Lei cria programas de autocontrole agropecuário no Brasil
Projeto de Lei sancionado modifica o sistema de fiscalização da produção agropecuária no país
Assuntos
O Senado aprovou o Projeto de Lei (PL) nº 1.293/2021, que autoriza e disciplina os programas de autocontrole agropecuário para os produtores rurais, em 20 de dezembro de 2022. Após aprovação, o PL seguiu para sanção presidencial e foi transformado na Lei nº 14.515/2022. Além de estabelecer um novo sistema de fiscalização para a produção agropecuária no país, a lei cria o Programa de Incentivo à Conformidade em Defesa Agropecuária e o Programa em Defesa Agropecuária para Fronteiras Internacionais (Vigifronteiras).
Breve contextualização
Com a sanção do PL, a fiscalização sobre a produção agropecuária deixa de ser exclusivamente estatal para a adoção de um modelo híbrido, que estabelece responsabilidade compartilhada entre agentes privados e o Poder Público.
Impulsionada pela Lei de Liberdade Econômica (Lei nº 13.874, de 20 de setembro de 2019), a transformação no modelo de fiscalização agropecuária visa minimizar e tornar subsidiária a intervenção estatal sobre o exercício das atividades agropecuárias, com maior protagonismo da iniciativa privada e evidente redução de custos associados às ações estatais de fiscalização, permitindo maior foco naquelas atividades de maior potencial de risco.
Esse processo de desburocratização das ações fiscalizatórias, além de permitir maior liberdade e dinamicidade para a produção rural, acompanha as tendências estrangeiras sobre o tema, como ocorre nos Estados Unidos e na Europa, onde há sistemas parecidos de autocontrole.
Principais mudanças
De forma geral, a lei estabelece que produtores agropecuários regulados pela legislação de defesa agropecuária deverão desenvolver programas de autocontrole com o objetivo de garantir a qualidade e segurança de seus produtos. Cabe observar que o Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa) não estará isento de responsabilidade fiscalizatória, visto que deverá estabelecer requisitos básicos para o desenvolvimento destes programas, bem como editar normas complementares e definir os procedimentos oficiais de verificação do novo modelo de controle.
Além disso, merecem destaque os seguintes dispositivos que trazem inovação ao sistema de fiscalização e controle agropecuário:
- Os programas de autocontrole deverão conter registros do processo produtivo, desde o recebimento das matérias-primas até o produto final, previsão do recolhimento de lotes, se reconhecidas deficiências ou inadequações aos padrões de qualidade e descrição dos processos de autocorreção;
- A implementação dos programas de autocontrole poderá ser realizada por entidade terceira, a critério do produtor/fabricante;
- É facultativa e não compulsória a adesão ao novo sistema de autocontrole por agentes da produção primária agropecuária e da agricultura familiar;
- Fica criado o Programa de Incentivo à Conformidade em Defesa Agropecuária, que tem como objetivo aperfeiçoar os sistemas de garantia de qualidade, construindo-se um modelo eficiente e auditável. Os produtores que adotarem este programa terão incentivos como agilidade nas operações de importação e exportação, prioridade na tramitação de processos administrativos perante a SDA do Mapa, sobretudo dos relacionados a atos públicos de liberação da atividade econômica, acesso automático às informações de tramitação dos processos de interesse do estabelecimento e dispensa de aprovação prévia de atos relacionados a reforma e ampliação do estabelecimento, com base na existência de princípios regulatórios já estabelecidos;
- Foi estabelecido o Programa em Defesa Agropecuária para Fronteiras Internacionais (Vigifronteiras), tendo como objetivo a construção de um sistema integrado de vigilância para a defesa agropecuária nas áreas de fronteira com objetivo de impedir o ingresso de substâncias que possam causar danos ao sistema agropecuário e conter eventuais danos causados.
Sanção e vigência
Com a aprovação do Senado, o PL foi encaminhado à sanção presidencial. No entanto, os seguintes dispositivos do PL foram vetados parcialmente, através do Veto nº 65/2022:
- Artigo 24: isenção de registro para os insumos agropecuários produzidos ou fabricados pelo produtor rural para uso próprio, vedada a comercialização dos referidos insumos sob qualquer forma. No caso de produtos químicos classificados como agrotóxicos ou de produto de uso veterinário, o Mapa estabelecerá, em ato próprio, os insumos agropecuários para os quais a isenção de registro prevista no caput deste artigo não será aplicada. A operacionalização seria inviável, uma vez que haveria a necessidade de atualização constante de uma listagem que conteria os agrotóxicos e produtos veterinários isentos de registro, o que implicaria novas atualizações a cada novo ingrediente farmacêutico ativo desenvolvido;
- Parágrafo único do art. 35: a Superintendência Federal de Agricultura, Pecuária e Abastecimento deverá, nos termos de regulamento, julgar e emitir decisão de primeira instância sobre a interposição de defesa. A proposição legislativa incorre em vício de inconstitucionalidade, uma vez que a competência da decisão deveria ser da direção superior da administração pública federal ou ser proferida por meio de regulamento ou de decreto de organização e de funcionamento do Mapa.
A norma foi publicada com o veto aos artigos mencionados, no entanto continua para análise da Mesa do Congresso Nacional. Para que seja derrubado o veto é necessária a maioria absoluta dos votos de 257 deputados e 41 senadores, computados separadamente. A Sessão Conjunta do Congresso Nacional será convocada para deliberar sobre os vetos.
A partir da sua publicação, o Poder Executivo federal deverá editar regulamento do Programa de Incentivo à Conformidade em Defesa Agropecuária em até 120 dias.
A lei entrou em vigor, em 29 de dezembro de 2022, e os efeitos dos dispositivos passam a valer a partir desta data, com exceção da infração prevista no artigo 29 – introdução irregular no país de animais e vegetais, ou de seus produtos, praticada por pessoa física – produzirá efeitos 90 dias após 29 de dezembro de 2022; e o capítulo IV, que trata do procedimento dos atos públicos de liberação de registros de estabelecimentos e de produtos, que produzirá efeitos 60 dias após esta data.
Para mais informações sobre o tema, conheça as prática de Agronegócio e Life Sciences e Saúde do Mattos Filho.
*Com a colaboração de Henryk Trelinski Alvarenga.