando se utiliza, por exemplo, um tecido de uma blusa estampada com o logotipo de uma marca para criar uma bolsa.
Assim, caso sejam utilizados materiais portando marcas de luxo, o reuso pode ocasionar em diluição da marca (isto é, atentar contra a sua reputação ou integridade material), e/ou possibilitar confusão quanto à procedência do produto ou associação indevida com a marca em questão, com o aproveitamento não autorizado do prestígio, fama e reputação desta.
Logo, a prática de upcycling exige um planejamento cuidadoso de parcerias e fluxos de produtos, de modo a preservar o posicionamento estratégico da marca, podendo ser necessários arranjos contratuais para assegurar os direitos das partes envolvidas.
Para mais informações sobre estratégia de marcas, acompanhe a série especial Desafios jurídicos no posicionamento de marcas.
*Com a colaboração de Lorena de Freitas Pereira e Júlia Leite Contri.