Decreto que regulamenta a Nova Lei do Gás é publicado
Regras tratam desde o transporte até a comercialização de gás natural
Assuntos
O Decreto
nº 10.712/2021, regulamentador da Nova Lei do Gás (Lei 14.134/2021), foi publicado no Diário
Oficial da União, na última sexta-feira (4/6), com as regras sobre as
atividades relativas ao transporte, escoamento, tratamento, processamento,
estocagem subterrânea, acondicionamento, liquefação, regaiseficação e comercialização
de gás natural.
A Nova
Lei do Gás proporciona a modernização da legislação do gás natural em prol
de um mercado mais aberto, dinâmico e competitivo, com a valorização dos princípios
da livre concorrência e da livre iniciativa.
Especialistas
do Mattos Filho destacam, a seguir, os pontos principais do decreto, que é um
marco para toda a cadeia de valor do gás natural.
Transporte de gás natural
Regime de outorga
O
decreto regulamenta sobre o novo regime de autorização para exploração da
atividade de transporte de gás natural (novos gasodutos) que veio a substituir
o regime de concessão previsto na Lei do Gás anterior (Lei 11.909/2009). Tal previsão é considerada
positiva, pois visa garantir maior celeridade e eficiência em comparação com o
regime anterior.
Além
disso, o novo regime de outorga para construção de gasoduto de transporte
destinado ao atendimento de novos mercados consumidores possui o objetivo de assegurar
transparência aos usuários e à sociedade, tendo em vista o processo de
autorização passa a prever período de contestação, no qual outros
transportadores poderão manifestar interesse na implantação de gasoduto com a
mesma finalidade.
Em
relação a gasodutos de transporte — aqueles destinados à movimentação de gás
natural, cujas características técnicas de diâmetro, pressão e extensão superem
limites estabelecidos em regulação da Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural
e Biocombustíveis (ANP), conforme disposto inciso VI do artigo 7º da Nova Lei
do Gás —, o decreto estabelece critérios para definição dos limites, conforme a
seguir:
- Deverá
ser considerada a promoção da eficiência global das redes; - Os
limites poderão ser diferenciados de acordo com a finalidade dos gasodutos; - Desde
que atendidos os requisitos técnicos, os gasodutos que tenham por finalidade
conectar instalações de GNC ou GNL a outro gasoduto de transporte de gás
natural deverão ser considerados gasodutos de transporte; - Ainda
que atendidos os critérios técnicos, a ANP poderá excepcionalmente deixar de
classificar determinado gasoduto como gasoduto de transporte, desde que não
implique potencial impacto ou conflito com estudos de planejamento e com os
planos coordenados de desenvolvimento do sistema de transporte, existentes ou
em elaboração; e a influência do projeto esteja restrita exclusivamente ao
interesse local.
O
decreto, ainda, possibilita a conexão direta entre instalação de transporte e
usuário final de gás natural quando for permitida pela norma estadual
aplicável.
Áreas de mercado e gestores de área
O
sistema de transporte de gás natural poderá conter mais de uma área de mercado
de capacidade, os quais serão regulados e fiscalizados pela ANP de modo a
favorecer o processo de fusão entre as áreas, com objetivo de diminuição
progressiva de áreas e aumento da liquidez do ponto virtual de negociação.
A
Nova Lei do Gás inova ao dispor que transportadores que operem em uma mesma
área de mercado deverão constituir um gestor, agente regulado que será
responsável pela coordenação da operação dos transportadores. O decreto, por
sua vez, dispõe que os gastos eficientes (definidos como os custos, despesas e
investimentos em capital incorridos em bases econômicas, necessários e
suficientes para a prestação do serviço ou para o exercício da atividade)
incorridos na constituição do gestor da área de mercado de capacidade serão
arcados pelos transportadores e incluídos nos custos e despesas vinculados à
prestação de serviço de transporte, sendo possível a troca de titularidade do
gás natural sob custódia do transportador, conforme regulação da ANP.
Ponto virtual de negociação
O
decreto define ponto virtual de negociação como sendo um ponto sem uma
localização física em uma área de mercado de capacidade, que permite aos
carregadores realizar a transferência da titularidade do gás e a compensação de
desequilíbrios, nos termos da regulação da ANP.
