

CVM edita resolução sobre insider trading
Nova regra dispõe sobre uso de informação privilegiada, vedações a negociações, política de negociação e planos de (des)investimento
No dia 1º de setembro de 2021, entrou em vigor a Resolução CVM nº 44 (Resolução 44), que dispõe sobre a divulgação de informações sobre ato ou fato relevante, a negociação de valores mobiliários na pendência de ato ou fato relevante não divulgado e a divulgação de informações sobre a negociação de valores mobiliários, entre outros, substituindo e revogando a Instrução CVM nº 358.
A Resolução 44 mantém e consolida boa parte das regras já previstas na Instrução CVM nº 358, alterando certos pontos relacionados a uso indevido de informação privilegiada, proibição de negociação em período que anteceder a divulgação de informações financeiras e contábeis, obrigatoriedade de adotar política de divulgação de ato ou fato relevante, planos individuais de investimento e negociações por fundos de investimento.
Confira as principais alterações trazidas pela Resolução 44:
Uso indevido de informação privilegiada
A Resolução 44 explicita e formaliza um sistema de presunções que vinha sendo aplicado pelo Colegiado da Comissão de Valores Mobiliários (CVM) na análise de casos concretos envolvendo acusações de negociação de valores mobiliários com uso indevido de informações privilegiadas:
- Presunção de uso: uma pessoa que negocie valores mobiliários dispondo de informação relevante ainda não divulgada faz uso dessa informação em tal negociação. A mesma presunção é aplicada a qualquer negociação realizada por ex-administradores até três meses após seu desligamento;
- Presunção de acesso: controladores, administradores, membros do conselho fiscal e a própria companhia (insiders) têm acesso a toda informação relevante ainda não divulgada ao mercado. Nesse ponto, importante mencionar que os membros de órgãos com funções técnicas ou consultivas, criados por disposição estatutária, não estão incluídos no rol de insiders e, portanto, a eles não é aplicada essa presunção;
- Presunção de conhecimento de confidencialidade: os insiders e qualquer pessoa que tenha relação comercial, profissional ou de confiança com a companhia, ao terem acesso a informação relevante ainda não divulgada, sabem que se trata de informação privilegiada;
- Presunção de relevância: a partir do momento em que são iniciados estudos e análises sobre o assunto, são relevantes informações sobre reorganizações societárias, combinação de negócios, mudança no controle da companhia (inclusive por meio de celebração, alteração ou rescisão de acordo de acionistas), cancelamento de registro de companhia aberta, mudança de ambiente ou segmento de negociação de ações e pedidos de recuperação judicial ou extrajudicial e de autofalência.
As presunções acima são relativas, ou seja, admitem prova em contrário diante do caso concreto. Do ponto de vista prático, essas presunções retiram da acusação e alocam no acusado o ônus da prova: basta que a acusação apure ter havido negociações por pessoa que se presume ter acesso a informação relevante ainda não divulgada, cabendo à pessoa acusada apresentar provas de que, no caso concreto, as presunções acima não são aplicáveis.
As presunções acima não são aplicáveis às aquisições de ações no contexto de planos de remuneração baseados em ações e a operações compromissadas.
Também se excepcionou a proibição de negociação de posse de informação privilegiada ainda não divulgada para os casos de subscrição de ações e de outros valores mobiliários emitidos pela própria companhia em tais operações (sem prejuízo das restrições aplicáveis nos casos de ofertas públicas).
Período de vedação autônoma
A Resolução 44 também estabeleceu uma proibição absoluta aos insiders, que não poderão negociar com valores mobiliários da companhia ou neles referenciados durante os 15 dias que antecedem a divulgação de informações contábeis trimestrais e das demonstrações financeiras anuais da companhia, independentemente de tais insiders terem ou não conhecimento do conteúdo dessas informações contábeis e financeiras e da existência ou não de informação relevante pendente de divulgação.
Em relação ao prazo de 15 dias, foi incluída na Resolução 44 a regra de contagem de prazo anteriormente indicada nos ofícios-circulares editados pelas áreas técnicas da CVM. De acordo com essa regra, a contagem de prazo deve ser feita excluindo-se o dia da divulgação das informações contábeis e financeiras em questão, sendo que os insiders podem realizar negociações com valores mobiliários da companhia ou neles referenciados no dia de tal divulgação, mas somente após tais informações contábeis e financeiras terem sido divulgadas.
Foram excepcionadas da proibição autônoma as negociações realizadas por insiders que sejam operações compromissadas, destinem-se a cumprir obrigações assumidas antes do período de vedação (como empréstimo de ações) ou sejam realizadas por instituições financeiras ou pessoas jurídicas do seu grupo econômico, desde que efetuadas no curso normal de seus negócios e dentro de parâmetros preestabelecidos na política de negociação da companhia.
Plano de investimento ou desinvestimento
A Resolução 44 estendeu a todos que, em razão da sua relação com a companhia, tornem-se potencialmente sujeitos às presunções acima a possibilidade de formalizar planos individuais de investimento ou de desinvestimento (Planos).
No caso de insiders e membros de órgãos com funções técnicas ou consultivas, criados por disposição estatutária, a formalização de Planos depende de autorização na respectiva política de negociação aprovada pela companhia. Nesse caso, a Resolução 44 flexibilizou a regra sobre qual órgão seria responsável por verificar, ao menos semestralmente, a aderência das negociações realizadas às regras do respectivo Plano: qualquer órgão, desde que estatutário, pode ser indicado para fiscalizar tal aderência, não sendo mais necessário que tal órgão seja o conselho de administração.
O prazo mínimo de carência para entrada em vigor de um Plano, de suas eventuais alterações ou do seu cancelamento, foi reduzido de seis para três meses.
Política de divulgação
A Resolução 44 limitou a obrigatoriedade da adoção de política de divulgação de ato ou fato relevante a companhias que, cumulativamente tenham registro de companhia aberta categoria A, tenham sido autorizadas por entidade administradora de mercado à negociação de ações em bolsa de valores e possuam ações em circulação.
Negociações por fundos de investimento
Conforme já era previsto na Instrução CVM nº 358, não se consideram negociações indiretas ou por conta de terceiros aquelas realizadas por fundos de investimento de que sejam cotistas as pessoas sujeitas a tal normativo, desde que as decisões de negociação não possam ser influenciadas pelos cotistas.
Como inovação, a Resolução 44 prevê a presunção relativa (como admitida prova em contrário) de que as decisões de negociação do administrador e do gestor de fundo exclusivo são influenciadas pelo cotista do fundo. No entanto, tal presunção não seria aplicável aos fundos de investimento exclusivos cujos cotistas sejam seguradoras ou entidades abertas de previdência complementar e que tenham por objetivo a aplicação de recursos de plano gerador de benefício livre (PGBL) e de vida gerador de benefícios livres (VGBL), durante o período de diferimento.
Aplicabilidade
As presunções, as vedações e as obrigações de comunicação sobre ato ou fato relevante previstas na Resolução 44 aplicam-se às negociações realizadas dentro ou fora do ambiente de mercado regulamentado de valores mobiliários, direta ou indiretamente, seja por meio de sociedades controladas ou de terceiros com quem seja mantido contrato de fidúcia ou administração de carteira, e por conta própria ou de terceiros.
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