Nova Lei do Gás é sancionada
Marco regulatório prevê importantes mudanças visando aumentar a competitividade do setor
Assuntos
A Lei 14.134/2021, conhecida como “Nova Lei do Gás”, publicada no Diário Oficial da União na sexta-feira (9/4), proporciona a modernização da legislação do gás natural em prol de um mercado mais aberto, dinâmico e competitivo. O texto sancionado sem vetos pelo Presidente da República na quinta-feira (8/4) traz mudanças significativas ao setor ao substituir a Lei do Gás anterior (Lei 11.909/09). Com a rejeição de todas as emendas propostas no Senado Federal, o texto reflete a versão aprovada na Câmara dos Deputados em setembro de 2020.
Especialistas do Mattos Filho destacam, a seguir, as principais alterações promovidas pela nova lei, que afeta toda a cadeia de valor do gás natural: do upstream ao downstream.
Acesso às essential facilities
A Lei do Gás anterior, em seu artigo 45, desobrigava expressamente o acesso aos gasodutos de escoamento da produção, às instalações de tratamento ou processamento de gás natural, terminais de liquefação e regaseificação.
Já o artigo 28 da Nova Lei do Gás assegura o acesso não discriminatório e negociado de terceiros interessados aos gasodutos de escoamento da produção, às instalações de tratamento ou processamento de gás natural e aos terminais de GNL. Ela também garante que o proprietário tenha preferência do uso da instalação.
Note-se que a Nova Lei do Gás dispõe de regras mais detalhadas sobre o acesso, como é o exemplo da criação de um código de conduta e prática de acesso à infraestrutura, que deve estabelecer regras sobre remuneração a ser paga ao proprietário e critérios objetivos que devem constar no contrato. Dessa forma, o PL traz mais transparência ao acesso de terceiros à tais infraestruturas. Além disso, elege a Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP) como responsável por decidir sobre controvérsia entre o proprietário e usuários.
Transporte de gás natural
Regime de outorga
O artigo 3º da Lei do Gás anterior elege o regime de concessão para a exploração da atividade de transporte de gás natural (novos gasodutos).
Já nos termos da Nova Lei do Gás, a atividade de transporte de gás natural será exercida exclusivamente em regime de autorização. A mudança é positiva, pois, em tese, torna o processo de construção ou ampliação de novos gasodutos mais célere e eficiente em comparação com o modelo de concessão trazido pela Lei do Gás anterior.
Contratação de capacidade
Também nos termos da Nova Lei do Gás, os serviços de transporte de gás natural serão oferecidos no regime de contratação de capacidade por entradas e saídas, podendo essa contratação ocorrer de forma independente nos pontos de entrada e nos pontos de saída. O modelo de entradas e saídas, em tese, poderá incrementar a liquidez e a flexibilidade da malha de transporte em comparação ao modelo de contratação de serviço de transporte ponto-a-ponto.
Desverticalização
A Nova Lei do Gás veda relação societária direta ou indireta de controle ou de coligação, nos termos da Lei 6.404/76, entre transportadores e empresas ou consórcio de empresas que atuem ou exerçam funções nas atividades de exploração, desenvolvimento, produção, importação, carregamento e comercialização de gás natural. É também vedada a escolha de membros do conselho de administração, diretoria ou representante legal de empresas que atuem nos segmentos supramencionados. A vedação anterior existente entre a atividade de transporte e carregamento de gás natural é estabelecida pela Resolução ANP 52/2011, de forma mais limitada.
Áreas de mercado e gestores de área
A Nova Lei do Gás inova ao dispor que transportadores que operem em uma mesma área de mercado deverão constituir um gestor, agente regulado que será responsável pela coordenação da operação dos transportadores.
Definição e classificação de gasodutos
A Lei do Gás anterior dispunha de uma lógica de “origem” e “destino” para classificar os gasodutos de escoamento, transporte e transferência.