Deverá
ser garantido aos carregadores acesso não discriminatório ao ponto virtual de
negociação, mediante adoção de mecanismos de eliminação de congestionamento
contratual nos pontos de entrada e saída do sistema de transporte, em especial
nos pontos de entrada referentes às instalações de injeção conectadas. Como
forma de eliminar tal congestionamento, o decreto admite medidas de cessão
compulsória, temporária ou permanente, de capacidade de transporte cuja
necessidade de uso de forma continuada não possa ser comprovada por seus
contratantes.
Estocagem Subterrânea
O
decreto regulamenta sobre estocagem subterrânea de gás natural, definido pela
Nova Lei do Gás como armazenamento de gás natural em formações geológicas
produtoras ou não de hidrocarbonetos. A atividade de estocagem subterrânea de
gás natural será exercida exclusivamente em regime de autorização, cuja
atividade deverá ocorrer por conta e risco do interessado. A extração residual
de hidrocarbonetos líquidos durante o exercício da atividade de estocagem
subterrânea de gás natural se dará mediante regime simplificado, conforme a
regulação da ANP, sendo dispensada a licitação.
A
ANP será a responsável pela autorização e poderá solicitar à Empresa de
Pesquisa Energética (EPE) a elaboração de estudos específicos para suporte a
decisões relativas à outorga das atividades da indústria do gás natural, aos
planos coordenados de desenvolvimento do sistema de transporte, aos processos
de solução de controvérsias, ao acesso às infraestruturas essenciais e aos
projetos de estocagem subterrânea de gás natural, entre outros.
Restou
esclarecido que a vedação prevista no §1º do artigo 23 da Nova Lei do Gás – no
sentido de que o armazenador de gás natural não poderá retirar da formação
geológica volume de gás natural superior ao originalmente armazenado -, não
prejudica os direitos do armazenador que seja titular de direito de produção de
petróleo, gás natural e outros hidrocarbonetos fluidos na formação geológica.
Nesse
aspecto, a ANP regulará o acesso de terceiros às instalações de estocagem
subterrânea de gás natural, observados critérios objetivos, transparentes e não
discriminatórios, podendo ser estabelecidos prazos e condições para a
negociação do acesso. Como forma de garantir a transparência, a ANP poderá dar
publicidade aos projetos de construção de gasodutos de escoamento e de unidades
de processamento de gás natural, de forma a possibilitar a coordenação entre os
proprietários das instalações e os agentes interessados no acesso, bem como ter
acesso a informações, mesmo havendo cláusula de confidencialidade em relação às
tratativas.
Dentre
outros fatores definidos na regulação, a ANP estabelecerá o período em que o
acesso de terceiros às instalações de estocagem subterrânea não será obrigatório,
sendo considerado:
- o
retorno dos investimentos realizados por aqueles que viabilizaram o
empreendimento; - a
eventual relação societária do titular da instalação de estocagem com empresas
atuantes em outros elos da cadeia do gás natural; e - a
relevância da instalação de estocagem para o abastecimento nacional de gás
natural.
Distribuição e comercialização de Gás Natural
Definição de “fornecimento de gás canalizado”
Diante
da ausência de definição de distribuição de gás canalizado na Lei do Gás anterior,
a sua a abrangência e aplicabilidade foi bastante discutida ao longo das
discussões do Projeto de Lei (PL) da Nova Lei do Gás, em especial sobre a
possibilidade de que essa deveria abranger expressamente, ou não, a
comercialização de gás para o consumidor final, além dos serviços de
movimentação.
Em
que pese a Nova Lei do Gás repetir a definição constitucional de “distribuição
de gás canalizado” como “prestação dos serviços locais de gás canalizado
consoante o disposto no § 2º do art. 25 da Constituição Federal”, o decreto
é mais específico e define como “serviço explorado nos termos da regulação
estadual ou distrital, que consiste na venda de gás canalizado a consumidores
cativos”.
Independência e autonomia
Não
obstante o decreto permitir a relação societária entre empresas que exerçam
atividade concorrencial e distribuidoras de gás canalizado, foram dispostos
mecanismos para evitar práticas anticoncorrenciais no mercado de gás natural.
Nesse sentido, a ANP poderá impor condicionantes para a obtenção e manutenção
de autorizações para exercício das atividades concorrenciais da indústria do
gás natural, mediante edição de normas que impeçam que as empresas autorizadas
sejam capazes de:
- influenciar
a gestão comercial e as decisões de investimento de distribuidoras de gás
canalizado; - obter
vantagem competitiva em relação aos seus concorrentes; ou - ter
acesso a informações concorrencialmente sensíveis detidas por distribuidoras de
gás canalizado.
Consideram-se
informações específicas aquelas que versam diretamente sobre o desempenho das
atividades-fim das empresas que exercem atividades concorrenciais ou que possam
conferir às empresas vantagem competitiva. Exemplos são os dados não públicos
sobre custos e planos de expansão, preços e descontos, estratégias
competitivas, principais clientes, salários de funcionários, marcas, patentes e
pesquisa e desenvolvimento, entre outros.
Ainda,
a ANP poderá restringir o compartilhamento de recursos humanos entre as
empresas, o acesso ou compartilhamento de sistemas de informação, e
interferência nos processos de tomada de decisão comercial para atendimento ao
mercado cativo ou a investimentos de expansão da rede.
Abrangência da atividade de comercialização
A
atividade de comercialização de gás natural abrange a venda de gás natural
acondicionado sob as formas gasosa, líquida ou sólida, transportado por modais
alternativos ao dutoviário, inclusive aos usuários finais.
Redução de concentração de mercado
O
Decreto passa a regulamentar sobre a adoção de mecanismos de estímulo à eficiência
e competitividade a serem efetivados pela ANP, mediante ampla publicidade dos
seus termos e condições, cujo programa de venda de gás natural previsto no
inciso II, §1º do artigo 33 da Nova Lei do Gás deverão observar as seguintes
diretrizes:
- a cessão
da capacidade de transporte referente ao volume de gás liberado por meio do
programa nos pontos relevantes do sistema de transporte, de forma simultânea à
venda do gás natural, quando couber; - a
inexistência de restrição para que o gás vendido e a respectiva capacidade de
transporte possam ser livremente negociáveis em mercado secundário; e - o
oferecimento, com regularidade, de contratos diários, mensais, trimestrais ou
anuais em relação ao gás vendido por meio do programa, a critério da ANP.
Fungibilidade
O Decreto dispõe que o gás
natural será considerado bem fungível, desde que observadas as especificações
estabelecidas pela ANP, podendo haver exceção no caso em que houver a mistura
de gás natural de diferentes qualidades. Nessa hipótese, poderá ser adotada a
equivalência energética para fins de fungibilidade.
Nesse aspecto, destaca-se
que o biometano (definido como biocombustível gasoso constituído essencialmente
de metano, derivado da purificação do biogás) e outros gases intercambiáveis
com o gás natural terão tratamento regulatório equivalente ao gás natural,
desde que atendidas as especificações estabelecidas pela ANP.
Custos e despesas
Os
custos de certificação acerca do enquadramento, pelos transportadores de gás
natural, nos requisitos de independência e autonomia em relação aos agentes, e do
atendimento às exigências de independência dos agentes, ambos que exerçam
atividades concorrenciais da indústria do gás natural em relação às distribuidoras
de gás natural, serão suportados pelos agentes regulados.
Por
outro lado, os gastos eficientes necessários para a certificação de
independência do transportador poderão ser repassados para os valores de
tarifas de transporte desde que previamente aprovados pela ANP.
Por
fim, os gastos eficientes necessários para a transição da indústria brasileira
do gás natural para o modelo de sistema de transporte estabelecido na Nova Lei
do Gás deverão ser suportados pelos transportadores e incluídos nos custos e
despesas vinculados à prestação do serviço de transporte de todos os
respectivos carregadores.
Para mais
informações sobre a Nova Lei do Gás, conheça a prática de Infraestrutura e Energia do Mattos Filho.