A nova Lei do Gás dispõe de algumas mudanças nas definições gasodutos, especialmente com relação ao gasoduto de transporte, a quem dedicou um artigo exclusivamente para elencar critérios de enquadramento. Embora a nova Lei do Gás tenha mantido a lógica de “origem” e “destino” para classificar gasodutos, as mudanças detalham as definições de forma a alinhar os enquadramentos com a realidade de projetos atualmente existentes ou em andamento.
Outro destaque positivo foi a inclusão do § 1º no Artigo 3º “Os gasodutos não enquadrados nas definições constantes dos incisos XXIV, XXV e XXVI do caput, incluídos os que conectam unidades de processamento ou de tratamento de gás natural, de instalações de estocagem ou terminal de GNL a instalações de transporte ou de distribuição, serão classificados nos termos da regulação da ANP […]”.
A garantia de competência legal para a ANP criar novas classificações de gasodutos gera maior flexibilidade e estimula a criatividade de investidores no desenvolvimento de novos projetos.
Estocagem Subterrânea
Nos termos da Nova Lei do Gás, a atividade de estocagem de gás natural será exercida exclusivamente em regime de autorização. A mudança é positiva, pois é um regime de outorga mais simples face o modelo de concessão trazido pela Lei do Gás anterior, estimulando, portanto, investimentos em um segmento de atuação atualmente inexistente no Brasil e necessário para criação de um “mercado de gás” efetivo, eficiente e líquido.
Distribuição e Comercialização de Gás Natural
Definição de “distribuição de gás canalizado”
A Lei do Gás anterior não dispõe de uma definição de “distribuição de gás canalizado”. Por conta disso, ao longo das discussões do Projeto de Lei (PL) da Nova Lei do Gás foi aventada a possibilidade de que essa deveria abranger expressamente, ou não, a comercialização de gás para o consumidor final, além dos serviços de movimentação, o que permaneceu como um ponto de discórdia entre os diferentes stakeholders.
A versão do PL votada basicamente repete a definição constitucional de “distribuição de gás canalizado”, como “prestação dos serviços locais de gás canalizado consoante o disposto no § 2º do art. 25 da Constituição Federal“.
Duto dedicado
Tal como já disposto pela Lei do Gás anterior, a Nova Lei do Gás manteve a possibilidade de o consumidor livre, o autoprodutor e o auto-importador cujas necessidades de movimentação de gás natural não possam ser atendidas pela distribuidora de gás canalizado estadual, de construir e implantar, diretamente, instalações e dutos para o seu uso específico. Similarmente, também foi mantida a previsão de que as tarifas aplicáveis a tais dutos dedicados serão estabelecidas em observância aos princípios da razoabilidade, transparência, publicidade e às especificidades de cada instalação. Importante observar que a Nova Lei do Gás manteve a regra de que a definição de consumidor livre e o estabelecimento das tarifas de distribuição, mesmo do duto dedicado, devem ser regulamentados por cada estado. No entanto, o art. 45 da Nova Lei do Gás determina que o MME e a ANP deverão articular-se com os estados para a harmonização e aperfeiçoamento das regulações locais.
Independência do distribuidor
A Nova Lei do Gás veda aos responsáveis pela escolha de membros do conselho de administração ou da diretoria ou de representante legal de empresas ou consórcio de empresas que atuem ou exerçam funções nas atividades de exploração, desenvolvimento, produção, importação, carregamento e comercialização de gás natural ter acesso a informações concorrencialmente sensíveis ou exercer o poder para designar ou o direito a voto para eleger membros da diretoria comercial, de suprimento ou de representante legal de distribuidora de gás canalizado. Há, ainda, prazo de três anos a partir da publicação da lei para adequação à nova regra.
Redução de concentração de mercado
A Nova Lei do Gás autorizou a ANP a adotar mecanismos de estímulo à eficiência e competitividade, que poderão ser: desconcentração de oferta e de cessão compulsória de capacidade de transporte, de escoamento da produção e de processamento; programa de venda compulsória de gás natural por agentes que possuem elevada participação no mercado; e restrições à venda de gás natural entre produtores nas áreas de produção.
Para mais informações sobre a Nova Lei do Gás, conheça a prática de Óleo e Gás, do Mattos Filho.